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Textos finalistas do concurso cultural da Livro & Café

O nosso concurso cultural recebeu mais de 170 textos de todo o Brasil que refletiram sobre o tema “O que esperar de 2020?”.

Foi um processo de leitura incrível para nós da revista. Realmente foi um prazer poder acessar tantos textos, de tantas pessoas e, assim, ampliar nosso olhar para aqueles que acreditam no poder das palavras em crônicas, contos e poesias! Não foi fácil chegar aos melhores, mas aqui estão os cinco finalistas que nos encheram de orgulho e admiração! Muito obrigada pela confiança e logo mais teremos outros Concursos Culturais!

Não deixe de ler e compartilhar!


A carta

‌                  .Daniel sentou no chão, cansado. Detestava organizar seu quarto, de alguma forma conseguia se encontrar naquele espaço repleto de caos, mas como prometera que até o final do ano iria ajeitar suas coisas, resolvera cumprir pelo menos uma de suas metas ridículas. Mesmo que faltassem só um dia para a virada do ano.

‌                  .Repleto de livros, quadrinhos e folhas avulsas ao seu redor, começara a divisão em materiais que guardaria, os que iriam para doação e os destinados ao lixo. Já removera todos os livros de sua estante e estava quase soterrado por uma pilha de material da faculdade. Mesmo já tendo concluído sua graduação, ainda não criara coragem para arrumar nada.

‌                  .Ajoelhando-se, foi separando os livros, e ao puxar aleatoriamente um deles, leu o título “Anna Karenina”. Riu baixinho, esse era um daqueles livros que começara diversas vezes, mas nunca terminara. Lembrou, com carinho, que o levara diversas vezes para a faculdade para ver se conseguia concluí-lo em algum momento, porém sempre faltava algo. “Vontade, eu acho”. No final, guardara-o esquecido em sua estante.

‌                  .Folheou-o suas páginas e notou, com surpresa, que havia uma carta em seu interior. Retirou-a com cuidado. E leu no envelope “para Daniel”. Era uma letra bonita, cuidadosa. Com curiosidade, retirou as duas folhas do invólucro e começou a lê-las.

Daniel,

Eu não sei nem por onde começar. São tantas as palavras que eu gostaria de por aqui. Acho que não irão caber nem a metade do que gostaria de te falar. Talvez, você não me reconheça de imediato, mas eu sou aquele que sempre se senta ao seu lado nas grandes mesas da biblioteca.

Sabe, Daniel, eu sempre fui muito tímido… nunca fui de fazer muitos amigos. Eu não era igual aos outros garotos da minha idade, não tinha os mesmos gostos, os mesmos hábitos. Eu era uma bola tentando me encaixar em um espaço quadrado. Sempre fui assim, no colégio e até mesmo, hoje, na faculdade. E as pessoas notavam isso. Acho que o único lugar que eu me sentia verdadeiramente dono de mim era na biblioteca. Os livros não me julgavam.

Foi quando o conheci. Desde quando o vi pela primeira vez, percebi que você era, de certo modo, diferente. Você tem um ar de quem não se importa com o que os outros pensam, parece ser alguém completamente satisfeito com sua própria pele… Tão diferente de mim. No começo, eu quis ficar perto por curiosidade. Queria ser alguém como você…haha até comprei uma lapiseira igual a sua!

 Não sei quando meus sentimentos começaram a mudar. Quando para mim, vê-lo rir se tornou tão importante. Acho que foi naquele dia em que eu estava muito gripado, tentando segurar minha tosse e você me ofereceu uma bala de menta. Algo tão simples me marcou tanto. Eu até guardei a embalagem no meu caderno. De alguma forma, ela se tornou meu amuleto para enfrentar mais um dia.

E, com essa embalagem verde na minha mão, eu resolvi tomar coragem e escrever essa carta. 2020 está chegando, falta menos de um mês e eu quero mudar. Quero que nesse ano, eu não seja mais um mero expectador da minha vida. Sempre à espera de que algo vá mudar, de que magicamente as coisas darão certo para mim. Eu quero sentir orgulho do que eu sou, das coisas que faço e dos meus sentimentos.

