Um Diário de Leitura é um registro íntimo sobre as primeira impressões de uma obra. Aqui você vai acompanhar minha leitura do livro “Meu Destino é pecar”, de Nelson Rodrigues.
Sob o pseudônimo de Suzana Flag, Meu Destino é pecar foi publicado em folhetins a partir de 1944. Sem data estabelecida, quem lê tem a certeza de que a trama é atemporal.
Os capítulos curtos, de mais ou menos 10 páginas, porém densos, têm sempre como título um trecho forte que marca aquelas páginas. Esses trechos me dão um pressentimento do que irá acontecer, mas nunca é óbvio. A obra apresenta um clima mórbido, de drama e de tragédia e traz à tona o tempo inteiro o quanto o amor pode ser fatal.
Parte 1 – O clima mórbido
No capítulo 1 (“Eu seria capaz de matá-lo? Seria capaz de matar meu marido?”) somos apresentados aos personagens principais: Lena (ou Leninha) e Paulo. Após ter uma festa de casamento desastrosa, casamento que ocorreu de forma forçada com a noiva buscando livrar seu pai da cadeia, Leninha está sendo levada de carro por Paulo para a Fazenda Santa Maria, onde irá morar junto do marido e de outros familiares.
Entretanto, diante do pedido de um beijo no meio do caminho de paisagem bucólica, Lena se dá conta de que tudo está sendo feito contra sua vontade e sente repulsa pelo homem ao seu lado e por tudo que está prestes a viver. Sem refletir muito sobre as consequências, se joga então do carro em movimento. Mas, como era de se esperar, se livrar do destino não seria assim tão fácil.
Uma casa de loucos e assassinos
Quando acorda está em Santa Maria cercada por Paulo, por sua sogra (Dona Consuelo) e por Lídia (prima de Paulo). Em um primeiro instante, Lídia se comporta como sua amiga, lhe avisando que Lena havia sido completamente louca de ter se casado com Paulo, pois aquela era uma casa de loucos. De loucos e de assassinos. Entretanto, rapidamente se demonstra como inimiga, fazendo questão de ressaltar a falta de beleza de Lena em comparação à ex-mulher de Paulo, Guida, a mulher mais bonita que todos já haviam conhecido.
Guida sofrera uma morte terrível: fora devorada pelos cães da fazenda que eram treinados por Paulo para caçar possíveis invasores. No chão ensanguentado, foi encontrado apenas trapos de um vestido que ela costumava usar. Todos então culpam Paulo pela morte trágica da idolatrada esposa, até mesmo sem saber que dias antes Paulo havia visto seu irmão Maurício (de uma beleza irresistível) e Guida aos beijos atrás de uma árvore.
Paulo e Guida: um drama “mexicano”
Até o 5º capítulo, Paulo se vê ainda apaixonado por Guida e sofrendo por ser culpado por sua morte, mas ao mesmo tempo tendo que se casar com Lena e se vendo obrigado a cumprir com as obrigações matrimoniais. Lena, buscando magoar Paulo, acaba se apaixonando por Maurício. Entretanto, Maurício é apaixonado por Regina, uma jovem que mora escondida em uma casa perto da Fazenda após largar tudo em sua vida para viver o amor proibido.
“Louca, louca, completamente louca. Quase teve ódio daquela mulher. Mas gostava muito dela, gostava sim. Estava gelada, completamente gelada, os lábios roxos e seu único sinal de vida era ainda o coração que batia, batia. “É louca, meu Deus”, repetiu ele, erguendo-a nos braços, sob a chuva incessante, os pés enterrados na lama. “Mas todas as mulheres que amam também não são loucas?”
Não fosse brasileiro, podia brincar dizendo que é um drama mexicano. Não me lembro de ter lido algo similar, parece aquelas histórias que vemos em novelas. Mas há como negar que na vida real não é parecido? Estou gostando muito das pitadas de tragédia e das várias facetas que Nelson vê em uma mulher. Gosto da história como um todo, mas estou especialmente curiosa sobre essa tal de Regina. Tenho um palpite, mas aí já é cena dos próximos capítulos.
Parte 2
Cerca de mais de 100 páginas depois, ainda estou curiosa com a história, mas confesso que passei por fases em que pensei se continuaria a leitura ou não. Acho que tudo se deve ao fato de o enredo ter poucos personagens e girar em torno integralmente do triângulo amoroso Lena, Paulo e seu irmão, Maurício. Mas, como é meu primeiro Nelson Rodrigues, decidi continuar porque tenho a esperança de ser surpreendida… e por enquanto não me arrependi.
