Se você olhar rapidamente a capa da HQ Descontruindo Una, poderá considerar o livro apenas melancólico, pois as poucas cores e a menina segurando um balão de diálogo sem diálogo, causa uma sensação de silêncio. Porém, o conteúdo da obra é muito além do silêncio, porque há outros ingredientes, como a agonia, a solidão e a depressão. A partir de um contexto histórico da Inglaterra nos anos 70 e 80 do século XX, quando um assassino em série matava mulheres, a narradora, a própria Una, personagem e ilustradora que usa esse pseudônimo, nos conta a sua história de violência social, psicológica e física.
“Então, as duas primeiras mulheres a morrer com os ataques viviam vidas complicadas. Era isso o que as tornava prostitutas?
Antes delas, as primeiras três mulheres que sobreviveram aos ataques eram:
Uma mulher em uma briga com o namorado.
Uma mulher voltando de um pub para casa.
Uma adolescente usando sapatos inadequados.
Duas dessas mulheres foram descritas pela polícia como tendo morais questionáveis.
A outra foi ignorada.
Mesmo que cada uma delas estivesse andando pela rua, completamente nua, gritando ‘dez pilas para tocar minha bunda linda’ a plenos pulmões, não seria motivo para atacá-la, é claro.” (p. 62 e 63)
Há muito o que falar sobre violência de gênero, pois alguns desconhecem a situação e a tratam apenas como violência, porém, não são apenas indícios que levam a esse contexto da violência contra a mulher, são dados históricos que, analisados de um jeito mais humano e social, podem mudar essa realidade.
É o machismo que está instalado, quase invisível, em nossa sociedade, que ainda alimenta a ideia de que o homem possui poder e controle sobre o corpo da mulher; e também sua mente; e também suas atitudes.
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É o machismo que faz as pessoas perguntarem: mas que roupa ela vestia? por que ela estava na rua? ela usava batom vermelho? mas ela não queria?
Una foi estuprada quando era uma garota e a sequência de fatos, no mínimo, trágicos, que aconteceram em sua vida, deixam a menina em um profundo silêncio que corta o coração. O seu jeito de contar a história é ao mesmo tempo delicado e profundo. Os seus traços e os seus textos são carregados de uma dor que não está apenas na superfície, mas que corrói Una e o leitor aos poucos e mostra, de um jeito tão difícil, o quanto a violência física não é um pacote isolado, junto dela vem a violência psicológica e social. A vítima se culpa, a sociedade culpa a vítima. Quem culpa o estuprador?
O livro também funciona como um objeto informativo sobre violência contra a mulher, porque, depois do leitor saber da história de Una, conhecerá também sobre os movimentos das mulheres para mudar essa difícil realidade.
Para aqueles que sofreram algum tipo de abuso, o livro é importante. Para aqueles que reconhecem a violência contra a mulher como um grave problema social, o livro é importante. Ainda, para aqueles que não reconhecem a violência de gênero, o livro é importante.