Nesta sexta-feira, dia 26, será lançada a obra O Discurso da Estupidez, do psicanalista Mauro Mendes Dias, publicada pela editora Iluminuras. O livro surgiu como efeito do trabalho de pesquisa que o autor vem realizando, há alguns anos, sobre a voz na psicanálise, levado adiante no Instituto Vox de Pesquisa em Psicanalise, do qual é diretor. A pesquisa o levou a autores que falam sobre a estupidez, na qual ele reconheceu uma nova modalidade de fascismo que se vale de meios antipolíticos para atingir propósitos, tendo o ódio como principal agente de destruição. “O discurso da estupidez vai contra qualquer avanço político, tocando a parte mais animal do homem. Encontra-se diretamente ligado à possibilidade de viver o ódio, seja a pessoa de direita ou de esquerda, para mudar a realidade a partir da destruição do que é instituído. O sentimento de ódio é a paixão mais primitiva que nos constitui como humanos”, acompanhando Freud, afirma o autor.
Falar sobre ódio em tempos de ódio
O livro chega ao mercado em um momento propício. Sua abordagem está em consonância com o atual momento em que vivemos, quando os discursos se mostram inflamados e o ódio se manifesta de todas as formas. O mundo vive em quarentena sob a ameaça do coronavírus, o nosso país vive uma crise de ideias com posições antagônicas e, segundo o autor, “a privação é o maior provedor do ódio”.
Esta publicação, como extensão do trabalho sobre a voz, desenvolvido pelo psicanalista, avança sobre o que Mauro Mendes Dias nomeou como ‘vociferação’, em um sentido diferente do vocábulo em nossa língua, que designa gritaria, falar colericamente, aos brados. “Forjei esse conceito com o objetivo de mostrar como cada um de nós pode se tornar cativo de discursos, os quais introduzem como efeito a retirada de cena da voz própria”. O que ele nomeia como voz própria é o efeito de uma dupla operação: “introduzir uma significação diferenciada ao discurso que se recebe, tanto quanto a realização de ações que se comprometam com a verdade, em minha leitura com a presença da psicanálise”.
O psicanalista argumenta que a verdade não é algo por inteiro, tampouco é semelhante à crença. “A verdade é sempre particular e, ao mesmo tempo, se mostra no laço social, independentemente da classe”. O Discurso da Estupidez, diante disso, fala das vociferações como uma condição que retira a voz própria, que mostra como um sujeito pode consentir a esse apelo. Daí, a ligação que o livro aponta entre vociferação e “O Canto das Sereias”, quando, em Odisseia, de Homero, Ulisses tapa com cera os ouvidos de seus companheiros, mas não os seus próprios.
Novos pensamentos sobre a estupidez
O livro traz como novo, em relação ao que o psicanalista já havia elaborado sobre a voz, o fato de que as vociferações são efeitos do discurso da estupidez. Na publicação, o autor retoma a tradição de dois pensadores, o italiano Carlo M. Cipolla (1922-2000) e o austríaco Robert Musil (1880-1942), que escreveram sobre a estupidez, nomeando esse efeito de ‘discurso da estupidez’, onde as vociferações permitem que cada um viva o ódio em plena potência, de forma supostamente legítima. “Esses discursos revelam a vontade de conquistas sem mediação, sustentando as ações a partir de palavras de ordem e imperativos”, diz.
Mauro escreveu sobre o funcionamento da estupidez, valendo-se da contribuição do psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), na sua teoria dos discursos, os quais procura explicar. Também considera como decisivo ter retomado a contribuição do cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) e do romancista britânico Ian McEwan (1948), que trazem questões decisivas, cada um a seu modo, em suas obras.
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O autor ressalta que “a escrita do discurso da estupidez funciona para qualquer um – de direita, de esquerda, pobre, rico, ignorante, inteligente -, para cada um que retira, a seu modo, as satisfações que busca, sempre zurrando”. Ele argumenta que esse discurso tem como objetivo o fim do diálogo: “só importam posicionamentos que defendam alguma causa, de preferencia inflamada, ou se deixando levar pela submissão ao consumo e as leis do mercado”, deixando os sujeitos suscetíveis ao comando da moda. Nesse ponto, o livro aborda a submissão ao consumo, dando uma tonalidade mais subjetiva à análise marxista (de Karl Marx), na qual “o ciclo de produção torna o proletário cativo indefinidamente, diante do apelo consumista retroalimentando a sua própria servidão”.
Segundo o psicanalista, a ligação do livro com o século XXI torna sensível a predominância do mundo virtual com a ilusão patrocinada pelas indústrias de conexão tanto quanto do anonimato. “Antecedida pela ideia de mercado e consumo, a Internet não é sinônimo de relação, mas de conexão, onde o que importa, fundamentalmente, é o recobrimento de identidades, condição ideal para promoção da degradação e proliferação o ódio, a exemplo da disseminação das fake news”, comenta.
Ao final, O Discurso da Estupidez traz uma proposta de tratamentos possíveis, que não têm caráter programático, tampouco de solução definitiva. “São elaborações que teci a partir da minha experiência clínica, pessoal e com meus analisantes. Trata-se de elaborações que se mantêm em curso, indicadas no livro”, finaliza Mauro Mendes Dias.
Sobre o autor: Mauro Mendes Dias é psicanalista, diretor do Instituto Vox de Pesquisa em Psicanálise, SP, onde coordena a Oficina da voz, atividade aberta ao público e gratuita, e um grupo de pesquisa sobre mulheres, para membros e convidados. Realiza avaliação e orientação das condutas terapêuticas dos pacientes no Hospital São João de Deus, SP, tendo publicado alguns textos sobre essa experiência, em coletâneas e na Biblioteca do Instituto Vox. Divide com o psicanalista Luiz Eduardo de Vasconcelos, membro do Vox, a coordenação de uma atividade sobre psicanálise e política, voltada para o tema O que querem as identidades? Publicou por essa mesma editora, Por causa do pior, em parceria com Dominique Fingermann, e Os ódios, clínica e política do psicanalista. Tem publicado livros e artigos em psicanálise, assim como realizado seminários em diferentes instituições.