Não quero mais ter vergonha do meu corpo, da minha voz….Quero nesse próximo ano, sentir que as coisas vão melhorar, não por um acaso do destino, mas porque eu fiz isso acontecer. Porque eu lutei por elas. E eu escrevi essa carta para tomar coragem de iniciar essa mudança. Ainda não sou forte o bastante para falar em voz alta, só queria que soubesse que eu gosto de você.

Eu sei que terei uma resposta negativa, afinal, você nem deve ter me notado e sei que tem uma namorada. Porém, eu sinto que o conheço há tempos, sei que gosta muito de ler, que tem mania de roer as unhas quando está nervoso com algo e quando ri, parece iluminar toda a sala.

Não tenho mais espaço para escrever e, na verdade, eu gostaria de que pudéssemos conversar sobre isso um dia. Eu ficaria muito feliz se você falasse comigo, significaria muito, muito mesmo. Eu me formo próximo ano, mas estarei ainda vindo à biblioteca nesse mês de dezembro, sentando ao seu lado. Espero, finalmente, que possamos conversar.

Abraço, Carlos.

Ps: percebi que sempre leva o livro Anna Karenina com você, espero que não se importe se eu colocar essa carta aí.

‌                  .Daniel respirou profundamente ao terminar de ler. Olhou para o teto por alguns segundos. “Carlos, um rapaz que sentava perto dele na biblioteca….não…não me lembro.”. De fato, ia muito à biblioteca, contudo não prestava atenção às pessoas ao seu redor. Achou até certa graça no que estava escrito.

‌                  .— Satisfeito com sua própria pele? Eu? Que piada, Carlos… grande piada — Observou que a data presente na carta era de 02 de Dezembro de 2019 — Uma pena … pena mesmo que amanhã será 2025.

‌                  .Estendeu o braço para colocar a carta no lixo. Porém algo o parou, não sabia definir o motivo, só sentia que essa carta fora destinada a alguém que ele já não era mais. De certa forma, os direitos sobre esses sentimentos não lhe pertenciam. Simplesmente, colocou a carta de volta ao livro. Sentiu que o “Anna Karenina” era mais merecedor dessas palavras do que ele. Sem pensar mais sobre isso, fechou o livro, sabendo que nunca mais iria tocá-lo.

Débora Nichi Machado

29 anos, Fortaleza/CE


As soluções propostas para 2020

‌                  .Naquela segunda-feira ensolarada, na sala de reuniões de um certo gabinete na Capital Federal, inúmeras autoridades se encontravam presentes para deliberar sobre assunto da maior gravidade, com impactos nos três poderes da república e, até mesmo, repercussões de ordem internacional.

‌                  .Após bebidos os sucos de frutas vermelhas, de praxe, degustados os chás ingleses em porcelana de Sèvres, saboreadas as ‘galletas’ espanholas, alguém disse com voz rouca, sobressaindo-se ao burburinho do ambiente:

‌                  .— Bem, meus amigos, vamos dar início a esta nossa reunião!

‌                  .Todos se acomodaram nas espaçosas e macias poltronas de couro, recebendo a brisa fresca do ar condicionado central, cada um tendo diante de si, sobre a grossa e espelhada mesa de mogno, um bloco de notas, uma caneta Mont Blanc e uma taça de cristal contendo a famosa e saborosa água mineral Fillico, japonesa, cuja garrafa custava US$ 100,00.

‌                  .Aquele que comandava a reunião disse, afetando um tom sério e doutoral:

‌                  .— Excelências, considerando a gravidade do momento, de ordem de Sua Excelência Máxima, estamos aqui reunidos para discutir e deliberar sobre determinado assunto sigiloso do qual todos já tomaram conhecimento antecipadamente e que requer uma medida urgente e drástica por parte das mais altas autoridades deste país; isto é, de nós mesmos!

‌                  .— Assim, espero que cada um dos senhores, nesta oportunidade, dê a sua colaboração propondo alguma alternativa, no âmbito da sua atribuição constitucional, e que esteja realmente disposto a implantar a solução proposta em sua esfera de atividades e alçada decisória, de maneira firme e patriótica, doa a quem doer!

