Não há jornalismo no livro sobre Suzane Von Richtofen

Pode um jornalista descrever o trincar dos dentes do assassino baseado em depoimentos?  Esse texto não é uma resenha sobre o livro “Suzane: assassina e manipuladora”. É sobre jornalismo.

Lembro-me do farfalhar da redação quando da morte de Manfred Von Richtofen. Era um foca de 22 anos no meio de gente que já tinha visto coisas que deus e o diabo, os dois juntos, duvidam.

— Hum menino — me cutucou a chefe de reportagem. Estávamos lado a lado, braços cruzados, olhando uma TV enorme, fixada numa coluna no meio da redação da Agência Estado.

— Foi a filha.

— Como? Como assim? Não era coisa de campanha?

— Todo mundo acha. Mas olha o show da menina com essa roupa de balada.

O livro é sobre Suzane, mas Campbell não ajuda…

De começo, a morte de Manfred e Marísia tinha tudo para ser um caso ligado ao superfaturamento das obras do Rodoanel leste. Essa história desapareceu da obra de Campbell. Até hoje não se tem clareza sobre uma possível conta em nome de Suzane na Suíça e onde estaria depositada parte do caixa de campanha do tucanato.

Pode se argumentar que o livro, como diz o nome, é sobre Suzane. E é.

Por isso mesmo, a narrativa de Campbell não ajuda a entender os motivos reais de Suzane. Ela é ruim. Mesmo sendo uma adolescente, rebelde, sem ter cometido nenhum crime, há uma aura que parece dizer que a assassina sempre esteve lá, embora de forma latente. Isso não é jornalismo.

Um criminoso só se torna um quando consuma o ato. O resto é especulação. 

Grotesco e repugnante

Por isso também é altamente questionado como o autor trata uma das partes mais chocantes do início do livro: o episódio que narra como Suzane tem sua primeira relação sexual. O episódio é grotesco e repugnante e Suzane era apenas uma menina, que passava a tarde fumando maconha com um namorado desaprovado pelos pais e que fora estuprada pelo primeiro namorado, embora ela mesmo negue em depoimento, segundo o autor.

Como muitas histórias contadas sobre Suzane após ser condenada envolvem sedução e sexo, é como se isso fosse parte do “karma” que dá liga à história. Tanto que a intenção do autor sai pelos poros da escrito ao ela tratar Suzane pelos adjetivos de “ninfeta” e “lolita”.

Quando Gay Talese lançou “O Voyeur”, fora duramente questionado pelos métodos de apuração. A obra narra a história do dono de um motel em Denver, que observou por décadas as relações de seus clientes. Talasse recebeu uma carta com essa história em 1980 e apenas a publicou em 2016, após a autorização do autor da carta. Durante a apuração, Talese utilizou uma das plataformas de observação para ver um casal sem sua autorização e pode narrar de forma mais adequada a experiência do proprietário do motel. 

A história de Talasse era inédita e ele justifica o deslize ético de observar um casal sem seu consentimento pela necessidade narrativa.

Campbell escreveu um livro sobre um dos crimes mais destrinchados da história. Ainda assim comete diálogos “reconstituídos” cheios de exclamação, confunde nome de personagens e até mesmo erra datas.

Se ainda fosse elegante na escrita. Mas “lolita” e “ninfeta” é coisa de redator de conto erótico.

Respostas de 2

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *