Na primeira parte dos nossos estudos sobre o Drácula, de Bram Stoker, discutimos as histórias que inspiraram a criação do clássico. Agora, vamos nos dedicar à figura do vampiro, que, ao longo do tempo, adquiriu vários contornos na literatura, no cinema e na cultura pop.
O mito do vampiro e suas origens
O vampiro como conhecemos se estabeleceu em nossa cultura há um tempo relativamente curto se comparado à lenda em si, já que é capaz de histórias que os envolvam existam há tanto tempo quanto a própria linguagem. A palavra vampiro – vinda do francês vampir – tornou-se popular durante o século XIX, que foi marcado com publicações como O Vampiro, de John W. Polidori, e Drácula, de Bram Stoker, além de muitas outras publicações que envolviam tal criatura. Sua origem ainda não é certa, uma vez que civilizações gregas e romanas possuíam lendas que podem ser caracterizadas como precursoras do mito. Entretanto, a história que o envolve da forma como conhecemos hoje teve sua origem por volta do século XVIII, o que causou surtos de histeria coletiva e a morte de muitas pessoas inocentes.
As narrativas que envolvem criaturas sobrenaturais que usam do sangue para se alimentar são encontradas em quase todas as culturas ao redor do mundo há séculos, já que o consumo de sangue sempre foi atribuído a entidades demoníacas. Os primeiros registros desse mito são provenientes da Pérsia, mas também são encontrados em lendas babilônicas atribuídas a Lilitu – palavra derivada do hebraico Lilith – um demônio bebedor de sangue de bebês.
Nas mitologias gregas e romanas, existem as Empusas, as Lâmias e as Estirges. Empusa era filha de Hécate, deusa das terras selvagens e dos partos; elas, assim como a Lilitu, também bebiam sangue, o que a deixava com uma aparência mais jovem para atrair homens e conseguir seu alimento. As Lâmias bebiam sangue de crianças, enquanto que as Estirges eram descritas com corpo de pássaro e se alimentavam da mesma maneira que suas semelhantes. Na Idade Média, relatos sobre vampiros começaram a surgir por volta do século XII, com pessoas como Walter Mao e William de Newburg registrando episódios em que tais criaturas apareciam.
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No final do século XVII, as lendas sobre os vampiros começam a se espalhar pela Europa, com a Alemanha se apropriando delas, assim como a Inglaterra, que as disseminou para tantos outros países. Isso culminou em diversas ocorrências de atividades vampíricas, sendo o primeiro um caso na Croácia, em 1672, onde um vampiro com o nome de Giure Grando espalhou o terror pelas aldeias da região. Na África, também temos registros de lendas e histórias que envolvem criaturas semelhantes aos vampiros, como na África Ocidental, onde existem o asanbosam e os Ewés, que são figuras que tomam a forma de pequenos insetos e caçam crianças.
Enquanto isso, na região do Cabo, temos os impundulu, que se transformam em pássaros e possuem poderes de raios, e a doramanda, na região de Madagascar, que é um monstro que bebe sangue e come os restos de unha dos ricos. Já na América, existem diversas lendas vampíricas, como os Cihuateteo, criaturas com faces esqueléticas de mulheres que morreram no parto e que mantinham relações sexuais com pessoas vivas, o que levavam as vítimas à loucura. Nos Estados Unidos, temos a história de Mercy Brown, que já comentei no post anterior.
A imagem do vampiro
Quando pensamos em vampiros, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a figura do Conde Drácula no filme de 1931, dirigido por Tod Browning e com o vilão sendo interpretado pelo ator Bela Lugosi. Na película, temos um vampiro com cabelos bem penteados, vestido com um terno preto com camisa social branca e um olhar persuasivo e oblíquo, que tem uma ternura sem igual e seduz suas vítimas com seu jeito galanteador.
Temos também os vampiros de Anne Rice, mais especificamente o Príncipe Lestat, que também é marcado por sua sensualidade e inteligência. Isso é algo muito comum na literatura vampiresca, n qual essas criaturas são representadas com uma sensualidade sem igual e conseguem capturar suas vítimas se utilizando dela, como é bem descrito por Leticia Cortellete Melo em seu artigo O Poder Sexual do Vampiro Literário, publicado em 2013.
