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Guilherme de Almeida: poesias com identidade nacional, natureza e amor!

Quando se fala no movimento modernista do Brasil é necessário falar do poeta Guilherme de Almeida. Nascido em 1890, em Campinas, além de poeta ele foi jornalista, advogado e tradutor. Sua contribuição para a literatura do Brasil ocorreu por conta de seus belos poemas que abordam a natureza e toda a sua beleza, bem como o amor e a identidade nacional.

Guilherme de Almeida também teve um papel na Semana de Arte Moderna de 1922, um marco na literatura e nas artes do Brasil que reverberam em poetas e artistas até os dias de hoje.

Abaixo você encontra uma seleção primorosa das poesias de Guilherme de Almeida. Confira:

1. Indiferença

Hoje voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.

Passo, esquecido de te olhar – coitado!
Vai – coitada! esquecida de que existo:
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado!

Se, às vezes, sem querer, nos entrevemos,
se, quando passo, teu olhar me alcança,
se meus olhos te alcançam, quando vais,

Ah! Só Deus sabe e só nós dois sabemos!
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
daqueles tempos que não voltam mais!

2. Cuidado!

Ó namorados que passais, sonhando,
quando bóia, no céu, a lua cheia!
Que andais traçando corações na areia
e corações nos peitos apagando!

Desperta os ninhos vosso passo… E quando
pelas bocas em flor o amor chilreia,
nem sei se é o vosso beijo que gorjeia,
se são as aves que se estão beijando…

Mais cuidado! Não vá vossa alegria
afligir tanta gente que seria
feliz sem nunca ouvir nem ver!

Poupai a ingenuidade delicada
dos que amaram sem nunca dizer nada,
dos que foram amados sem saber!

3. Soneto IX

Nessa tua janela, solitário,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exílio, teu canário
canta, eu sei que esse canto te consola.

E, lá na rua, o povo tumultuário,
ouvindo o canto que daqui se evola,
crê que é o nosso romance extraordinário
que naquela canção se desenrola.

Mas, cedo ou tarde, encontrarás, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canário que cantava tanto.

E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tão docemente,
que todo mundo pensará que eu canto.

4. Soneto XXI

Fico – deixas-me velho. Moça e bela,
partes. Estes gerânios encarnados,
que na janela vivem debruçados,
vão morrer debruçados na janela.

E o piano, o teu canário tagarela,
a lâmpada, o divã, os cortinados:
“Que é feito dela?” – indagarão – coitados!
E os amigos dirão: “Que é feito dela?”

Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva
da estrada, vires, esbatida e turva,
tremer a alvura dos cabelos meus;

irás pensando, pelo teu caminho,
que essa pobre cabeça de velhinho
é um lenço branco que te diz adeus!

5. Bandeira – Guilherme de Almeida

Bandeira da minha terra,
Bandeira das treze listas:
São treze lanças de guerra
Cercando o chão dos paulistas!

Prece alternada, responso
Entre a cor branca e a cor preta:
Velas de Martim Afonso,
Sotaina do Padre Anchieta!

Bandeira de Bandeirantes,
Branca e rôta de tal sorte,
Que entre os rasgões tremulantes,
Mostrou as sombras da morte.

Riscos negros sobre a prata:
São como o rastro sombrio,
Que na água deixara a chata
Das Monções subido o rio.

Página branca-pautada
Por Deus numa hora suprema,
Para que, um dia, uma espada
Sobre ela escrevesse um poema:

Poema do nosso orgulho
(Eu vibro quando me lembro)
Que vai de nove de julho
A vinte e oito de setembro!

Mapa da pátria guerreira
Traçado pela vitória:
Cada lista é uma trincheira;
Cada trincheira é uma glória!

Tiras retas, firmes: quando
O inimigo surge à frente,
São barras de aço guardando
Nossa terra e nossa gente.

São os dois rápidos brilhos
Do trem de ferro que passa:
Faixa negra dos seus trilhos
Faixa branca da fumaça.

Fuligem das oficinas;
Cal que as cidades empoa;
Fumo negro das usinas
Estirado na garoa!

Linhas que avançam; há nelas,
Correndo num mesmo fito,
O impulso das paralelas
Que procuram o infinito.

Desfile de operários;
É o cafezal alinhado;
São filas de voluntários;
São sulcos do nosso arado!

Bandeira que é o nosso espelho!
Bandeira que é a nossa pista!
Que traz, no topo vermelho,
O Coração do Paulista!

6. Soneto XXXII – Guilherme de Almeida

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada…

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, são como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

7. O haikai

Lava, escorre, agita
A areia. E, enfim, na bateia
Fica uma pepita.

8. A dança das horas

Frêmito de asas, vibração ligeira
de pés alvos e nus,
que dançam, tontos, como dança a poeira
numa réstia de luz…

São as horas, que descem por um fio
de cabelo do sol,
e vivem num contínuo corrupio,
mais obedientes do que o girassol.