‌                  .— Quem quiser se pronunciar primeiro, oferecendo alguma solução, que levante a mão!

‌                  .Um dos presentes antecipou-se aos demais e levantou rapidamente a sua mão (podendo todos os participes à reunião observar que ele trazia no pulso um caríssimo relógio Rolex), sendo, então, convidado a falar. Iniciou dizendo estas palavras:

‌                  .— Excelências, data vênia, creio que assunto de tamanha gravidade requer medidas excepcionais, que não podem ser postergadas. Sou de opinião que, em se tratando de algo tão subjetivo e de consequências tão deletérias para o futuro da administração da coisa pública, notadamente no próximo ano de 2020, a única solução cabível é a de recorrermos a algum método não tradicional de gestão e de aferição de resultados e de responsabilidades; posto que, aquele método até então utilizado tem se mostrado inadequado aos condicionantes atuais da problemática pela qual passamos!

‌                  .— Assim, proponho que contratemos determinada firma de um amigo meu, especialista neste tipo de assunto, a qual, com muito mais propriedade do que nós, simples autoridades constituídas dos três poderes da república, poderá, usando de uma abordagem não tradicional, propor alguma solução viável e factível para o atual problema!

‌                  .Outro dos presentes levantou a mão e foi autorizado a se pronunciar.

‌                  .— Digníssimas excelências, sou levado a concordar com as sapientíssimas palavras de meu antecessor. O assunto é por demais sério. Não podemos olvidar que tanto o povo brasileiro quanto a comunidade internacional aguardam um pronunciamento oficial deste colendo grupo. Este ‘desideratum’ ou aspiração de uma solução, deverá, portanto, ser produto desta nossa reunião de hoje e seus reflexos se farão sentir no próximo ano, em 2020. Assim, quero deixar patente que concordo com o aspecto teórico da questão, levantada por aquele nobre colega que me antecedeu!

‌                  .— Entretanto, discordo de maneira factual com relação a proposta que fez de contratação da empresa de um amigo dele. Digo isto, por que também tenho um amigo que possui empresa similar, operando no mesmo ramo de diagnósticos prospectivos e de cenários alternativos. Em virtude disto, creio que estaríamos melhor assessorados caso contratássemos a empresa do meu amigo, ao invés de contratarmos a empresa do amigo dele!

‌                  .— Meu amigo é bastante sensível a questões financeiras e, com toda a certeza, sabedor de que o Orçamento da União ainda não foi aprovado, bem como a proposta da nova Previdência Social também não, com toda a certeza oferecerá um preço bem baixinho para as pesquisas de campo necessárias e para os trabalhos de modelagem sobre os possíveis cenários alternativos que se descortinam no horizonte político, econômico, militar e psicossocial da pátria!

‌                  .Aquele que falava foi interrompido por um terceiro que, levantando a mão, pediu a palavra. Autorizado pelo dirigente da reunião, ele se pronunciou da seguinte forma, para os demais membros presentes:

‌                  .— Excelências, concordo peremptoriamente com tudo aquilo que até aqui foi dito. No entanto, na qualidade de autoridade nacional, conhecedora de inúmeros segredos de Estado, faço saber aos meus ilustres pares que este assunto requer muito discernimento e muita análise retrospectiva e prospectiva; em suma, quero deixar bem claro que se trata de um caso inusitado a ser tratado com todo o rigor requerido em situações análogas, mas, também, com a cautela que merecem casos como este, cuja repercussão extrapola as nossas fronteiras. Em vista disso, proponho que contratemos uma empresa estrangeira, de amigo meu, altamente gabaritada para propor soluções em casos como este, no qual as idiossincrasias, particulares e individuais, mantém as partes interessadas irredutíveis. Este é justamente o caso com o qual nos defrontamos no presente momento!

‌                  .— Assim, data vênia, creio que uma empresa estrangeira, com experiência internacional em eventos semelhantes, se desincumbiria muito melhor do que qualquer outra nacional. Pensem, ademais, na cobertura que está sendo dada pela imprensa mundial. Uma empresa estrangeira, com trânsito na mídia mundial, poderia nos prestar serviços inestimáveis, neste particular!

