Eu anoto em minha agenda datas importantes relacionadas à literatura, nascimento, morte e outros dias importantes dos grandes escritores. E hoje minha agenda informou que há 73 anos Virginia Woolf afogou-se no Rio Ouse, que fica perto de Monk’s House (hoje um espaço aberto a visitação), na cidade de Lewis, próxima a Londres.
Os motivos de sua decisão em tirar a própria vida são especulações, afinal, nunca saberemos o que se passou naquele fatídico dia em que ela escreveu uma carta ao marido, outra para a irmã, cruzou todo o jardim de sua casa, caminhou alguns quilômetros até encontrar o Rio Ouse e por lá encerrar a sua trajetória marcada por tragédias, alegrias, conquistas e a depressão.
És fascinação, amor!
Virginia Woolf sempre me causará um fascínio absurdo, brinco que ela é a minha deusa, mas no fundo não é brincadeira, eu falo sério, muito sério. Pois eu não sei como eu seria hoje se não fosse a influência dela em minha vida: desde eu ter me tornado uma leitora assídua, a ter tido coragem para mudar tantas coisas em minha vida.
Eu sou totalmente influenciável por ela e me sinto como uma discípula, sempre pronta a pôr em prática o que entendo sobre as obras dela. E olha, isso é muito pessoal, o que eu entendo sobre as obras dela é o que me faz ser quem eu sou, a escrever o que escrevo sobre ela. Outra pessoa lê e acha outra coisa. Mais outra pessoa, outra coisa e assim o mundo se faz. Mesmo a pessoa sendo uma simples leitora, como eu, mesmo a pessoa sendo diplomada em literatura e tudo mais.
Eu acredito que o olhar que cada um imprime sobre a arte que acessa é muito particular, porque está relacionado à bagagem cultural, social e de vida. Dessa forma, para mim, um dia de sol pode ser apenas um dia de sol, para outra pessoa pode ser um dia maravilhoso para aproveitar a vida.
Para exemplificar um pouco o que estou querendo dizer, selecionei algumas frases de Virginia Woolf retiradas do romance Orlando, escrito em 1928, e vou tecer breves comentários. A ideia é que você, caro leitor, também tente buscar o seu entendimento nas frases.
O que eu aprendi com Virginia Woolf e Orlando
A – O desejo de impor aos demais a própria crença
Nenhuma paixão é mais forte, no peito humano, que o desejo de impor aos demais a própria crença. Nada também corta tão pela raiz nossa felicidade e nos encoleriza tanto como sabermos que outros menosprezam o que exaltamos. […] Não é o amor à verdade, mas o desejo de prevalecer que levanta bairro contra bairro e faz uma paróquia desejar a derrota de outra paróquia. Cada qual procura paz de espírito e sujeição, mais do que o triunfo da verdade e a exaltação da virtude. (p. 83)
O comum, infelizmente, é a afirmação de uma verdade humilhando o outro lado (fique 5 minutos no Facebook para perceber isso). Me diga a sua verdade com todas as virtudes que ela possui e não ouse usar palavras negativas sobre o outro lado para embasar o seu lado. Tente. É muito difícil e um trabalho diário de buscar nas entranhas do ser, da vida, da sociedade uma resposta limpa sobre tudo.
B – Felicidade e ignorância
A verdade – se ousássemos empregar tal palavra em tal situação – é que esses grupos de pessoas parecem jazer sob um encantamento. A dona da casa é a nossa moderna Sibila. É uma feiticeira que conserva seus convidados sob um sortilégio. Nesta casa, eles se consideram felizes; naquela, talentosos; numa terceira, profundos. É tudo uma ilusão (o que não é nenhum mal, pois as ilusões são as mais necessárias e valiosas de todas as coisas, e quem pode criar uma está entre os maiores benfeitores do mundo), mas, como é notório que as ilusões se despedaçam em contato com a realidade, nenhuma real felicidade, nenhum real engenho, nenhuma real profundeza são tolerados onde a ilusão prevalece. Isto serve para explicar por que Madame du Deffand não disse mais de três coisas engenhosas no decurso de cinquenta anos. Se tivesse dito mais, seu círculo teria sido destruído. Deixando seus lábios, o dito de espírito rolaria sobre a conversação comum tal uma bala de canhão arrasando violetas e margaridas. (p. 111)
Esta frase me lembra muito aquela, que já virou um ditado popular “quanto mais ignorante você for, mais feliz será”. Às vezes é melhor para de pensar e apenas se divertir. Algumas ilusões podem servir de base para ser possível viver.
C – Sejam bem-vindas novas ideias!
Pois quando alguém chega a uma conclusão é como se tivesse atirado a bola por cima da rede, e precisa esperar que o invisível antagonista lha devolva. Que lhe mandariam daquele céu descolorido que cobria Chesterfield House? (p. 164)
Não serve de nada concluir sem que isso venha de volta como uma nova ideia, uma continuação, uma troca do nosso ser com o universo, ou até mesmo quando falamos alguma coisa e a pessoa ao lado simplesmente sorri, porque entendeu. Quando leio um livro, ao final, tenho a consciência da importância de minha compreensão, porque eu sou o invisível antagonista também.
As frases foram retiradas da edição de Orlando
da Editora Nova Fronteira, com tradução de Cecília Meireles.
Leia a resenha: Orlando e o tempo