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Como identificar o narcisismo? Um caminho de Tolstói a Freud

Descubra a complexidade do narcisismo e seu impacto na literatura, explorando exemplos de Tolstói, Freud e Machado de Assis. Entenda como esse conceito se desenvolve e sua influência oculta.”

Por ser adquirido na infância, o conceito de Narcisismo é um dos mais difíceis de ser percebido. Ao ver um filme ou ler um livro, é comum considerá-lo peça de ficção, algo fora da realidade. Mas ele causa espanto no espectador ao descobrir que o que viu em cena está acontecendo também em si.

Tolstói fez enorme sucesso com suas grandes obras, Anna Kariênina e Guerra e Paz. Na época, ele estava “bem casado” e “bem de vida”, mas não se deu conta que narrava sobre si mesmo. Estava, talvez, tão separado do que produzia que não percebia como aquela ficção representava a ele mesmo. Em 1878, passou por uma crise existencial, então publicou Uma confissão e logo a seguir A morte de Ivan Ilitch. Mas havia uma diferença essencial entre as obras: nestas últimas, os textos eram mais pessoais, o eu lírico era o autor. 

Esse fenômeno de disjunção acontece pelo fato de o Narcisismo não ser inerente ao ser humano, ele vem de fora, sem que seja percebido no período de formação, que vai de zero a cinco anos. Uma vez adquirido, a inconsciência do Narcisismo estará em ação no sujeito, que segue adiante sem perceber ter assimilado um conceito necessário para o cuidado de si, para a responsabilidade e o desejo de ter sucesso na vida – mas que também é fonte de doenças. 

Essa aquisição inconsciente do Narcisismo faz com que ele seja um dos conceitos mais difíceis de ser percebido.   

Na literatura, Machado de Assis introduziu, desde bem jovem, o conceito de Narcisismo como princípio de seu pensamento, o que o protegeu de surpresas. E ele passou oculto junto com sua psicologia sem que tivesse sido até hoje descoberto, e apresentado no recém-lançado “O Imortal Machado de Assis – Autor de si mesmo”. 

O conceito de Narcisismo foi percebido logo cedo por Machado, aos 17 anos, ao estudar o relacionamento humano, e o combinou com outras perspectivas – Petalogia, Rubicon, Diógenes, Caiporismo, Ponto de Admiração, Prometeu no Cáucaso, Espelho –, posteriormente descobertas por Freud. 

No lado de Freud, ele não tinha uma escolha profissional definida. Por acidente, tornou-se médico aos 26 anos, vindo a criar, depois dos 40, uma psicologia dentro da medicina para atender aos pacientes. Nesse campo, que nomeou psicanálise, tomou como princípio o inconsciente.

Em 1914, aconteceu uma reviravolta quando Freud se deu conta de que o que se encontrava oculto por detrás das doenças era, na verdade, a inconsciência do Narcisismo. Para perceber isso, Freud partiu das doenças causadas pela inconsciência do Narcisismo que empurra a se fazer notar a qualquer custo – engolindo fogo, como os artistas de circo -, e não de um inconsciente que existe por si mesmo. É aí que está o diferencial de Machado de Assis: ter tomado o Narcisismo como princípio de seu pensamento protegeu-o de ser surpreendido como aconteceu com Tolstói ou Freud.

Por:
Adelmo Marcos Rossi. Psicólogo, filósofo e escritor. Coordena o Grupo de Pesquisa do Narcisismo e publicou “A Cruel Filosofia do Narcisismo” (2021) e “O Imortal Machado de Assis – Autor de si mesmo” (2024)

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