3 poesias de Antonio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo): interpretações sobre resistência e contra-colonização

Acessar a poesia de Antonio Bispo dos Santos — o Nêgo Bispo — é adentrar num Brasil necessário e urgente, se queremos um futuro mais digno e preservado em todos os seus sentidos.

Nascido em 1959, no Vale do Rio Berlengas (PI), Bispo formou-se com os mestres do quilombo Saco-Curtume, tornando-se o primeiro alfabetizado de sua família. É autor de livros e artigos fundamentais para os estudos afro-brasileiros, como “Quilombos, modos e significados” (2007), “Colonização, Quilombos: modos e significados” (2015) e “A terra dá, a terra quer” (2023).

Conhecido por seu conceito de “contra-colonização”, o autor propõe a retomada dos saberes afro-pindorâmicos como resistência ao pensamento ocidental hegemônico.

Algumas das principais ideias de Antonio Bispo dos Santos

  • O pensamento de Bispo é baseado na experiência e concepções das comunidades quilombolas e dos movimentos sociais de luta pela terra.
  • Ele desenvolveu proposições epistemológicas a partir dos saberes tradicionais dos povos “afro-pindorâmicos”, termo que utiliza para se referir aos descendentes africanos e indígenas/pindorâmicos.
  • Seu conceito de “contra-colonização” desperta debates na academia e além, relacionando regimes sociopolíticos e cosmológicos.
  • Bispo entende a colonização como um processo etnocêntrico que busca substituir uma cultura pela outra, através de invasões, expropriações e etnocídio.
  • O conceito de “contra-colonização” proposto por ele implica a ressignificação da matriz cultural dos povos e suas práticas tradicionais, como forma de resistência à colonização.

Conheça 3 poesias de Antonio Bispo dos Santos:

Fogo!… Queimaram Palmares, Nasceu Canudos

Fogo!… Queimaram Palmares,
Nasceu Canudos.
Fogo!… Queimaram Canudos,
Nasceu Caldeirões.
Fogo!… Queimaram Caldeirões, 
Nasceu Pau de Colher.
Fogo!… Queimaram Pau de Colher…
E nasceram, e nasceram tantas outras comunidades que os vão cansar se continuarem queimando.   
Porque mesmo que queimam a escrita, 
Não queimarão a oralidade.
Mesmo que queimem os símbolos, 
Não queimarão os significados.
Mesmo queimando o nosso povo
Não queimarão a ancestralidade.

Interpretação:
Nesta poesia, Bispo reconta a história do Brasil pela chama da resistência. Cada “fogo” que destrói — Palmares, Canudos, Caldeirões, Pau de Colher — gera outro levante, outro corpo coletivo que renasce das cinzas. A repetição rítmica encena a teimosia vital dos povos oprimidos. O fogo, em vez de fim, é parto.
A mensagem final afirma a força da oralidade e da ancestralidade: símbolos e corpos podem ser queimados, mas o saber, transmitido pela fala e pela memória, permanece incombustível. É um poema de cosmovisão afro-pindorâmica, em que a resistência é circular — o que morre volta a nascer.

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Nós extraímos

Nós extraímos os frutos nas árvores…
Eles expropriam as árvores dos frutos!
Nós extraímos os animais na mata…
Eles expropriam a mata dos animais!
Nós extraímos os peixes nos rios…
Eles expropriam os rios dos peixes!
Nós extraímos a brisa no vento…
Eles expropriam o vento da brisa!
Nós extraímos o calor no fogo…
Eles expropriam o fogo do calor!
 Nós extraímos a vida na terra…
Eles expropriam a terra da vida!

Interpretação:
Um manifesto ecológico e político em forma de paralelismo.
O contraste entre “nós extraímos” e “eles expropriam” define o abismo entre duas formas de relação com o mundo: a comunal (ancestral, equilibrada) e a colonial (predatória, mercantil).
Bispo subverte o verbo “extrair”, que no capitalismo é destrutivo, transformando-o em gesto de reciprocidade. Extrair é colher com respeito; expropriar é roubar o sentido da vida.
O poema funciona como uma ética da terra — ecoando Davi Kopenawa e Ailton Krenak — e sintetiza a filosofia do “a terra dá, a terra quer”: o equilíbrio entre o dar e o devolver.

​Não fomos colonizados

“Quando nós falamos tagarelando
E escrevemos mal ortografado
Quando nós cantamos desafinando
E dançamos descompassado
Quando nós pintamos borrando
E desenhamos enviesado
Não é por que estamos errando
É porque não fomos colonizados”.

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Interpretação:
Aqui o autor reivindica a legitimidade dos modos de ser quilombola e afro-pindorâmico.
A estética que a colonização chama de “erro” — o falar “tagarelando”, o pintar “borrando” — é, para Bispo, forma de liberdade.
Ele reverte o juízo colonial: o “mal ortografado” é sinal de autonomia. A diferença é resistência.
Trata-se de um poema sobre epistemologia: quem define o que é certo ou belo? O ritmo oral, a desafinação e o descompasso tornam-se metáforas de um pensamento não domesticado.
“Não fomos colonizados” é tanto afirmação quanto espera

Livros de Antonio Bispo dos Santos:

A terra dá, a terra quer (Antônio Bispo dos Santos)

Capa do livro de Antonio Bispo dos Santos: "A Terra dá, a terra quer"

Sinopse: “…Desafiando o debate decolonial, compreendido por ele como a depressão do colonialismo, propõe a contracolonização, um modo de vida ainda não nomeado e que precede a própria colonização. Não se trata de um pensamento binário, mas de um pensamento fronteiriço e “afro-pindorâmico” para compreender o mundo de forma “diversal”. Ou seja, integrado por uma variedade de ecossistemas, idiomas, espécies e reinos. “A terra dá, a terra quer” registra de modo inédito muitos dos saberes transmitidos pela oralidade por esse “lavrador de palavras” acerca do agronegócio, das cidades, das favelas, dos condomínios fechados e da arquitetura. Transitando por muitos mundos, Bispo semeia potentes traduções de questões cruciais para o nosso tempo como ecologia, clima, energia, trabalho, cultivo e alimentação. Diante da mercantilização da vida e dos saberes, este livro compartilha a força ancestral da circularidade começo, meio e começo. + AMAZON

Colonização, Quilombos: modos e significados

Capa do livro de Antonio Bispo dos Santos: "Colonização, quilombos"
Baixe o livro em pdf aqui

O livro de Antônio Bispo faz parte da coleção publicada pelo INCT de Inclusão, assinada por mestres das comunidades tradicionais brasileiras. Bispo é um líder quilombola e professor da disciplina Encontro de Saberes na UnB em 2012 e 2013. Seu livro oferece uma nova perspectiva sobre os quilombos, comunidades negras que resistiram à escravidão e simbolizaram a luta contra o racismo e pela autossuficiência. Bispo apresenta uma narrativa concisa que aborda resistências históricas, como Palmares, Canudos, Caldeirões e Pau de Colher, e projeta seus ideais para os dias atuais. BAIXE AQUI

Antonio Bispo dos Santos tornou-se referência central nos debates sobre decolonialidade e saberes tradicionais.
Em 2024, sua trajetória foi reconhecida pela Fundação Palmares e pela CONAQ como parte do patrimônio intelectual afro-brasileiro.

Sua voz ecoa hoje nas universidades, nos quilombos e nas redes, inspirando novas gerações a pensar e viver a contra-colonização como gesto poético e político.

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