As 11 frases do livro Noite e Dia representam os momentos de leitura que mais emocionam!
Noite e Dia, escrito em 1917, é conhecido como o livro mais simples de Virginia Woolf, no entanto não é o primeiro livro dela, ou seja, alguns podem pensar que ela poderia ter feito melhor, talvez. Noite e Dia é um romance sobre os valores do casamento e a necessidade de liberdade de uma mulher. Abaixo você irá encontrar 11 frases do livro Noite e Dia, retiradas da edição da Editora Círculo do Livro.
Leia a resenha sobre o romance aqui
O pior de tudo é que ela não tinha qualquer aptidão para a literatura. Detestava frases. Tinha, até, alguma natural antipatia por aquele processo de auto-exame, por aquele perpétuo esforço de entender os próprios sentimentos e expressá-los em palavras, de maneira bela, apropriada, vigorosa, coisa que constituía tão grande porção da existência de sua mãe. Ela, ao contrário, inclinava-se a calar; esquivava-se a expressar-se mesmo falando, quanto mais escrevendo. Como tal disposição era das mais convenientes numa família dada à manufatura de frases, eparecia indicar uma correspondente capacidade para a ação, ela fora, desde a infância, encarregada dos negócios da casa. Tinha a reputação, que nada em suas maneiras contradizia, de ser a mais prática das criaturas. Decidir os cardápios, dirigir os empregados, pagar as contas, conseguir que todos os relógios batessem à mesma hora e que as jarras estivessem sempre cheias de flores frescas eram tidos como predicados naturais dela. Mrs. Hilbery costuma dizer que isso também era poesia, só que às avessas.
Frase do livro Noite e Dia, p. 36
Carente de crença religiosa, era ainda mais conscienciosa com a sua própria vida do que o seria de outra maneira, examinando sua posição de tempos em tempos com muita seriedade. E nada a aborrecia mais do que surpreender um desses maus hábitos a minar sub-repticiamente a preciosa substância. De que servia, afinal de contas, ser mulher se não se conservasse fresca, e se não enchesse a vida com toda espécie de ideias novas e experiências? Assim, ela sempre se dava uma pequena sacudidela ao virar a esquina, e muitas vezes chegava à sua porta assoviando uma balada do Somersetshire.
Frase do livro Noite e dia, p. 67
Era melhor, de um modo geral, arriscar o presente embaraçoso do que perder uma noite a sopesar desculpas e a construir cenas impossíveis com essa faceta intransigente de si mesmo. Desde que visitara os Hilberty, estava à mercê de uma Katherine fantasma, que vinha a ter com ele quando estava só, e lhe respondia como desejaria que ela respondesse, e que estava sempre ao seu lado para coroar as várias vitórias que eram negociadas cada noite, em cenas imaginárias, enquanto ia do escritório para casa, a pé, por ruas em que as luzes já se haviam acendido. Caminhar com Katherine em carne e osso serviria para nutrir esse fantasma com comida fresca, o que, como o sabem todos aqueles que alimentam sonhos, é processo necessário de tempos em tempos, ou para adelgaçá-lo a tal ponto que, depois disso, de pouco serviria. E essa também é uma mudança que todo sonhador acolhe com prazer. E todo tempo Ralph estava ciente de que a figura de Katharine não estava absolutamente representada nos seus sonhos, de modo que, ao encontrá-la, pasmava-se de que nada tivesse a ver com o sonho que fazia dela.
p. 79
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– Sem dúvida, é muito aborrecido que você só possa casar com um marido – refletiu Mrs. Hilbery. – Sempre pensei que bom seria que casasse com todo mundo que deseja casar-se com você! Talvez cheguemos lá, com o tempo (…).
p. 89
Você vive com seus inferiores – disse, entusiasmando-se indevidamente, como bem sabia, com o assunto. – E você se ajusta à rotina porque, de maneira geral, é uma rotina agradável. E tende a esquecer a razão de estar metida nela. Você tem o hábito feminino de dar excessiva importância ao detalhe. Você não vê quando as coisas são importantes e quando não são. E é isso a ruína de todas essas organizações. É por isso que as sufragistas nunca conseguiram nada todos esses anos. De que serve realizar quermesses e reuniões de portas fechadas? Você precisa de ideias, Mary. Agarre-se a alguma coisa grande. Não se importe em errar, mas não se perca em ninharias. Por que não abandona tudo por um ano, e viaja? Veja algo do mundo. Não se contente em viver toda a sua vida com meia dúzia de pessoas numa estrada. Mas sei que não o fará – concluiu.