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A figura do vampiro é relacionada à sexualidade em quase todos os livros que tratam desse assunto, pois, como é explicado pelo psicanalista Ernest Jones em On The Nightmare de 1931, o vampiro é um símbolo de desejos inconscientes, tais como amor, culpa ou ódio, tudo porque desejam um reencontro com o ente falecido. Jones também diz que esse desejo pode deixar o plano da emoção psíquica e passar a ser carnal e sexual, onde o anseio pelo reencontro se transforma em medo, o amor se torna sádico e a figura do amado passa a ser essa entidade desconhecida.

A sexualidade do vampiro também está ligada ao ato de sugar o sangue da vítima, de retirar sua vitalidade, sua força, o que se assemelha a entidade de íncubos ou sucubus, criaturas que aparecem a noite para sugar a vitalidade da pessoa pelo ato sexual. Enquanto isso, o fluido vital que é retirado durante um ataque vampírico pode ser uma representação do sangue ou do sêmen. Jones também diz que ao reprimir os aspectos mais normais da sexualidade formas mais agressivas podem se expressar, como o sadismo; no caso dos vampiros, é o sadismo oral.
O vampiro, por fim, pode representar a figura de uma pessoa que suga a energia e as ambições das pessoas, como figuras tóxicas e negativas, e, assim, se tornam mais fortes. São criaturas que precisam se apoderar de outra para ficar bem, precisam subir em cima dos outros para crescer. É um reflexo dos tempos em que o capitalismo e o cristianismo cresciam às custas dos mais pobres, em que as forças da sociedade são sugadas a todo momento pelos mais poderosos e se torna incapaz de se defender diante de uma burguesa e de uma elite cada vez mais ricas e fortes, numa ascensão do capitalismo pelo mundo que fez com que essa imagem ficasse cada vez mais coerente.
O vampiro na literatura
Apesar de ser tido como o percursor do gênero, O Vampiro, de Polidori, não foi o primeiro. A figura do vampiro aparece em poemas do século XVIII, como The Vampire, de Heinrich August Ossenfelder, escrito em 1748, e Lenore, de Gottfried August Bürger, do ano de 1773, além de aparecer em obras de escritores famosos, como Goethe, em Die Braut von Corinth, escrito em 1797. No século XIX, Lord Byron foi creditado como autor de O Vampiro, no lugar de John W. Polidori, que era médico de Byron, o que reforça a teoria de que a figura vampiresca de Lord Ruthven, o vampiro de Polidori, seja baseada na personalidade de seu paciente e amigo escritor. Porém, nenhuma versão ficou tão famosa e foi tão imortal quanto Drácula, de Bram Stoker.
Dracula, the undead
Publicado em 1897 pelo escritor irlandês Bram Stoker, Drácula eternizou a imagem do vampiro na literatura mundial e fez do Conde Drácula a imagem do mito do vampiro. Existem inúmeras inspirações para a criação dessa obra, como já falamos antes; entretanto, é bem possível que a figura do Conde seja baseada em Henry Irving, grande amigo de Stoker.
Drácula é descrito como tendo um conjunto facial fortemente aquilino, uma arcada nasal fina, em contraste com os orifícios das ventas arredondadas, sua testa apresentava uma proeminência e os cabelos escassos na têmpora, porém muito presentes em outras regiões do corpo. As sobrancelhas tinham um traçado compacto, a boca era visível apenas de forma rasa devido ao bigode denso, além de possuir dentes afiados de forma incomum, com orelhas pontiagudas e uma mandíbula larga e forte, segundo a caracterização feita por Jonathan Harker, um dos protagonistas do romance.
O livro de Bram Stoker mudou a forma como vemos os vampiros e recebeu diversas adaptações pro cinema, sendo a mais famosa Drácula, de Bram Stoker, dirigido pelo renomado diretor Francis Ford Coppola e que teve sua estreia em 1992, com Gary Oldman no papel principal. Apesar de toda a fama que tem agora, o livro Drácula não foi um sucesso imediato na sua época, mas foi classificado pelo Daily Mail, um jornal britânico, como sendo superior a Mary Shelley, Allan Poe e até Emily Brontë. Em sua época Dracula foi muito bem recebido por amigos de Stoker, como Sir Arthur Conan Doyle, autor de Sherlock Holmes, que escreveu uma carta dizendo ter gostado muito da leitura do livro, além de ter sido uma das melhores histórias sobrenaturais que ele havia lido em anos. Talvez isso até tenha o inspirado a escrever o conto sobre o vampiro de Sussex!

Então vamos ler mais agora sobre o criador do grande Drácula? Confira aqui.