William Gibson, com a ajuda de Bruce Sterling e John Shirley, criou o subgênero literário da ficção científica, denominado ciberpunk e também, o conceito de ciberespaço na literatura. Em 1984 escreveu Neuromancer, seu livro mais famoso e vencedor de três prêmios: Nebula, Hugo e Philip K. Dick. É o primeiro livro da “trilogia do Sprawl”, seguido de Count Zero (2008) e Mona Lisa Overdrive (2008). A obra foi influenciada por Blade Runner e inspirou os irmãos Wachowski na produção do filme Matrix.
Em Neuromancer a globalização atingiu um nível muito alto e a tecnologia invadiu a vida cotidiana. Nesse cenário high tech, hackers tentam a todo o momento invadir o sistema de corporações milionárias. Case, o protagonista, vive na condição de vítima da tecnologia. É um subproduto da juventude. Nasceu em uma época na qual as corporações e os neons já eram a paisagem de sua janela e viu na profissão de cowboy uma maneira de integrar esse espaço. Ele é um ex-hacker que traiu as pessoas erradas e pagou um preço.
Com seu sistema neural danificado e impedido de conectar-se à Matrix, Case é procurado por uma estranha conspiração onde conhece Molly, uma samurai de rua, e seu chefe Armitage, que pelo custo certo, lhe oferece uma cura. Logo, o trio embarca em uma perigosa missão envolvendo grandes corporações e inteligências artificiais.
É um livro genial. Gosto muito da ideia da Matrix. Na trama, Case de conecta num deck de ciberespaço que projeta sua consciência desincorporada na Matrix, que é uma alucinação consensual. E isso tudo é muito interessante, tecnológico e visionário. As múltiplas possibilidades da Ficção Científica.
Case é um personagem sem graça. Mas Gibson é genial. E a grande genialidade do livro é a abordagem da pós-modernidade. O autor transcorre entre engenharia biológica e alta tecnologia. Personagens comuns tornam-se parte ciborgues quando têm seus membros substituídos por próteses mecânicas. E tudo isso é atrativo para o leitor.
– Está perdendo seu tempo, cowboy – disse Molly, quando Case tirou um octógono do bolso de sua jaqueta.
– Como assim? Quer um? – estendeu a pílula a ela.
– Seu pâncreas novo, Case, e esses plugues no seu fígado. Armitage mandou projetá-los para desviar essa merda. – Ela bateu com a unha bordô no octógono. – Você é bioquimicamente incapaz de ficar doidão com anfetaminas ou cocaína.
– Merda – ele disse. Olhou para o octógono e depois para ela.
– Pode comer. Pode comer uma dúzia. Não vai acontecer nada.
Ele comeu. Nada aconteceu.
(GIBSON, 2008, p. 59)
Já li e reli Neuromancer diversas vezes. Em todas as minhas releituras senti a mesma coisa: um final repleto de ambiguidades sobre o que é real e o que é virtual. Afinal, o que é real? Sei que somente os bons livros nos deixam com caraminholas na cabeça!