O Mágico de Oz
Desde o ano de sua primeira publicação em 1900, O Mágico de Oz vem encantando a todos e fazendo parte da infância de muitas crianças mundo afora, seja pelo livro em si ou pelas adaptações cinematográficas que foram lançadas no século XX, sendo a mais famosa delas a de 1939, dirigida por Victor Fleming e distribuída pela Warner Bros., que tinha como atriz principal Judy Garland no papel de Dorothy. Porém, apesar de ser um filme divertido e com um visual repleto de cores vibrantes e alegres, o livro possui uma ambientação mais sinistra e um enredo repleto de ambiguidades, situações que podem ser entendidas de maneira muito diferente daquela que nos é apresentada em primeiro plano.
Escrito por L. Frank Baum, em 1900, o livro conta a história da garotinha Dorothy, uma pobre menina que morava em uma casinha simples no Kansas com seus tios e seu único amigo, o cachorrinho Totó. Até que certo dia um furacão misterioso transporta Dorothy e Totó, juntamente com a casa em que viviam, para o reino de Oz. Sem saber para onde ir, Dorothy é aconselhada a seguir para a Cidade das Esmeraldas e falar com o Poderoso Mágico de Oz, pois só assim ela poderia voltar para casa. Durante o caminho a garotinha vai conhecendo os moradores peculiares daquela terra e faz amizade com três figuras que serão de extrema importância para a presente análise.

O primeiro deles é o Espantalho, um boneco de palha que é encontrado por Dorothy pendurado em uma estaca para afastar os corvos. Após ser libertado pela jovem, se dispõe a acompanhar a garota em sua jornada, porém não apenas porque criou uma afeição à mesma, mas porque quer encontrar Oz e pedir que o mago lhe dê um cérebro, já que sua cabeça era composta basicamente de palha, e seu sonho era poder pensar por si mesmo e ser inteligente.
Logo depois, Dorothy, Totó e o Espantalho encontram o Homem de Lata (ou Lenhador de Lata, dependendo da tradução) que estava enferrujado no meio da floresta após trabalhar por anos à fio, literalmente. Com a ajuda do trio, o Homem de Lata é finalmente desenferrujado. Ele conta aos novos amigos que já fora um homem de carne e osso, porém foi amaldiçoado por uma bruxa a pedido da mãe de sua amada para que ele não se casasse com sua filha, e, por isso, após ter conhecimento da aventura em que Dorothy e o Espantalho estavam embarcando, resolve se unir ao grupo para rogar a Oz um coração de verdade capaz de amar novamente.
Por fim, o grupo – agora composto de quatro amigos – se depara com aquele que viria a ser o quinto e último membro: o Leão Covarde. Como o próprio nome já denuncia, ele não era o que se esperava do “Rei da Selva” e decidiu que iria com o grupo até a Cidade das Esmeraldas para conversar com Oz e pedir para que o mágico o tornasse mais corajoso.
As reviravoltas que seguem nossos heróis não são o foco deste texto, então passarei para a ultima descrição de personagem que nos é relevante, a de Oz, o Grande Mágico. É revelado, próximo ao final do livro, que Oz não era a entidade mística e poderosa da qual as pessoas tanto falavam. Ele era, na verdade, um ventríloquo que foi parar naquela terra durante um voo de balão que deu errado, subindo tão alto que se perdeu até chegar naquela terra estranha. Porém, sua vinda dos céus foi o suficiente para que as pessoas da região imaginassem que ele era uma figura divina, o Grande Mágico. Aproveitando a situação, sem qualquer pingo de consciência, pediu para os cidadãos construíssem para ele uma cidade e um enorme palácio, e, por se situar numa região onde o verde era predominante, decidiu chamá-la de Cidade das Esmeraldas. Para tornar o nome mais adequado, o novo líder obrigou todos os moradores a usarem óculos com lentes verdes constantemente, fazendo-os crer que viviam, de fato, em uma cidade feita de esmeraldas, enquanto que, para os visitantes, usava a desculpa de que o brilho da cidade era forte demais e cegaria qualquer um que não os usassem.
As representações acerca da obra
É de conhecimento quase universal que O Mágico de Oz tem como lição de moral algo como “Acredite em si mesmo, suas qualidades estão dentro de você”. No final do livro, Oz engana os nossos personagens: no caso do Espantalho, coloca farelo de trigo misturado com agulhas e alfinetes em sua cabeça de palha dizendo ser o cérebro; já com Homem de Lata, o mágico insere uma réplica idêntica de um coração feita de seda e recheada com serragem; e para o Leão, Oz lhe deu um líquido que dizia ser a coragem e bastava que bebesse para que ele se tornasse corajoso de uma vez por todas. Dito e feito, os efeitos foram imediatos! O Espantalho se sentia mais inteligente, o Homem de Lata agora podia amar e o Leão estava mais corajoso do que nunca. Porém, tudo não passava de uma mentira, ou melhor, de uma ilusão, visto que eles possuíam tais capacidades desde o começo, seja o Espantalho ajudando o grupo a criar uma estratégia para sair de uma situação perigosa, o Homem de Lata chorando de tristeza por compaixão depois de pisar em um inseto, ou o Leão defendendo seus amigos dos vilões.