‌                  .Um senhor sisudo, de barba bem talhada, colarinho engomado, gravata francesa e trajando um belo terno italiano, levantou a mão pedindo vez para falar. Em seu pulso percebia-se um caro relógio de ouro e no dedo anular um grande anel com uma safira reluzente. Após ser autorizado a se expressar, disse aos presentes:

‌                  .— Excelentíssimas autoridades presentes, reconheço que a nossa missão é excessivamente árdua e demanda muito sacrifício e total abnegação às coisas de Estado. Todavia, esta é a nossa função precípua como autoridades que somos. Como diria alguém do povo “Nós ganhamos muito é para isso mesmo”!

‌                  .— Assim, meus caríssimos compatriotas, sugiro que deixemos as coisas como estão. Em breve todos se esquecerão do assunto, tanto internamente quanto no exterior. Quanto mais remexermos neste lixo, mais o mau cheiro subirá aos céus, podendo chegar a contaminar até mesmo este ar puro de que desfrutamos na capital federal!

‌                  .— Desta forma, conforme já vi ocorrer em inúmeros casos semelhantes, a posição de avestruz, com a cabeça enterrada no buraco, é a mais aconselhável para ser adotada por nós, autoridades da república, neste momento crucial!

‌                  .— Se não acreditam no que digo, contratem a empresa de um amigo meu, especialista em casos como este, que, estou certo, irá dar o mesmo veredicto que acabei de proferir!

‌                  .Logo a seguir, outro dos presentes levantou sua mão e foi-lhe concedida a palavra. Porém, ao iniciar a sua fala, foi logo interrompido por vários garçons e copeiras que serviam aos presentes um pequeno desjejum, composto por Fritatta de lagosta, seguida de Cupcake ‘Golden Phoenix’.

‌                  .Findo o desjejum, que consumiu uns quinze a vinte minutos, a autoridade que falava pode continuar com o seu pronunciamento.

‌                  .— Nobres excelências, conforme minha modesta opinião de alguém que tem acompanhado este assunto desde longa data, sou de parecer que poderíamos adotar um meio termo, qual seja: fazer de conta que não sabemos de nada e que o assunto não tem a importância que lhe atribuem, mas, ao mesmo tempo e de forma sigilosa, contratarmos estudos que nos indiquem o melhor caminho a trilhar neste caso!

‌                  .— Evidentemente, não proporei a contratação da empresa de um amigo, como vários aqui já fizeram. Isto por que amigos, por serem apenas amigos, muitas vezes, abusam descaradamente de nossa confiança, solapando os objetivos que pretendíamos alcançar de forma tão custosa. Farei, pois, muito melhor, pois sugiro contratarem a empresa de meu irmão. Este irmão, o qual estimo muito, jamais irá me trair conforme poderia vir a fazer algum amigo. Por ser meu irmão, já prometeu que cobraria apenas os gastos que tivesse com os trabalhos. Não iria ter nenhum lucro, segundo me assegurou. Faria isto por mim, seu irmão querido, e pela pátria!

‌                  .Outro dos presentes, mais jovem e com ar vivaz e inteligente, levantou a mão sendo prontamente autorizado a falar. Iniciou dizendo:

‌                  .— Minhas mais humildes vênias por me dirigir a autoridades tão sapientes, magnânimas e poderosas. Todos sabemos que não temos a menor condição, sozinhos, de realizar tarefa de tamanha magnitude, mormente tendo contra nós a opinião popular e parte da mídia independente; isto é, aquela que não conseguimos cooptar com as verbas de que dispomos para a propaganda e a publicidade sobre as nossas entidades e suas áreas de atuação. Assim, sugiro que chamemos as forças armadas para nos assessorar nesta difícil empreitada. Digo isto, por que sei que eles fariam todo o trabalho sem nada cobrar e em um curto prazo de tempo. Por outro lado, como estão acostumados à vida dura e em um meio inóspito, nada exigirão em troca; isto é, não pedirão dinheiro, não farão questão de boas instalações, não exigirão apoio logístico, nem desejarão manchetes nos jornais destacando o seu trabalho!

