Doze Contos Peregrinos (Gabriel García Márquez) é uma surpresa literária em minha vida. Eu, fã de contos, fiquei admirada por cada história contada por Gabo. Os personagens apresentam aquela misteriosa profundidade, tão difícil de atingir em uma história de natureza curta.
Iniciar pelo realismo mágico de Gabriel García Marquez por meio dos contos pode ser uma grande escolha. Eu não fiz assim e hoje me arrependo. Comecei por Notícias de um Sequestro, mas como o livro era emprestado, acabei devolvendo antes de concluir a leitura, pois a pessoa precisava muito do livro, para um trabalho universitário. Depois tive a infelicidade de ler Memórias de Minhas Putas Tristes, um livro que, resumidamente, fala sobre um senhor que, antes de morrer, quer tirar a virgindade de uma garota, que se tornará prostituta. Tema pesado, narrado de um jeito nojento, não me agradou em nada e, assim, criei uma certa aversão pelo autor antes de chegar aos doze contos.
Eu insisti com a leitura de Gabriel García Márquez porque reconheço a sua importância na literatura latina, por ter dado força ao realismo mágico, pelo Nobel de Literatura e, principalmente, por tantas pessoas que conheço falarem tão bem do autor.
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Uma surpresa literária
Doze Contos Peregrinos é uma surpresa literária incrível. Admiradora de contos, fiquei fascinada por cada história contada por Gabriel García Márquez. Os personagens têm uma profundidade misteriosa, rara em histórias curtas. Outra característica marcante do autor é o cenário das histórias. Gabriel García Márquez apresenta um mundo simples, intenso, com cores vivas e personagens comuns. Porém, carregam algo vital e difícil de nomear, representando lindamente o povo latino e a língua espanhola. Nós, brasileiros, também nos identificamos com personagens fortes, perdidos, buscando sentido para a pátria, amor, feridas, viagens, buscas, peregrinações e até a morte.
Os contos são peregrinos porque todos os personagens estão indo para algum lugar, ou voltando para casa, ou fugindo dela, alguns estão no caminho da vida, outros buscam Deus, alguns a morte. Porque a morte também é uma peregrinação. Curiosamente, como Gabo menciona no prólogo, a história do autor sobre as dificuldades em escrever os contos também pode ser vista como uma peregrinação literária.
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É difícil escolher, entre os 12 contos, os melhores ou piores, pois todos causam aquela necessidade quase furiosa de ler tudo até o final. E, cada página lida, completa a anterior com muita inteligente e simplicidade. Assim, no final do prólogo, o autor nos avisa que:
“Sempre acreditei que toda versão de um conto é melhor que a anterior. Como saber então qual deve ser a última? É um segredo do ofício que não obedece às leis da inteligência mas à magia dos instintos, como a cozinheira que sabe quando a sopa está no ponto.” (p. 15)
Os primeiros contos…
O primeiro conto chama-se “Boa viagem, Senhor Presidente”. É interessante o quanto é possível traçar paralelos com a política de nosso país. Marido e mulher, com opiniões políticas tão diferentes, veem na visita do presidente, uma chance de lutar, pedir ajudar, vingar-se, entre outros pensamentos quando um ex-presidente da república entra em sua casa para jantar. O tema da peregrinação se dá porque o ex-presidente está exilado.
O conto seguinte, A Santa, é sobre um homem que tenta, em vão, realizar a canonização de sua filha que, depois de morta, permanece com a pele e os ossos intactos, mesmo passados 7 anos. A viagem se dá pelo desejo de ir até a Itália para conversar com o Papa e provar que a filha é uma santa. Neste ponto do livro, o autor poderá observar que o narrador é um pouco dúbio, pois em muitos momentos parece que é o próprio Gabriel García Márquez que nos conta a história, com a afirmação que conhecia Margarito Duarte, o homem que acredita que a filha era uma santa. Por outro lado, o leitor atento deve perceber que o narrador também pode ser um personagem. Essa característica se faz presente nos outros contos do livro.
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O Avião da Bela Adormecida parece mais uma crônica, de novo, é fácil acreditar que o narrador é o próprio Gabo que, durante uma viagem de avião, fica encantado com a beleza de uma moça que senta ao seu lado e dorme a viagem toda.
O quarto conto do livro, “Me alugo para sonhar”, encanta logo pelo título e cada página lida reafirmar a marca mais forte do autor, o Realismo Mágico. Uma moça, Frau Frida, que em seus sonhos prevê o futuro, encontra até mesmo Pablo Neruda e, novamente, o próprio Gabo, para iluminar a vida desses dois grandes nomes da literatura. Há um diálogo muito interessante sobre Borges:
“- Sonhei com essa mulher que sonha – disse.
Matilde quis que ele contasse o sonho.
– Sonhei que ela estava sonhando comigo – disse ele.