Como tais representações já foram massivamente abordadas por artigos, ensaios ou vídeos na internet, o que quero lhes apresentar hoje é uma outra abordagem sobre os personagens que citei até então, baseado em algumas observações feitas por mim durante a leitura do livro.
Antes da publicação do livro em maio de 1900, os Estados Unidos haviam passado por algumas situações que corroboram para a ideia que apresentarei aqui sobre um dos heróis da novela de Baum. Cito o pânico de 1873 e 1893, que foram, resumidamente, uma grande depressão econômica, que obrigou as pessoas a trabalharem incansavelmente para terem o que comer. Nesse contexto, uma área que estava em ascensão no país era a indústria de ferro e aço, o que levou muita gente a ingressar nesse setor.
É dentro desse cenário que surge a figura do Homem de Lata representando os trabalhadores que, dia após dia, trabalhavam na esperança de um futuro melhor. Quando Dorothy encontra o Homem de Lata na floresta, ele estava enferrujado com o machado sobre a cabeça, dando a entender que ainda estava trabalhando quando paralisou, demonstrando a atitude dos trabalhadores que precisavam ter uma disposição quase que sobre-humana para aguentar a jornada de trabalho naquela época, na qual suas funções eram sempre as mesmas todos os dias, por longas horas à fio, trabalhando feito robôs. E robô é algo que se assemelha bastante à figura do Homem de Lata, apesar de ser um conceito ainda não estabelecido na década de 1900, mas que viria a se consolidar no imaginário popular tempos depois com as obras de Isaac Asimov.
Leia mais >> Eu, Robô (Isaac Asimov): para pensar na real importância do ser humano
Já a figura do Espantalho é uma ótima analogia aos fazendeiros, pessoas que moravam no interior. Ele é tido como um ser ignorante, sem cérebro, uma imagem recorrente quando se pensava em quem vivia em regiões rurais da época, uma espécie de estereótipo preconceituoso que existe desde a Europa Medieval e que sobrevive até os dias de hoje. Tudo isso devido à emergência das cidades americanas, onde havia uma maior concentração de pessoas de alta classe social e letradas, dando a impressão de que os centros urbanos eram habitados pela mais alta estirpe quando, na verdade, a pobreza e fome também assolavam partes mais afastadas das cidades.
Enquanto isso, o Leão Covarde pode ser visto como uma metáfora para grandes líderes e monarcas; o “grande rei” que domina sobre os mais fracos, que dá as ordens e coordena tudo e todos, mas que, no fundo, não passa de um homem com medo do próprio povo e que faz uso da violência, da censura e da privação para amedrontar e manter sua superioridade. Muitos líderes políticos de todas as eras possuíram ou possuem tal característica, pois, enquanto está no alto de seu castelo ou em seu escritório, se denomina rei ou presidente, se coloca como o homem mandado por Deus para cuidar de seu povo. Porém, foge quando as coisas começam a dar errado, busca apenas interesses pessoais e não se importa nem um pouco pelo povo que diz zelar. E como o Leão Covarde, ruge para quem quer que seja, mas um rugido de medo, temor de que o povo descubra a porcelana que existe por trás do couro de “rei da floresta”.
Por fim, temos a figura do Grande Oz, a entidade misteriosa que veio dos céus, aquele que era esperado e tido como a salvação de seu povo. Nesse ponto, existe uma ambiguidade de significados. A vinda de Oz e a dedução feita sem questionamentos sobre ele ser o Grande Mágico podem ser uma analogia à figura da Igreja, visto que a primeira exigência feita por Oz é que sejam erguidos uma cidade e um palácio em sua homenagem, assim como se erguem igrejas e templos para o deus judaico-cristão, religião que dominava os Estados Unidos da época, justamente por ser uma colônia inglesa.
Outro ponto que reforça essa ideia é a forma como Oz usava seu dom de ventriloquismo para assumir diversas formas e figuras na hora de recepcionar seus convidados, assim como Deus se apresenta na forma de animais e pessoas. Além disso, era necessária uma autorização para “vê-lo”, algo extremamente difícil de se conseguir, já que poucas pessoas tinham contato “real” com a “entidade Oz”. Vale ressaltar que o personagem também era apontado como um ser que fazia milagres.
Contudo, outra representação possível de Oz é de um líder manipulador, levando em conta que obrigou seu povo a usar óculos verdes para que enxergassem apenas o que ele queria. Oz manipulava todos ao seu redor para que fizessem a sua vontade e as pessoas passassem a acreditar em suas mentiras e falsos poderes. Existe aí uma alienação partindo do personagem, assim como vemos em figuras das obras de George Orwell.
Leia mais >> O Grande Inquisidor e o Grande Irmão: um alerta à desumanização
Compre “O Mágico de Oz” na Amazon
Referências
BAUM. L, Frank. O Mágico de OZ. 1. Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
DÉCADA de 1890 nos Estados Unidos. Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_de_1890_nos_Estados_Unidos. Acesso em: 21 abr. 2021.
L. FRANK Baum. Wikipedia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/L._Frank_Baum. Acesso em: 21 abr. 2021.
PÂNICO de 1873. Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A2nico_de_1873#. Acesso em: 21 abr. 2021.
1 comentário
Gostei muito do seu texto e da analogia! Parabéns!