‌                  .— Creio que seria a solução mais barata e mais eficiente. Ao final dos serviços, algumas poucas medalhas e um ou outro elogio coletivo em boletim seriam suficientes para eles. Pensem na economia que faríamos. Pensem nas nossas despesas quotidianas, que não são poucas. Poderíamos economizar muito e ver os trabalhos concluídos com eficiência e presteza. Afinal, isto é o que se espera de forças armadas patrióticas como as nossas. Vejam bem que eles sempre fazem questão de gritar, ao final de suas formaturas: O país, acima de tudo!

‌                  .Logo após, como mais ninguém quisesse fazer uso da palavra (ou se atrevesse), o dirigente da reunião colocou as propostas em votação, tendo vencido a última, do jovem vivaz e de aparência inteligente.

‌                  .Imediatamente foi redigido um documento convocando os militares a se engajarem naquela meritória e patriótica missão, tão importante para a segurança e o desenvolvimento nacionais, a iniciar-se no ano de 2020. O documento foi, em seguida, encaminhado para a autoridade militar competente com um carimbo de urgente e outro de secreto.

‌                  .Durante a saída das autoridades do prédio, o amigo que me narrou o presente fato (o qual presenciou ‘in loco’, pois era, justamente, o humilde rapaz da limpeza que circulava pela sala com uma vassoura, não notado por nenhum dos presentes) estando lá embaixo, no térreo, com a sua vassoura na mão, ainda ouviu duas autoridades conversando em voz baixa enquanto aguardavam os motoristas oficiais chegarem com seus veículos blindados. Uma delas dizia a outra:

‌                  .— E agora, como vou fazer para comunicar ao meu amigo empresário que os militares é que irão fazer o serviço? O contrato da assessoria dele estava até redigido e ele já havia me adiantado algum numerário por conta, para as despesas com o aniversário da Betty na Disneylândia. Temos que arranjar um novo projeto para ele no ano que vem. Pensa aí em alguma coisa cara e depois você me fala pessoalmente. Nada de conversas pelo telefone; lembre-se daquele caso do juiz e do procurador. Quanto a tua parte, pode ficar tranquilo…

Jober Rocha

75 anos, Rio de Janeiro/RJ


O poderoso Ali Ajababa

‌                  .Nada de Nostradamus, Herculano Quintanilha, nem de Cipriano, muito menos de Mefisto ou Mefistófeles, bruxos reais ou fictícios. As famosas previsões do futuro sempre foram um tema muito atraente, principalmente, quando chega o fim de ano. No individual, ou, no coletivo, as pessoas querem saber o que as esperam no próximo ciclo lunar e solar.  Porém, poucos têm o poder de adentrar às esferas do desconhecido e, de lá, extrair alguns segredos extraordinários, sem sofrer algumas consequências.  O Mestre Ali Ajababa, dos confins do Tibet, seria um deles, de passagem pelo Brasil, foi assediado por alguns repórteres.

‌                  .Na sede de um famoso jornal matutino, Mestre Ajababa foi questionado sobre as previsões para o Brasil dos anos 2020 e, sem cerimônias, ao redor de um grupo dos jornalistas, confidenciou-nos o que os astros mencionaram aos seus ouvidos transcendentais… Para cada pergunta, havia ele recorrido às diferentes ferramentas de adivinhação.

‌                  .— Mestre o que acontecerá com o Brasil em termos de Economia em 2020?

‌                  .Para essa pergunta ele recorreu aos búzios. Sacou de sua Urupema, conversou com as divindades e lançou os Odus.

‌                  .— “Os astros me revelam que vocês terão 7 anos de subserviência aos Estados Unidos da América, nos quais, a moeda brasileira passará a ser o dólar de paus, uma moeda cunhada no cepo da madeira pau-Brasil, que terá alto valor comercial, porém, raro de se encontrar… Serão os anos das vacas magras, se houver vacas. Os americanos controlarão o Mercado financeiro nacional em troca de continência”.

‌                  .— Ó Mestre! O que nos reserva a área de Segurança Pública?

