Ler para escrever: dos fragmentos às conexões

Continuo a pensar sobre a escrita. Hoje, caminho também para as questões da leitura. Segundo muitos pesquisadores da área, escreve bem quem lê bem. Porém, há um espaço gigante que merece ser discutido sobre o que é fazer essas duas ações bem. Do meu ponto de vista, há coisas que moram nas entrelinhas que merecem atenção: se eu considero que tal autor escreve bem, são percepções minhas, a partir do que eu conheço sobre literatura, arte e, principalmente a sociedade em que vivo. Se concordo com o autor, a chance de eu considerá-lo muito bom é maior. Se discordo, vou buscar provas para fazer valer a minha ideia.

Virginia Woolf, no livro “Orlando“, registrou:

Nenhuma paixão é mais forte, no peito humano, que o desejo de impor aos demais a própria crença. Nada também corta tão pela raiz nossa felicidade e nos encoleriza tanto como sabermos que outros menosprezam o que exaltamos. […] Não é o amor à verdade, mas o desejo de prevalecer que levanta bairro contra bairro e faz uma paróquia desejar a derrota de outra paróquia. Cada qual procura paz de espírito e sujeição, mais do que o triunfo da verdade e a exaltação da virtude. (p. 83)

Então, dentro do meu universo, das minhas ideias e caminhos, chego a Paulo Freire que, com sua linguagem tão humana, como se estivesse a todo tempo nos dando as suas mãos da solidariedade, escreveu:

“A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra, e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. (…) este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por certa forma de escrevê-lo ou reescrevê-lo, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.” (A importância do ato de ler)

Esse mundo em que vivemos, pode ser visto como algo tão conectado ou também encarado como fragmentos. Paulo Freire, me faz entender que o melhor é essa conexão, pois assim acredito que é possível mergulhar com mais profundidade. A minha vida ao mesmo tempo é a arte, a minha família, a política, minhas crenças, meus livros, meu trabalho, os amigos, meu marido, minha gata etc. Assim, eu leio o mundo, sou lida por ele e escrevo. E nesse processo de escrever, releio o mundo e junto os fragmentos. Afinal, não é porque acredito nas conexões que nego a existência dos fragmentos. Porém, o meu ato de ler e escrever está em função de juntar os fragmentos, de transformá-los em conexões, em vivências que me tirem do conforto, que me transbordem.

Paulo Coimbra Guedes, no livro “Da redação à produção textual“, traz, a partir de seus estudos sobre Paulo Freire, uma definição muito adequada sobre o ato de escrever: “Escrever é fazer a arqueologia de uma compreensão ao longo de uma experiência existencial.” (p. 21)

Agora, partindo do ponto inicial sobre os motivos que me levaram a fazer esses registros, é tudo porque estou em um processo maravilhoso de compreender mais essa questão do ler e escrever, pois desejo poder colaborar mais com meus alunos e com minhas próprias aulas sobre a produção de texto. E, novamente:

  • dentro do meu pequeno mundo, o que leio e o que escrevo pode transformar e inspirar?
  • o que eles (meus alunos), dentro do pequeno mundo deles, pode transformar e inspirar?
  • como nos conectamos uma vez que viemos de lugares tão diferentes, temos idades tão diferentes e vemos e interagimos com o mundo de uma forma tão diferente?

Das lições dos livros:

  • essa conexão pode vir do ato de escutar. A conversa, que é uma leitura de mundo e uma leitura do outro, é um excelente caminho;
  • não tornar ilegítima a ideia do outro. Não anular a visão de mundo do outro. Trazer sempre a oportunidade das conexões;
  • cada um com seus fragmentos e disposição para o mudar o mundo podem, por fim, construir um bom texto.

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