A mosca de Katherine Mansfield

Katherine Mansfield foi uma jovem rebelde que viveu na Inglaterra a maior parte da sua vida, escritora de contos com uma vida bastante tumultuada por diversos casamentos, aborto natural, noites de boemia e sérias doenças.

O que me chama atenção é que quanto mais ela caia para a sujeira da vida, mais ela escrevia bem, como se no momento da queda, enquanto qualquer outra pessoa sofreria pela queda, ela produziu literatura com muita qualidade.

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Outra questão importante que me faz gostar dessa escritora mesmo (ainda) conhecendo pouco do seu trabalho é que, por ela ter escrito apenas contos e poesias, não a considero inferior aos grandes escritores de romances, pois, ao meu entender, um escritor treina para o seu primeiro romance escrevendo contos, porém, Katherine Mansfield foi grande em suas pequenas histórias.

Abaixo um trecho do conto de Katherine Mansfield chamado “A Mosca”, retirado do livro “Para ler como um escritor”, da crítica literária Francine Prose:

O chefe pegou uma caneta, tirou a mosca do tinteiro e jogou-a num pedaço de mata-borrão. Por uma fração de segundos ela ficou imóvel na mancha escura que se espalhava à sua volta. Depois as patas dianteiras agitaram-se, firmaram-se, e, erguendo seu corpinho encharcado, ela deu início à imensa tarefa de limpar a tinta de suas asas. Por cima e por baixo, por cima e por baixo, uma pata passava ao longo de uma asa como a pedra de afiar passa por cima e por baixo da foice. Depois houve uma pausa, quando a mosca, parecendo ficar nas pontas dos pés, tentou abrir primeiro uma asa e depois a outra. Finalmente conseguiu e, sentando-se, começou, como um minúsculo gato, a limpar a cara. Agora era possível imaginar que as patinhas dianteiras esfregavam-se ligeiramente uma contra a outra, alegres. O horrível perigo fora superado; ela escapara; estava pronta para a vida novamente.

Na primeira leitura senti nojo, mas na segunda percebi o poder de descrição de Katherine Mansfield misturada com uma bela metáfora da vida (talvez a própria vida dela): quando a leitura é feita, vemos a imagem perfeita de uma mosca se limpando, patinhas e asinhas formando aquele bichinho que tanto nos atormenta, mas em nenhum momento ela afirma que as patas e asas eram “assim ou assado”. O que temos é um momento especial para a mosca: a quase morte; a luta pela vida e, imaginar a mosca com todos os seus detalhes, faz parte da arte das palavras bem colocadas, porque ali, naquele parágrafo, o importante mesmo não era a mosca – poderia ser outro inseto – o importante era mostrar o quanto frágeis podemos ser, mas que estamos sempre lutando pela vida.

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Francine Prose, em seu comentário muito feliz sobre o trecho diz: “uma ação que a primeira vista parece óbvia em seu sentido e importância, mas que se torna mais complexa à medida que pensamos nela”. E você? O que pensou?

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