‌                  .Dessa feita, o Oráculo retirou um saquinho cheio de ossos de animais silvestres de sua vestimenta, invocou umas preces antigas em idioma desconhecido, deixou-as cair sobre o chão da sala e assim os interpretou:

‌                  .— “Não teremos mais problemas nesta seara, uma vez que, cada cidadão será obrigado a ter a sua própria arma para se defender. Vejo muitos bandidos mortos e um país semi-civilizado renascendo das cinzas. As cidades terão xerifes e à moda do velho Oeste todos trarão revólveres nas cinturas”.

‌                  .— E na Educação Mestre? Como será o amanhã?

‌                  .Para essa empreitada o Mestre dos Magos optou pela cartomancia, também chamada de Tarô. As cartas ditaram o inédito.

‌                  .— “Vejo a troca de posição nesta área. Sai o Ministro W e entra o Ministro X.  A pasta será ocupada por um sujeito aparentemente mais educado, porém, aparentemente, mentirá muito mais que o atual. Assim sendo, cuidará das estimativas falsas, do desvio de recursos públicos para escolas militares, do isolamento da área científica e do cerceamento de ideias liberais, sem falar no corte de verbas para negros e pobres”.

‌                  .Ó Mestre! O Meio ambiente é uma séria preocupação. Como ficará esse setor no Brasil? Ainda teremos queimadas na Amazônia?

‌                  .Ajababa utilizou, para essa pergunta, a Captromancia. Um espelho colocado à sua frente captava imagens do passado, presente e futuro que só ele poderia desvendar.

‌                  .— “Os Astros me dizem que as queimadas serão combatidas por um batalhão de especialistas vindos diretamente de Hollywood: Bob Drake (Homem de Gelo); Ororo (Tempestade, dos X-men);  Namor I de Atlantis (Príncipe Submarino) e Arthur Curry (Aquaman). Juntos – com toda água de seus poderes – eles combaterão os piromaníacos Jack Dawson, que depois de morrer nas águas congeladas do Pacífico (Titanic) resolveu aparecer tocando fogo na Amazônia e, o Bozo Coringa – novo super-vilão – criado em terras brasileiras. No mais, Deus cuidará de tudo!”

‌                  .— A pergunta que não quer calar… e a política nesse país? O que dizem nossos vizinhos do além ó Mestre?

‌                  .Evidentemente, nossos vizinhos do além foram consultados pelo ocultista, através da nigromancia. Por essa comunicação Ajababa responde:

‌                  .— “Vejo muitos conflitos nesse contexto, pois a bancada da bala enfrentará a bancada da Bíblia numa guerra sem prognóstico de vencedores. Além disso, o número 13 está perigosamente perto do 17.  Isso significa que os 4 elementos – terra, fogo, água e ar – farão toda a diferença a favor de um ou de outro nas próximas disputas eleitorais. Os desencarnados me mostram tempos cinzas no amanhecer das horas”.

‌                  .— Para finalizar Mestre Ajababa, vamos falar de coisas boas. O nosso esporte, nosso futebol brasileiro, por exemplo, o que o Senhor pode dizer?

‌                  .O divino homem mandou vir um tacho com água límpida e lançou sobre ela vinte pedras preciosas para dar conta à essa previsão. Trata-se da Lecanomancia.

‌                  .“Vejo alguns problemas aí também.  O VAR vai sair de campo, posto que, mais atrapalha do que ajuda. Muitos corruptos cartolas vão entrar na cadeia. A guerra entre torcidas organizadas se tornará um banho de sangue constante e muitos fiéis alvinegros, verdes e tricolores desejarão a volta de Jesus…para Portugal, de onde, aliás, nunca deveria ter saído”.

‌                  .Sob a gargalhada dos presentes, pela última resposta, Mestre Ajababa se despede das terras brasileiras e embarca em voo direto para a Argentina. Ninguém ousou comentar as suas sandices em noticiários locais. Sandices!!!? Ele, antes de partir, sentenciou: – Quem viver verá!

‌                  .FIM!

José Ferreira do Nascimento

58 anos, Formoso do Araguaia/TO


Versos Bárbaros

Brinco com as palavras
Por que metrificar a vida em grade?
Ave transgressora, salve a irregularidade
De quem se nega a viver pela metade!