Frase do livro Noite e Dia, p. 114
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Todas as coisas se haviam transformado em sombras; toda a massa do mundo se fez vapor sem substância, em derredor da solitária centelha da mente, esse ponto ardente de que se podia justamente lembrar por ter cessado de arder. Havia acarinhado uma crença e Katharine a corporificava e deixava, agora, de corporificar. Não lhe censurava isso, não censurava nada nem ninguém. Via a verdade. Via a água barrenta e a praia deserta. Mas a vida é vigorosa; o corpo vive e era o corpo, sem dúvida, que ditava a reflexão que o fez mover-se. A gente pode, afinal, deitar fora as formas dos seres humanos e reter, no entanto, a paixão – que antes parecera inseparável do seu invólucro carnal. Agora essa paixão queimava no horizonte, como um sol de inverno a abrir no poente uma janela verde através de nuvens que se adelgaçam. Seus olhos estavam postos em alguma coisa infinitamente longínqua, remota. Com essa luz achava que seria possível caminhar; e com ela haveria de encontrar, no futuro, o seu caminho. Era tudo o que lhe restara de um mundo populoso e fervilhante.
p. 137
Ralph manteve a porta aberta para ela, depois ficou com as mãos apertadas uma na outra no centro da sala. Seus olhos brilhavam e, na verdade, não saberia dizer se contemplavam sonhos ou realidades. Pela rua toda e, ainda, no limiar da porta, ou enquanto subia os degraus, seu sonho com Katharine o possuía. Na soleira da sala despedira-se dele, a fim de evitar uma colisão por demais penosa entre a sua ideia dela e o que ela era. E em cinco minutos ela havia enchido a concha do velho sonho com a carne da vida, e olhado com fogo pelos olhos do fantasma. Ele se via com espanto ali, entre as cadeiras e mesas da casa dela. E eram materiais sólidos, pois pôde pegar no encosto daquela em que Katharine estivera sentada. E, todavia, eram irreais; a atmosfera era de sonho. Reuniu todas as faculdades do seu espírito a fim de captar tudo o que minutos lhe pudessem dar. E das profundezas da sua mente surdiu, irreprimida, a certeza de que a natureza humana ultrapassa, na sua beleza, tudo o que os mais loucos sonhos podem oferecer como sugestões, alusões.
p. 183
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Se o melhor dos nossos sentimentos nada significa para a pessoa mais envolvida neles, que realidade nos é deixada?
p. 198
Sente aí, Sally, e diga-me como é que consegue. Isto é, como consegue correr de um lado para outro com perfeita confiança na necessidade de suas atividades, que para mim são tão fúteis como o zumbir de uma varejeira retardatária.
p. 225
Os mais extravagantes pensamentos ocorrem na travessia de ruas transbordantes de gente, quando aquele que passa não tem destino certo. É assim também que a mente compõe toda sorte de configurações, soluções e imagens, quando se ouve música atentamente. Da aguda consciência de si mesma enquanto indivíduo, Mary passou a uma concepção sobre a ordem das coisas em que, como ser humano, cabia-lhe, por direito, a sua cota. Teve, a meio, uma visão; a visão formou-se, depois minguou. Quisera ter um lápis e um pedaço de papel para dar forma a essa concepção que se propusera espontaneamente enquanto descia a Charing Cross Road. Mas, se falasse a qualquer pessoa, a concepção poderia fugir-lhe. A visão parecia conter as linhas mestras da sua vida até a morte, de uma maneira satisfatória para o seu senso de harmonia. Necessitava apenas de um persistente esforço de pensamento, estimulado curiosamente pela multidão e pelo barulho, para subir até o pináculo da existência e ver tudo lá do alto, disposto e armado de uma vez por todas. Seu sofrimento, enquanto indivíduo, ficara para trás. Desse processo, para ela repleto de esforço, com transições infinitamente rápidas e drásticas de pensamento, a levar de uma crista a outra, e formando, assim, a sua concepção da vida neste mundo, desse processo umas poucas palavras articuladas lhe escaparam, murmuradas entre dentes: — Não é a felicidade, não é a felicidade.
p. 226
Às vezes, sentia que era necessário, para sua própria existência, libertar-se do passado; ou que o passado deslocara completamente o presente, de modo que, ao retomar a vida comum depois de uma manhã inteira entre os mortos, o presente se revelava uma composição rala e inferior.