Lila Ripoll, uma poeta brasileira (quase) esquecida…

Eu nunca tinha ouvido falar de Lila Ripoll e penso em quantas mulheres ainda são esquecidas quando falamos de poesia brasileira… por isso, escrevo este post como um simples desejo de compartilhar na vastidão da internet um nome que precisamos falar e não esquecer.

Lila Ripoll nasceu no Rio Grande do Sul em 1905. Além de poeta com grande destaque na Geração de 30 do RS, estudou piano, lecionou canto e envolveu-se com a política quando, em 1934, seu irmão de criação foi morto por fazer parte de um grupo político de esquerda. A partir desse acontecimento tão duro em sua vida, ela entrou para a Frente Intelectual do Partido Comunista e também fez parte Sindicato dos Metalúrgicos, espaço em que ela atuou como diretora do departamento cultural.

Em 1964, com o Golpe Militar, Lila Ripoll chegou a ser presa, mas logo a soltaram pois a artista já estava muito doente e, 1967, faleceu. Ela foi enterrada pelos seus companheiros do Partida Comunista em Porto Alegre.

A obra de Lila Ripoll

Lila Ripoll publicou seu primeiro livro de poemas, “Mão Postas“, em 1938 e recebeu bons elogios da crítica. Três anos depois, com a publicação de seu segundo livro, chamado “Céu Vazio”, foi premiada pela Academia Brasileira de Letras. E então, as obras que vieram depois, continuaram a tecer a sua vida de um ângulo intimista, mas também conectadas com os acontecimentos sociais e políticos de sua época.

Integrante da segunda geração do Modernismo brasileiro, Lila Ripoll é (quase) esquecida, pois raramente é mencionada por críticos e acadêmicos da área. No artigo “Os 50 anos de silêncio da poesia de Lila Ripoll”, é possível compreender mais esse apagamento da autora, que, infelizmente, não é a única artista mulher nessa condição histórica.

Por fim, esse apagamento histórico, resulta na dificuldade em encontrar os livros da autora. Alguns encontrei na Estante Virtual e os links estão logo abaixo, junto das poesias da autora que mais me encantaram.

Vim ao mundo em agosto
Do livro “Mãos dadas”, publicado em 1938

Sou triste de nascença e sem remédio.
Vim ao mundo no triste mês de agosto
o mês fatal das chuvas e do tédio,
e nasci quando o sol estava posto.
Vim ao mundo chorando… (o meu presságio!)
Um vento mau marcava na vidraça
o plangente compasso de um adágio,
anunciando agoirento uma desgraça.

Sou triste. É irremediável este mal.
E eu não quero curar minha tristeza.
Só ela para mim tem sido leal,
Na minha via-sacra de incerteza.

Sou triste de nascença. É mal sem cura.
A vida não desfez meu nascimento.
Sou a menina triste e sem ventura,
que em agosto nasceu, com chuva e vento.

Retrato

Chego junto do espelho. Olho meu rosto.
Retrato de uma moça sem beleza.
Dois grandes olhos tristes como agosto,
olhando para tudo com tristeza!

Pequeno rosto oval. Lábios fechados
para não revelar o meu segredo…
Os cabelos mostrando, sem cuidados,
Uns fios brancos que chegaram cedo.

A longa testa aberta, pensativa.
No meio um traço, leve, vertical,
indicando uma idéia muito viva
e os sérios pensamentos: — o meu mal!…

O corpo bem magrinho e pequenino.
— Sete palmos de altura, com certeza. —
Tamanho de qualquer guri menino
que a idade, a gente fica na incerteza!

E nada mais. A alma? Ninguém vê.
O coração? Coitado! está bem doente.
Não ama. Não odeia. Já não crê…
E a tudo vive alheio, indiferente!…

Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho.
O espelho é meu amigo. Nunca mente.
No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho.

E sabe desde quando estou descrente!…

Poema que faz parte da coletânea “Ilha difícil”, publicado em 1987. Disponível na Estante Virtual

lila ripoll

Canção da chuva

Cai uma chuva tão fina
que quase nem molha a gente.
É uma música em surdina
que apenas a alma sente.

Junto meu rosto à vidraça
e olho a rua sem pensar.
Fico em estado de graça,
como quem vai comungar.

Senhora dos mundos vivos,
Nossa Senhora da Vida,
quantos dias negativos
na minha estrada perdida!

Senhora tu não devias
permitir tantos enganos.
Há excesso de alegrias,
e excesso de desenganos.

Por onde andaram meus passos
vi sinais de desalentos.
Vaguei por muitos espaços
e senti todos os ventos.

Ventos do sul, vento norte,
ventos do leste e do oeste,
tão diversos como a sorte
que tu, na vida, nos deste.

Senhora dos mundos vivos,
Nossa Senhora da Vida —
quantos dias negativos
na minha estrada perdida!

Do livro “Céu Vazio”, publicado em 1941

Grito

Não, não irei sem grito.
Minha voz nesse dia subirá.
E eu me erguerei também.
Solitária. Definida.

As portas adormecidas abrirão
passagem para o mundo

Meus sonhos, meus fantasmas,
meus exércitos derrotados,
sacudirão o silêncio de convenção
e as máscaras de piedade compungida.

Dispensarei as rosas, as violetas,
os absurdos véus sobre meu rosto.

Serei eu mesma. Estarei
inteira sobre a mesa.
As mãos vazias e crispadas,
os olhos acordados,
a boca vincada de amargor.

Não. Não irei sem grito.

Abram as portas adormecidas,
levantem as cortinas,
abaixem as vozes
e as máscaras —

que eu vou sair inteira.
Eu mesma. Solitária.
Definida.

Do livro “O coração descoberto”, de 1961. Disponível na Estante Virtual

lila ripoll
Foto da 1ª edição do livro “O coração descoberto”, de Lila Ripoll. Com dedicatória da autora.

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