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Uma leve simetria, de Rafael Bán Jacobsen: apaixonadamente dramático

Ou “Crônica de um Amor Desesperado”. Ou “Estrelas Vazias”. Ou “As Emanações Silenciosas”. Ou “A Vertigem Inominável”. Não importa realmente o título, mas a intensidade que mora em cada um deles, numa lista que antecipa o romance apaixonadamente dramático de Rafael Bán Jacobsen, mais um premiado escritor gaúcho (nascido na safra dos anos 1980) que resvala talento e recentemente ganhou a Bolsa Funarte de Literatura.

Assim como Clarice Lispector fez em “A Hora da Estrela”, Jacobsen nos brinda com outras opções de título para seu romance “Uma Leve Simetria” (Não Editora, 224 páginas). Cada uma das doze opções incluindo o título usado, cuja simetria é mais tênue do que parece, carrega todo o fardo invisível, porém palpável (como quando se sabe que o vento existe), de algum sentimento — mas qual? “As Emanações Silenciosas” e “A Vertigem Inominável” são títulos que deslizam perfeitamente sobre Daniel e Pedro, amigos que protagonizam ferozmente este romance que de leve não tem nada.

A cultura judaica no livro de Rafael Bán Jacobsen

Emoldurada pela cultura judaica, com seus costumes, regras e preceitos, a história fala de um sentimento que só recebe uma provável nominação em suas últimas páginas, o que não torna o livro uma surpresa nos valores tratados. Daniel é quem narra seu mais profundo amor por Pedro, seu amigo de infância, e a despeito de todo o cenário religioso que deixa as cenas descritas mais vivas e belamente enfeitadas, não é ela, a religião, o núcleo da história, mas a causa para ela, esta história, existir da forma como existe: pesada, complicada, aparentemente impossível. E as consequências que dela nascem formam o todo. Quem interessa aqui é a dupla de amigos, o amor que um nutre por outro, primeiro secretamente, para então ser revelado e ansiado pelo leitor.

Logo no começo é possível sentir a atmosfera latente. O autor deixa claro que o sentimento envolvido é forte a partir de detalhes: o verde dos olhos de Pedro, “estreitos de sono”, suas pernas fortes e as lembranças que delas nascem de um jogo de bola, o “sorriso assim, sem adjetivos”. O amor logo é revelado e já se sente um puxão no estômago ao se perceber que é puro demais, intenso demais, e que tudo descrito já possui sua triste sombra de impossibilidade, não porque a vida tem de ser impossível quando percorre vielas amorosas (ou largas e densas estradas amorosas, como é o caso desta história), mas porque os personagens são judeus, cresceram num bairro judeu, sob “o silêncio da sinagoga” (mais um dos títulos), cuja comunidade conhece todos que dela participam e que qualquer vida pode ser queimada por uma fagulha de olhos que julgam, de saberes antepassados que cuidam.

Sendo Daniel órfão e Pedro tendo crescido sem o pai que um dia subitamente desapareceu, tem-se este laço esperado entre os dois. Enquanto aquele fala de suas dores e veneração pelo amigo, e este enfrenta a verdade e seu mundo escuro a ser explorado em si mesmo, o autor reconta paralelamente, em átimos introdutórios para cada capítulo, a paixão bíblica de Davi e Jonatã. Pode-se enxergar essa simetria entre as duas histórias como leve ou pesada, mas não é somente dela que o título trata. A leve simetria está sempre no “quase”, no que se pode ser montado e encaixado pela vida por ser tão perfeitamente imperfeito. Ela, a simetria, por si só já é perfeita como bem se define, mas de perto vê-se os frisos e crateras que guarda. A bela história entre os jovens corre entre o silêncio (muito silêncio) e uma deliciosa poesia nascida da cuidadosa mente de Rafael Jacobsen com as palavras. Cada imagem nos faz mergulhar num mundo em que só ouvimos o coração de Daniel batendo por Pedro, e lá ficamos sem fastio, flutuando em descrições e metáforas incrivelmente apaixonadas e verdadeiras.

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Quem, de antemão, considera “Uma Leve Simetria” um romance “polêmico”, julga erroneamente a história, revelando seus próprios conceitos como estreitos. Não existe polêmica simplesmente porque dois garotos têm suas estruturas emocionais inteiramente abaladas dentro de uma sociedade religiosa que segue as palavras de seu Torá, ela não existe porque é uma história de amor, e muitas vezes o amor enfrenta quem o proíbe, ou quem o despreza por parecer diferente. A polêmica sobre o romance está nos olhos de cada um. Quando se passa esse agradável tempo com os profundos e sinceros pensamentos de Daniel sobre seu melhor amigo, ora infantis e carinhosos, ora mais sensuais e desesperados, esquece-se que existe sexos definidos, esquece-se de seres humanos (ainda que saibamos ao longo da leitura de suas milhares de limitações individuais), sabe-se somente desta força gulosa que afunda o peito. O resto não importa.

É impossível falar muito da história sem contá-la por inteiro, porque tudo o que está encoberto precisa ser revelado somente pelo leitor, tornando assim a leitura mais fiel; uma resenha pouco sucinta desmerece toda a obra. O que posso dizer é que “Uma Leve Simetria” mexeu com meus nervos e foi devidamente colocado sobre o patamar das melhores leituras dos últimos meses. Simetria demais só deixa o coração assimétrico — como você quer o seu?

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