Me apaixonei por esse livro e como toda pessoa apaixonada, perdi a razão quando o assunto foi avaliar o meu objeto de paixão. Mesmo tendo terminado de ler As Brasas no prazo e já estar avançada na leitura de Maio, toda vez que pensava neste livro ou no seu autor, o húngaro Sándor Márai, a única coisa que conseguia fazer era abrir aquele sorriso bobo e nenhuma única frase saía. As Brasas é um livro incrível, de uma história que se passa no século XIX,em um castelo nos montes Cárpatos, na Hungria ,mas que parece que foi ontem, ali na vizinhança, de tão atual que são os temas tratados e pela forma como Sandór os coloca para o leitor, através do protagonista, o general Henrik.
As Brasas gira em torno de dois temas principais: a amizade de uma vida inteira entre dois homens e uma possível traição. Sim, minha gente, é como um Dom Casmurro do Império Austro-Húngaro, porém destes dois assuntos, Henrik vai destrinchando outros e fazendo com que os acontecimentos em si, passem a ocupar um segundo plano no romance, cedendo lugar para as reflexões do personagem a respeito da vida, do ato de envelhecer, do amor, da paixão, da amizade, do dinheiro, da fidelidade, da morte, da honra e da música.
Ah, e como se fala sobre música em As Brasas, de uma forma tão sensível e ao mesmo tempo tão intensa, porque junto a Henrik, estão Konrad, melhor amigo do general e Krisztina, esposa do general, aos quais a música atinge de forma arrebatadora, carregando-os para um mundo de sinfonias e sentimentos no qual Henrik nunca consegue penetrar.
As reflexões de Henrik são quase um tratado sobre a natureza humana, que a cada linha que lemos, temos vontade de sair sublinhando o livro inteiro. Dessa forma, o pequeno romance de 176 páginas vai ganhando uma profundidade surpreendente e despejando, em cada página, sua essência questionadora embrulhada pela força que têm as memórias na vida do homem.
Apaixonada eu fiquei e ainda estou me recuperando do impacto que foi ler Sándor Márai, que em sua vida buscou a liberdade acima de tudo, incomodou com suas opiniões políticas, teve suas obras proibidas e por fim se suicidou, partindo deste mundo sem maiores explicações. Assim que comecei ler As Brasas, senti que não estaria à altura de escrever sobre o livro e certa disso, como estou hoje, afirmo que esta resenha não revela nem a metade da alma do romance por isso, encerro com um trecho que traduz melhor do que eu a beleza desta obra:
Seus lábios começavam a tremer, esquecia-se do lugar onde estava, seus olhos sorriam, perdiam-se no vazio, não via mais nada ao redor, nem superiores, nem colegas, nem as belas senhoras e o público que enchia o teatro. Sentia a música com todo o seu corpo, nela bebia sedento, escutava-a como um prisioneiro que apura o ouvido ao som de passos que se aproximam e que talvez lhe tragam a notícia de sua libertação. Se alguém lhe dirigia a palavra nesses momentos, não percebia. A música dissolvia tudo ao redor, abolindo por instantes as leis daquele pacto artificial: nesses momentos, Konrad não era mais um soldado.
Respostas de 6
Sua resenha me deixou com muita vontade de ler esse livro, ficou claro o quanto essa leitura significou para você. Todas as suas contribuições para o blog são ótimas, mas esta está maravilhosa! 🙂
Se a intenção era fazer o leitor da resenha ter vontade de ler o livro, foi muito precisa. Muito bom.
Erika, acabei de ler o livro do Márai, e senti o mesmo que você sentiu: estava diante de uma obra ímpar e profunda, que abarca diversos assuntos, principalmente a amizade, o amor, a traição, a vingança, a música e a solidão. Realmente, trata-se de um livro impossível de ser resenhado à altura do merecimento da obra – se bem que você o fez com singular mestria. Parabéns, abraços.
Obrigada, Valdeci. Faz tempo que um livro não causava este impacto que o Sandór Márai conseguiu causar em mim. Sempre que vejo alguém comentando sobre este livro, percebo uma carga emocional, então vejo que não fui a única, isso é muito bom! Um abraço.
Obrigada, Fran! Adoro o Livro e Café e tenho muito orgulho de ser colaboradora de um blog com conteúdo tão bom. Acho que esta foi a resenha com maior carga emocional que eu já fiz!
Erika, Temos um Clube de Leitura e geralmente lemos os clássicos da literatura mundial,, mas a mãe de uma das amigas faleceu e ela encontrou este livro nos seus pertences; assim, curiosas, o adotamos para a leitura de janeiro. O livro é tudo isso que você falou, e o mais incrível, é que a medida que Henrick discorre sobre as suas percepções da vida, que fala do envelhecer, da dor e até do perdão, o personagem vai crescendo tanto que esquecemos do próprio cerne da questão. Achei o livro intenso, forte e que nos remete a muitos questionamentos. Como uma pessoa consegue conviver por 41 e 43 dias com uma ´duvida que paralisou a sua vida? “:O que ganhamos com o nosso orgulho e presunção?”.