Amigo de infância (Donna Tartt): um prólogo macabro…

Donna Tartt é uma escritora, crítica literária e ensaísta americana que completou 50 anos no último ano. Ela não tem uma obra extensa, porém o seu primeiro livro de estreia, publicado quando ela tinha 28 anos, chamado de A História Secreta, teve um grande sucesso de público e crítica, assim como O Amigo de Infância e, segundo rumores, o novo livro que será publicado neste ano, The Goldfinch, também está muito bom.

Amigo de infância

A explicação do título de O Amigo de Infância demora um bocado pra acontecer, e quando chega a hora descobre-se que este fio da história dará sustento a todo o restante que se segue. Percebe-se uma inovação na quebra de parâmetros: o livro não cumpre o que deixa subentendido no prólogo (o que talvez explique sua baixa nota na amazon), e o enredo que dá título ao livro não contém um fim, desaparece com o final de modo súbito, assim como apareceu.

Um início certeiro

O livro começa direto ao ponto de sua história, mas é vago sobre como será de lá pra frente. A insegurança sobre do que se tratara o livro é uma marca constante, não só da trama, mas do estilo (se policial, drama, etc), dos temas que podem ser abordados, da intensidade psicológica contida ali dentro; tudo isso em razão da instabilidade que permeia tanto entre os personagens, como também de cada palavra da primeira à última página.

Tem-se a impressão de que o livro esconde algo o tempo todo e que tal trunfo será apresentado em algum momento oportuno e fará com que se diga: “você esteve por trás das páginas o tempo todo”. E sim, esteve por trás das páginas o tempo todo; mas vale atentar para um fato: o que havia por trás das páginas o tempo todo como trunfo era o nada. Havia o nada o tempo todo. O romance é realmente aquilo que se pode ver: inúmeros personagens, todos explorados aqui ou acolá no decorrer da leitura; esse é o trunfo do livro, a realidade descrita de maneira magistral.

Um prólogo macabro

O livro tem um prólogo macabro. Neste, a protagonista é ainda apenas um bebê: Harriet, inconstante e de presença forte como a do próprio livro como objeto físico —  um calhamaço. O período que abrange o prólogo será um dia marcante na família de Harriet, os Cleve, e um fator limitante na vida da personagem, tanto por suas atitudes como o modo que será tratada pelo que sobrou de seus parentes desde aquele tenebroso dia, em que seu irmão de dez anos é encontrado enforcado no jardim de sua própria casa.

Após o prólogo, encontramos Harriet já na pré-adolescência, vivendo na sombra deixada pelo assassinato sem solução do irmão. A protagonista faz valer todas as seiscentas páginas do livro: ela é à frente do seu tempo, não possui meninas como amigas/companheiras, e questiona os parâmetros da vida a todo instante: e talvez seja essa a intenção de Donna Tartt: usar da prerrogativa da pouca idade – em que ainda não se deixou vencer pelos paradigmas existentes em qualquer época — para desbravar a hipocrisia da sociedade como da vida que irrefutavelmente algum ser maior ou não, nos designou.

Quem é Harriete?

Harriete vive uma série de acontecimentos inusitados, desde presenciar a morte de alguns animais, como de viver em meio à pessoas duras, frias, violentas, e até mesmo calejadas pelo sofrimento, já que muitos não são mais os mesmos desde a morte de seu irmão; sendo esta a parte mais preciosa de todo o livro:  o relacionamento denso e profundo dos personagens; como Harriete, que vive isolada diante a alternativa de conviver com crianças superficiais e não autônomas de suas próprias idéias, enfrenta a solidão e muitas vezes deixa se lado sua armadura de petulante e deságua num riacho de sofrimento mesmo ainda estando na tenra idade.

Não há mais o que dizer sobre o livro: ele é pungente e dotado duma verossimilhança incrível, que faz com que todos os personagens possam te fazer uma companhia razoavelmente longa mesmo após o livro ter acabado (o que não é aconselhável deixar acontecer).

Onde Comprar Amigo de infância (Donna Tart): Amazon

Respostas de 9

  1. Gostei da resenha, Alister, e como a Fran, fiquei curioso. Você tinha me falado do livro, mas eu não fui atrás da história e pelo pouco que já li da escrita da Tartt, vou gostar. Coração já abre como planta carnívora diante de livros com mais de 500 páginas.

  2. Já estava de olho nesse romance da Donna, pois logo que ela lançou A História Secreta eu o li e simplesmente amei! Espero que esse me pegue de jeito também. Gostei muito da resenha!
    Abraços

  3. Romance fraco, cheio de falhas. A autora escreve magistralmente, é excelente, porém sai jogando um monte de coisas no livro sem aprofundar nada. Fica colocando panos quentes em tudo. Um samba do crioulo doido. O final é ridículo, desrespeitoso com o leitor que ficou quase seiscentas páginas e ao final sai da mesma forma que entrou. Não recomendo.

  4. Não acho que ela necessariamente precisava fazer aquilo que você quis que ela fizesse ao fim do livro. (respondi tentando evitar spoilers, espero que tenha dado pra entender). Sim ela escreve muito bem. O que você acha que ela não aprofundou? Eu gostei do leque de diversos personagens. Uns participando mais, outros menos do que foi a história da pequena Harriet.

  5. Aue resenha bem escrita, parabéns. Que pode acontecer com uma pessoa que ama estes dramas e se deixa acompanhar muito tempo pelos personagens??? Uma bela depressão para se sentir parte da realidade revelada nestas ficções reveladoras dos inexplicáveis e infindáveis conflitos humanos?? É fácil puxar mentes, corpos e almas para estradas tenebrosas, quero ver deixar pistas da saída.

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