Geralmente romances, aqueles amorosos mesmo, puramente de idas e vindas de casais não me encantam muito. Meu destino é pecar tem muito disso, mas o que também ainda não me fez desistir da leitura de fato foi que o Nelson pega uma cena e mostra o lado trágico. A dor, o desespero, a maldade, a perturbação. Em especial das mulheres.
“Ela falara com uma certeza tão fanática e um ódio tão selvagem, que Maurício estremeceu. Pensou então que a única coisa que não tem limites é o ódio de mulher. Beijaram-se de novo. (…) Sua maldade de mulher despertava. Ela queria agora atormentá-lo. Sabia que diante de uma mulher todo homem é, no fundo, ingênuo, ao alcance de qualquer malícia ou mistificação.”
p. 134
Nos últimos capítulos que li, fiquei estarrecida sobre como praticamente todas as personagens femininas guardam ódio entre si: a sogra pela nora, uma irmã pela outra, a tia pela sobrinha… e também entre vizinhos, a mãe pelo próprio filho, etc. Todos estão envolvidos em tramas de vingança e mentiras. Minha impressão em cada página é de um cenário mórbido, frio, tenso, mas muitas vezes próximo da realidade em que vivemos e até, talvez, não percebemos.
Nesse clima, todos conspiram pelo sumiço de Lena. Ou porque a querem longe de Paulo ou longe de Maurício, cada qual desejando isso à sua maneira e com seus objetivos. E conspiram mesmo: desaparecimento sem provas, morte, cárcere e por aí vai.
Esses últimos acontecimentos me fizeram retomar o ânimo na leitura: estou ansiosa pelas próximas páginas e pelo desfecho dessa rede de intrigas.
Parte 3
Confesso, foi difícil concluir a leitura de Meu Destino é Pecar (Nelson Rodrigues). Mesmo ansiosa para saber o desenrolar da história, quando estava faltando mais ou menos 1/3 eu já estava “remando” pra chegar até a última página. Mas, a curiosidade foi maior e dei uma chance. Que bom que não desisti do livro, pois o fechamento é emocionante, cheio de suspense e totalmente inesperado.
A personagem Regina
Como eu previ lá na Parte 1, o grande mistério do livro gira em torno da personagem Regina, uma jovem que mora escondida aos arredores da Fazenda Santa Maria e aos poucos vai ganhando espaço na trama. Com o passar dos capítulos, o leitor vai mudando de ideia sobre a história da moça e pensando: Rá, eu sabia! Mas o Nelson Rodrigues demonstra um grande poder de convencimento… que logo em seguida você já está convencido da sua outra versão da história, e isso dá o combustível para manter a leitura.
Um ódio generalizado
Definitivamente o grande pano de fundo do livro é a forma dramática de amar das mulheres e o ódio e inveja que isso pode gerar nas pessoas. Eu já havia comentado na Parte 2 sobre esse ódio generalizado, mas a leitura completa, na minha percepção, permitiu concluir que tudo decorre do amor exagerado e sem limites. Todo mundo é capaz de tudo por amor, ainda mais em uma terra sem lei onde o crime passa despercebido.
– Estou falando sério, padre. O senhor viveu a vida, é bom demais, um santo, não sabe que as mulheres não gostam de homens nobres. (…) Eu tenho experiência, o senhor nem pode fazer ideia das mulheres que conheci. Pois bem: sempre que tentei ser nobre, o fracasso foi fatal. Sem discussão. As mulheres gostam dos homens que as fazem sofrer. Precisam sofrer, chorar, ter ciúmes. Sem isso, sem esses estímulos violentos, não sabem amar, não acham graça no amor!
(Maurício em diálogo com Padre Clemente, pág. 197)
Essa visão é impressa nas páginas tanto pelos personagens masculinos, quanto pelos femininos. As próprias mulheres admitem suas fragilidades, seus medos e que são capazes de tudo para alcançarem aquilo que desejam.
– Em amor, quanto mais louca a mulher, melhor! Nem tem comparação! (…) São os homens que acham! Louca e bonita. A mulher precisa ser louca e bonita para amar e ser amada…
(Lídia em diálogo com Leninha, pág. 222)
Eu achei a leitura um pouco maçante, mas as pequenas reflexões que o Nelson permite ao leitor ao longo do livro compensam. É interessante ler os diálogos e perceber como tem pessoas capazes de tudo, de amar tanto ao ponto de ficarem cegas, de se preocuparem mais com a vida alheia do que com a sua própria, de se importarem mais com aparências e
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