Existe uma linha tênue que divide a sanidade da loucura. Dom Quixote parece atravessá-la com uma facilidade que provoca compaixão pela ingenuidade e desperta admiração pela sua capacidade imaginativa e integridade. Louco nas ações, sensato nas palavras e nos pensamentos.
O fidalgo com fortuna decadente investia todo o seu dinheiro em livros. Apaixonado pelos romances da cavalaria quis também se aventurar nesse universo. Não tem como condenar alguém por desejar viver histórias maravilhosas e ter uma vida tão emocionante quanto a que lemos nos livros ou assistimos nos filmes – quem nunca sentiu a chamada “depressão pós filme ou pós livro”?
Dom Quixote tem a capacidade de enxergar no mundo real as fantasias de seu mundo particular, construído pelos romances que leu. Fantasias que o deslocam para um tempo que já não existe e conduzem enganos e alucinações que o deixam vulnerável a uma realidade que se coloca contra o alucinado cavaleiro. Mas a razão não abandona Dom Quixote totalmente e se revela na eloquência de seus argumentos para explicar o que vê e justificar a razão pela qual ninguém enxerga o mesmo que ele.
Queimar livros, confrontar, tentar abrir os olhos para a realidade. Nada adianta como solução para trazê-lo de volta ao mundo real. Mais próximo da sanidade e distante da loucura, Sancho Pança, seu companheiro e fiel escudeiro, alerta o cavaleiro sobre os enganos e perigos de suas alucinações, mas se deixa levar pelas belas palavras e promessas de glórias do nobre espanhol. O que mostra como a razão também pode se deixar enganar pelas vontades e desejos.
Entre metáforas e metalinguagens, a obra de Miguel de Cervantes apresenta um personagem que externaliza o seu mundo particular e enxerga no mundo real aquilo que quer ver. O que cativa nessa história é poder perceber que esses devaneios não são exclusivos do homem que sai em busca de aventuras, defesa dos humildes e lutas contra gigantes. E nos provoca: quantas vezes nos deixamos enganar por ver o que queremos e não o que as coisas realmente são? Não é difícil enxergar gigantes enquanto estamos diante de moinhos de vento, quando os sentimentos, emoções e os desejos nos cegam e nos ensurdecem e consegue também calar a razão.
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Imagem: Dom Quixote por Salvador Dali, 1946
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O que cativa nessa história é poder perceber que esses devaneios não são exclusivos do homem que sai em busca de aventuras, defesa dos humildes e lutas contra gigantes. E nos provoca: quantas vezes nos deixamos enganar por ver o que queremos e não o que as coisas realmente são?