Dançando, as doze bailarinas tecem
a vida; e, embora irmãs,
não se vêm, não se dão, não se parecem
as doze tecelãs!

E, de mãos dadas, confundidas quase,
no invisível sabá,
elas são silenciosas como a gaze,
ou farfalhante como o tafetá.

Frágeis: têm a estrutura inconsistente
de teia imaterial,
que uma aranha teceu pacientemente
nos teares de um rosal.

E, entre tules volantes, noite e dia,
o alado torvelim
vertiginosamente rodopia,
numa elasticidade de Arlequim!

Vêm coroadas de rosas, num remoinho
cambiante de ouro em pó:
cada rosa, que esconde o seu espinho,
dura um minuto só.

Sessenta rosas, vivas como brasas,
traz cada uma; e, ao bater
da talagarça diáfana das asas,
põem-se as coroas a resplandecer…

À proporção que gira à minha frente
o bailado fugaz,
cada grinalda, vagarosamente,
aos poucos, se desfaz.

E quando as doze dançarinas, feitas
de plumas, vão recuar,
levam as frontes, claras e perfeitas,
circundadas de espinhos, a sangrar…

Assim, depois que a estranha sarabanda
na sombra se dilui,
penso, vendo o outro bando que ciranda
em torno do que fui,

que há uma alma em cada gesto e em cada passo
das horas que se vão:
pois fica a sombra de seu véu no espaço,
fica o silêncio de seus pés no chão!…

9. Metempsicose

Morrer… Pelos caminhos
ir branco, ir muito frio, ir de roupinha nova,
as mãos em cruz, o olhar de vidro os pés juntinhos:
ir assim para a cova!

Ir e não ver… Bizarro!
E tudo tão luxuoso, e tudo rico, tudo!
Os amigos de preto, as coroas, o carro,
o caixão de veludo…

Bizarro! Que vida, esta!
Ser festejado assim, com tanto rebuliço,
com tanta pompa assim: e o anfitrião da festa
nada a ver de tudo isso!

Depois, a sepultura:
sair de um leito pobre e de colchões macios,
para um de pedra, rico… Ah! mas que cama dura
e que lençóis tão frios!

E desfazer-se aos poucos…
Não ter o que comer e dar comida a tantos
inimigos! Meu Deus, que terra esta de loucos!
De loucos ou de santos?

Ficar assim, agora,
escutando o silêncio e olhando a treva… E, inteira,
completamente só, voltar ao que era outrora:
ser poeira de outra poeira!

Mas, na terra selvagem,
achar uma semente: adubá-la, um minuto,
e ser raiz, e ser arbusto, e ser folhagem,
e ser flor, e ser fruto!

Flor que um Sol Poente banha
e que vai perfumar, enfeitar com ternura
– ó flor de morte, flor paradoxal e estranha! –
a própria sepultura!

Fruto que vai dar vida
aos pássaros do céu! Galho que vai dar sombra
aos homens do caminho! Ou erva apetecida
de apetecida alfombra!

Ah! morrer na certeza
de, assim multiplicado, invisível e mudo,
viver eternamente em toda natureza
e na vida de tudo!

10. Branca de Neve

Eu te guardo no fundo da memória,
como guardo, num livro, aquela flor
que marca a tua delicada história,
Branca de Neve, meu primeiro amor.

Amei-te… E amei-te, figurinha aluada,
porque nunca exististe e porque sei
que o sonho é tudo — e tudo mais é nada…
E és o primeiro sonho que sonhei.

Hoje ainda beijo, comovido e tonto,
a velha mão que um dia me mostrou
aquela estampa do teu lindo conto,
princesinha encantada de Perrault!

Que fui eu afinal? — Um pobre louco
que andou, na vida, procurando em vão
sua Branca de Neve que era um pouco
do sonho e um pouco de recordação…

Procurei-a. Meus olhos esperaram
vê-la passar com flores e galões,
tal qual passaste quando te levaram,
no ataúde de vidro, os sete anões.

E encontrei a Saudade: ia alva e leve
na urna do passado que, afinal,
é como o teu caixão, Branca de Neve:
é um ataúde todo de cristal.

E parecia morta: mas vivia.
Corado do meu beijo que a roçou,
despertei-a do sono em que dormia,
como o Príncipe Azul te despertou.

Sinto-me agora mais criança ainda
do que naqueles tempos em que li
a tua história mentirosa e linda;
pois quase chego a acreditar em ti.

É que o meu caso (estranha extravagância!)
é a tua história sem tirar nem pôr…
E esta velhice é uma segunda infância,
Branca de Neve, meu primeiro amor.

Dica de leitura: Melhores Poemas Guilherme de Almeida: seleção e prefácio: Carlos Vogt 

Sinopse: Poeta de raro virtuosismo e domínio da língua, Guilherme de Almeida compôs poemas de sabor camoniano, recriou velhos romances populares portugueses e parodiou a poesia clássica grega. Mas foi graças aos versos românticos, que andavam nas mãos de todos os namorados, que se tornou, por mais de trinta anos, o poeta mais popular do país.

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