– Isso é coisa de Borges – comentei.
Ele me olhou desencantado.
– Está escrito?
– Se não estiver, ele vai escrever algum dia – respondi. – Será um de seus labirintos.” (p. 101)
Na obra de Borges, o tema “labirinto” é recorrente.
As tragédias
O maior conto, e um dos mais trágicos entre Os Doze Contos Peregrinos chama-se “Só vim telefonar”. É sobre uma mulher que, após ter o seu carro quebrado numa estrada, recebe uma ajuda muito estranha, que a coloca numa condição delicada. Ela, que só quer telefonar para o marido, para avisar de seu atraso, perde tudo o que podemos considerar bom a respeito de uma vida normal e digna.
“Assombrações de Agosto”, assim como o conto anterior, traz ao leitor uma pequena lembrança sobre Stephen King. A comparação pode ser considerada estranha, afinal, são autores muito diferentes, porém, ao ler o conto, o leitor saberá que explorar o tema do medo sem parecer bobo e infantil é para poucos. Para Gabriel García Márquez, o medo vem quando tudo já aconteceu, o que transforma a história sobre a sua família, e uma simples estadia em um lugar antigo e cheio de histórias, em algo muito sinistro.
As mulheres
No conto “Maria de Prazeres” temos uma mulher que, literalmente espera a morte chegar. No conto seguinte “Dezessete Ingleses Envenenados”, uma senhora que viaja de navio para a Itália, porque ela quer conhecer o papa, assiste a morte por envenenamento de 17 pessoas.
Na sequência é o conto Tramontina que adiciona a natureza como protagonista de uma morte. Os ventos fortes do norte deixam um garoto trabalhador muito assustado, mas turistas que não compreendem o seu medo, tomam atitudes inconsequentes que transformam o medo do garoto em desespero.
Embora o título ‘O Verão Feliz da Senhora Forbes’ sugira alegria, o conto narra uma história infeliz. Nele, crianças enfrentam medo, infelicidade, fuga e veneno.
De tudo, um pouco…
A Luz é como água é o penúltimo conto presente no livro, porém já havia sido publicado anteriormente. É uma história para o público juvenil, sobre imaginação, brincadeiras, presente, família. A tragédia está no próprio título e no poder do realismo mágico que transforma, de um jeito tão poético, a luz em água.
O último conto, O Rastro do Teu Sangue na Neve também é uma grande tragédia. Uma mulher que, durante a viagem de lua de mel descobre um pequeno corte em seu dedo, feito, sem querer, pelos espinhos de uma rosa. Porém, a sua vida, que tinha tudo para ser feliz, acaba em um hospital, com o seu marido desolado. Uma mistura de Bela Adormecida, o terror e a incomunicabilidade presente também nos outros contos do autor.
Assim, Doze Contos Peregrinos, se transformam numa única história, a partir do deslocamento dos personagens, as viagens reais e metafóricas sobre pessoas que chegam e partem, de diferentes lugares, mas todas com o objetivo de cumprir algo em torno da própria felicidade ou infelicidade.
Respostas de 7
Oi, Francine!
Estou muito ansiosa para começar a ler Gabriel Garcia Marquez! Agora que você falou sobre os contos, me deu muita vontade de lê-los, acontece que comprei Cem Anos de Solidão e não aguento mais vê-lo parado! Rs Realmente é melhor começar por contos, como com Guimarães Rosa e Sagarana, antes de ir p/ Grande Sertão: Veredas, mas agora, já foi.
Muito completa sua resenha, adorei este espaço, me surpreendeu positivamente!!
Também tenho escrito um pouco sobre livros, poemas… Dê uma passadinha, se quiser! http://1pedranocaminho.wordpress.com
Beijos,
Francine, adorei a resenha…fiquei com vontade de ler! Nunca li seus contos, li alguns romances deles…e tive um começo muito mais feliz do que você, comecei lendo O amor nos tempos do cólera, recomendo fortemente (rsrsrs) que você leia.
Abraços,
Adriana
genteeee
preciso desse livro!
compre, leia!!! é muito bom!
Oi, Adriana!
O amor nos tempos do cólera já está aqui na minha estante. prentede ler neste ano 🙂
Bjos!!!
Gostei muito da resenha, que coincide com muitas das minhas impressões ao ler esses contos. García Márquez tem realmente o dom de imprimir densidade e profundidade em seus personagens com poucas pinceladas, deixando o máximo espaço para o leitor se deleitar com a narrativa propriamente dita. O dado triste é que Gabo parece ter descoberto tardiamente essa vocação para o conto, embora seus romances nos satisfaçam plenamente.
Oi, Paulo! Ei fiquei muito surpresa com os contos do autor e me parece que eles são menos divulgados, mas também entendo, pois os seus romances realmente marcaram a literatura e se tornaram clássicos. Enfim, tudo de Gabo vale a pena!