Explorar as ideias de Ailton Krenak em Ideias para Adiar o Fim do Mundo é mais do que uma leitura, é um chamado à consciência. O autor, líder indígena e pensador contemporâneo, convida-nos a refletir sobre a sustentabilidade, o sentido da humanidade e a urgência de restaurar nossa conexão com a Terra.
Revisado em novembro de 2025
Ao longo das páginas, Krenak costura filosofia, espiritualidade e crítica social em uma linguagem acessível e poética. Sua voz ecoa como um lembrete de que a Terra não nos pertence — nós é que pertencemos a ela. Nesta seleção, reunimos 10 trechos marcantes do livro, acompanhados de interpretações que ampliam as reflexões sobre pertencimento, natureza e futuro compartilhado.

Somos uma humanidade?
“Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos.”
“… refletir sobre o mito da sustentabilidade, inventado pelas corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza. Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso — enquanto seu lobo não vem —, fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.”
“Há centenas de narrativas de povos que estão vivos, contam histórias, cantam, viajam, conversam e nos ensinam mais do que aprendemos nessa humanidade. Nós não somos as únicas pessoas interessantes no mundo, somos parte do todo. Isso talvez tire um pouco da vaidade dessa humanidade que nós pensamos ser, além de diminuir a falta de reverência que temos o tempo todo com as outras companhias que fazem essa viagem cósmica com a gente.”
Interpretação:
Krenak questiona a própria ideia de “humanidade” como algo homogêneo. Ele denuncia o afastamento das pessoas de suas origens e o colapso dos vínculos comunitários — o que chamamos de “modernização” é, na verdade, uma perda de sentido coletivo.
Ao lembrar que tudo é natureza, o autor rompe com a dicotomia entre o humano e o natural. Sua fala é um convite à reintegração — perceber que o cosmos, a floresta e a cidade são expressões de um mesmo organismo.
O que importa mesmo para as pessoas
“O que é feito de nossos rios, nossas florestas, nossas paisagens? Nós ficamos tão perturbados com o desarranjo regional que vivemos, ficamos tão fora do sério com a falta de perspectiva política, que não conseguimos nos erguer e respirar, ver o que importa mesmo para as pessoas, os coletivos e as comunidades nas suas ecologias. Para citar o Boaventura de Sousa Santos, a ecologia dos saberes deveria também integrar nossa experiência cotidiana, inspirar nossas escolhas sobre o lugar em que queremos viver, nossa experiência como comunidade. Precisamos ser críticos a essa ideia plasmada de humanidade homogênea na qual há muito tempo o consumo tomou o lugar daquilo que antes era cidadania.”
Interpretação:
Aqui, Krenak desloca o foco da política para o cotidiano. Ele fala de um retorno à ecologia dos saberes, expressão que propõe um diálogo entre o conhecimento científico e o ancestral.
O autor alerta: o consumo tomou o lugar da cidadania. A cura está em recuperar o sentido de comunidade, em escolher modos de vida que respeitem o território e o outro.
Sobre o nosso tempo
“Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover.”
“Por que nos causa desconforto a sensação de estar caindo? A gente não fez outra coisa nos últimos tempos senão despencar. Cair, cair, cair. Então por que estamos grilados agora com a queda? Vamos aproveitar toda a nossa capacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos. Vamos pensar no espaço não como um lugar confinado, mas como o cosmos onde a gente pode despencar em paraquedas coloridos.
Interpretação:
Este é um dos trechos mais poéticos do livro. Krenak critica a ausência — a incapacidade contemporânea de sentir o prazer de existir.
Mas ele não fica na denúncia: propõe a metáfora dos “paraquedas coloridos”, um chamado à reinvenção, à criatividade como resistência. O mundo está caindo, sim — mas ainda é possível cair dançando.
Nossas subjetividades
“Cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir. Se existe uma ânsia por consumir a natureza, existe também uma por consumir subjetividades — as nossas subjetividades. Então vamos vivê-las com a liberdade que formos capazes de inventar, não botar ela no mercado. Já que a natureza está sendo assaltada de uma maneira tão indefensável, vamos, pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas visões, nossas poéticas sobre a existência.”
Interpretação:
Nesta passagem, o autor nos alerta sobre o roubo das subjetividades. O capitalismo não explora apenas a terra — consome também nossos sonhos, desejos e formas de sentir.
“Suspender o céu” significa libertar o imaginário, recusar a lógica do mercado e preservar as poéticas que sustentam a vida.
Diversidade
“Definitivamente não somos iguais, e é maravilhoso saber que cada um de nós que está aqui é diferente do outro, como constelações. O fato de podermos compartilhar esse espaço, de estarmos juntos viajando não significa que somos iguais; significa exatamente que somos capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças, que deveriam guiar o nosso roteiro de vida. Ter diversidade, não isso de uma humanidade com o mesmo protocolo. Porque isso até agora foi só uma maneira de homogeneizar e tirar nossa alegria de estar vivos.”
Interpretação:
Krenak celebra as diferenças como forma de resistência. Ser diverso é ser vivo.
Enquanto o sistema busca padronizar, ele nos convida a reconhecer nas diferenças — culturais, espirituais, linguísticas — a força que mantém a Terra respirando. A diversidade é o verdadeiro sopro da existência.
A cegueira do mundo
“Sentimo-nos como se estivéssemos soltos num cosmos vazio de sentido e desresponsabilizados de uma ética que possa ser compartilhada, mas sentimos o peso dessa escolha sobre as nossas vidas. Somos alertados o tempo todo para as consequências dessas escolhas recentes que fizemos. E se pudermos dar atenção a alguma visão que escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela possa abrir a nossa mente para alguma cooperação entre os povos, não para salvar os outros, mas para salvar a nós mesmos.”
Interpretação:
O autor fala da cegueira coletiva que impede a humanidade de enxergar as consequências de suas escolhas.
Mas há esperança: Krenak acredita na cooperação entre os povos, não como um ato de caridade, mas de sobrevivência. A cura do planeta começa quando reconhecemos que salvar o outro é salvar a nós mesmos.
A ideia de sonhar
“Para algumas pessoas, a ideia de sonhar é abdicar da realidade, é renunciar ao sentido prático da vida. Porém, também podemos encontrar quem não veria sentido na vida se não fosse informado por sonhos, nos quais pode buscar os cantos, a cura, a inspiração e mesmo a resolução de questões práticas que não consegue discernir, cujas escolhas não consegue fazer fora do sonho, mas que ali estão abertas como possibilidades.”
Interpretação:
O livro Ideias para adiar o fim do mundo também possui um tom espiritual, pois Krenak devolve ao sonho seu valor sagrado.
Sonhar não é fugir da realidade, mas criar novos mundos possíveis. É no território do sonho que ainda podemos curar, cantar e escolher. Ele reafirma que o sonho é prática de resistência e ferramenta de sabedoria ancestral.
Dica de leitura: Conheça 5 livros de Ailton Krenak para ler urgente!
Compre “Ideias para adiar o fim do mundo” na Amazon
LEIA TAMBÉM: 18 livros sobre culturas indígenas
🔗 Saiba mais sobre a trajetória de Ailton Krenak, o primeiro escritor indígena a fazer parte da ABL.


