Fizemos uma seleção dos poemas mais bonitos de Cláudio Manuel da Costa (1729 – 1789). São poemas que demonstram seu pioneirismo no Arcadismo do Brasil e que também marcam sua contribuição para o Barroco e o Necolassicismo.
O poeta mineiro, conhecido por sua linugagem lírica e bucólica, contempla a natureza, a religiosidade e também o amor. Confira abaixo as 10 poesias de Cláudio Manuel da Costa que mais representam sua obra e vida.
I
Para cantar de Amor tenros cuidados,
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento,
Ouvi pois o meu fúnebre lamento;
Se é que de compaixão sois animados:
Já vós vistes que aos ecos magoados
Do Trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de Anfião ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.
Bem sei, que de outros Gênios o destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino;
O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um Peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.
IV
Sou Pastor; não te nego; os meus montados
São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;
Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.
Vós, ó troncos (lhes digo), que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;
Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
XCIX
Parece, ou eu me engano, que esta fonte
De repente o licor deixou turvado;
O céu, que estava limpo, e azulado,
Se vai escurecendo no horizonte:
Por que não haja horror, que não aponte
O agouro funestíssimo, e pesado,
Até de susto já não pasta o gado;
Nem uma voz se escuta em todo o monte.
Um raio de improviso na celeste
Região rebentou; um branco lírio
Da cor das violetas se reveste;
Será delírio! não, não é delírio.
Que é isto, pastor meu? que anúncio é este?
Morreu Nise (ai de mim!) tudo é martírio.
VII
Onde estou! Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado!
Tudo outra natureza tem tomado;
E em contemplá-lo tímido esmoreço.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!
Árvores aqui vi tão florescentes,
Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.
Eu me engano: a região esta não era:
Mas que venho a estranhar, se estão presentes,
Meus males, com que tudo degenera!
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VIII
Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.
Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.
Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e às vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!
Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.
XX
Ai de mim! como estou tão descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo-o tresmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!
Ouço o rumor, que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do Pastor; e desconheço
Não menos do que ao dono, o mesmo gado;
Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver quanto em meu dano se executa.
Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta
Que triste alívio! ah infeliz Dalizo!
LXXII
Já rompe, Nise, a matutina aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando do Sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora.
Que alegre, que suave, que sonora,
Aquela fontezinha aqui murmura!
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora!
Só minha alma em fatal melancolia,
Por te não poder ver, Nise adorada,
Não sabe inda, que coisa é alegria;
E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite lhe agrada.
FÁBULA DO RIBEIRÃO DO CARMO
A vós, canoras Ninfas, que no amado
Berço viveis do plácido Mondego,
Que sois da minha lira doce emprego,
Inda quando de vós mais apartado;
A vós do pátrio Rio em vão cantado
O sucesso infeliz eu vos entrego;
E a vítima estrangeira, com que chego,
Em seus braços acolha o vosso agrado.
Vede a história infeliz, que Amor ordena,
Jamais de Fauno, ou de Pastor ouvida,
Jamais cantada na silvestre avena.
Se ela vos desagrada, por sentida,
Sabei que outra mais feia em minha pena
Se vê entre estas serras escondida.
XXII
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;
Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sabre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.
As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:
A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
À LIRA DESPREZO
Que busco, infausta lira,
Que busco no teu canto,
Se ao mal, que cresce tanto,
Alívio me não dás?
A alma, que suspira,
Já foge de escutar-te:
Que tu também és parte
De meu saudoso mal.
II
Tu foste (eu não o nego)
Tu foste em outra idade
Aquela suavidade,
Que Amor soube adorar;
De meu perdido emprego
Tu foste o engano amado:
Deixou-me o meu cuidado;
Também te hei de deixar.
III
Ah! De minha ânsia ardente
Perdeste o caro império:
Que já noutro hemisfério
Me vejo respirar.
O peito já não sente
Aquele ardor antigo:
Porque outro norte sigo,
Que fino amor me dá.
IV
Amei-te (eu o confesso)
E fosse noite, ou dia,
Jamais tua harmonia
Me viste abandonar.
Qualquer penoso excesso,
Que atormentasse esta alma,
A teu obséquio em calma
Eu pude serenar.
V
Ah! Quantas vezes, quantas
Do sono despertando,
Doce instrumento brando,
Te pude temperar!
Só tu (disse) me encantas;
Tu só, belo instrumento,
Tu és o meu alento;
Tu o meu bem serás.
VI
Vai-te; que já não quero,
Que devas a meu peito
Aquele doce efeito,
Que me deveste já.
Contigo já mais fero
Só trato de quebrar-te:
Também hás de ter parte
No estrago de meu mal.
VII
Não saberás desta alma
Segredos, que sabias,
Naqueles doces dias,
Que Amor soube alentar.
Se aquela ingrata calma
Foi só tormenta escura,
Na minha desventura
Também naufragarás.
VIII
Nise, que a cada instante
Teu números ouvia,
Ou fosse noite, ou dia,
Jamais não te ouvirá.
Cansado o peito amante
Somente ao desengano
O culto soberano
Pretende tributar.
IX
De todo enfim deixada
No horror deste arvoredo,
Em ti seu tosco enredo
Aracne tecerá.
Em paz se fique a amada,
Por quem teu canto inspiras;
E tu, que a paz me tiras,
Também te fica em paz.