Se o pobre verso abraça
Doze ou mais sílabas
E rima falsa apresenta,
A verdade é o que contenta.

Avante!
Marchar sempre com coragem
Para romper com ideias feitas
Vida medíocre nunca me fez satisfeita.

Alma revoltada
Envolta, revolta
No mar do sentimento…
E do bento poético vento.

Não escrevo poema,
Mas poesia
Pária errante
Vagante.

Pelo ano vindouro, brado ao mundo
Ode ao bom ânimo
Como galo matutino
A acordar vizinho.

Se vier a faltar aos outros
Que não falte a mim
E seja inconformada, procurante
Da esperança bendita a cada instante!

Ana Paula de Oliveira Gomes

47 anos, Natal/RN


Nova nave

‌                  .A nave Plans-2020 descerá sobre a terra, de preferência em meu quintal, dizem que ao descer, esses objetos voadores acabam com a vegetação do local, e há muito tempo minha preguiça impede o corte da grama necessário para manter a boa aparência em uma residência.

‌                  .Até imagino os pequenos seres saindo da luminosa nave todos contentes e alvoroçados pela possibilidade de esticar as pernas após uma longa viagem, afinal uma nave não deve fazer percursos pequenos, acredito eu.

‌                  .De dentro dela o primeiro tripulante a sair afobado se denomina Mudança, mal pisando o pé no gramado do quintal já começa a redecorar o local plantando algumas novas flores aqui e acolá. Ao perceber a velha pintura de minha cerca, sem demora, inicia um planejamento de quantas latas de tinta e pincéis irá precisar para realizar o serviço, ou seria melhor construir uma cerca nova e mandar esse monte de madeira velha para o lixo? Ele também anota essa possibilidade. Passou a tarde toda anotando tudo o que deseja realizar no recém-chegado local, fadigado, a Mudança sentou para descansar um pouco.

‌                  .Abrindo a boca para um bocejo, nota-se um outro tripulante descendo a rampa da nave meio zonzo, era a Conformidade, tinha uma aparência meio lenta quando deu uma boa olhada ao seu redor, abriu um sorriso quando viu que o pouso da nave havia acabado com a grama alta que antes havia ali. Observou a Mudança sentada, descansando, hora melhor não haveria para começar suas manipulações.

‌                  .Conformidade ouviu os planos da Mudança, logo percebendo quanto trabalho teriam para arrumar o local. De imediato solicitou um mês para estudar cada um dos planos que a mudança tinha escrito rapidamente no papel, mudanças assim necessitavam de uma análise mais profundas.

‌                  .Passados alguns meses a Mudança entrou correndo no escritório da Conformidade, havia sido chamado, os estudos estavam terminados e ele poderia começar a agir. Seu ímpeto foi logo reduzido a frustração quando Conformidade lhe disse que sim, havia terminado os estudos, mas que pela análise feita, seria necessário mais alguns meses de treinamento e capacitação para ser possível a realização das tarefas. A Mudança saiu cabisbaixa, imaginando dias de aulas e explicações sem fim.

‌                  .Mais alguns meses se passaram.

‌                  .— Mudança, vá até o escritório, a Conformidade precisa falar com você. — Soou a voz no alto-falante da nave.

‌                  .— Gostaria de falar comigo? — Perguntou Mudança.

‌                  .— Sente-se meu amigo! — Respondeu Conformidade.

‌                  .— Tenho boas e más notícias Mudança. A boa é que você está preparado para realizar todas aquelas tarefas que elencou quando chegamos. A má é que o ano está acabando, não há tempo suficiente para o trabalho. — Disse Conformidade.

‌                  .— Puxa, mas eu queria tanto fazer alguma coisa aqui. — Lamentou Mudança.

‌                  .— Não seja tolo. Você fez! Descobriu tudo o que tinha de ser feito e se preparou incansavelmente para fazê-lo, o fato de não ter feito é somente uma parte burocrática, não pense nisso. E recolha suas coisas, precisamos sair, a próxima nave está chegando, Plans-2021 vem com toda velocidade.

Erick Stoelben

34 anos, Sinop/MT


Leia mais: “A melhor companhia para 2020”: conto ganhador do concurso cultural da Livro & Café

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