Escova de dentes, livro de Cris Oliveira, se destaca por brincar com a linguagem para falar de temas universais e cotidianos
Com uma escrita experimental, que traz influências da poesia concreta, da poesia narrativa e do haicai japonês, “Escova de dentes” (104 p.) é o livro de estreia da bibliotecária paulistana Cris Oliveira (Instagram: @cris_taiane), uma das finalistas da chamada de publicação em poesia da Editora Claraboia. Publicado pelo selo de publicação assistida da Claraboia, a Editora Paraquedas, o livro tem orelha assinada pela escritora Ana Rüsche, finalista do Prêmio Jabuti em 2019.
Nascida em 1974 em São Paulo, capital, Cris Oliveira é formada em Biblioteconomia e Documentação pela USP e trabalha com gestão de coleções digitais e metadados na sede da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, na Suíça, onde reside. Participou em antologias da I Jornada de Poesia Virtual e do VI Festival de Poesia de Lisboa, tem textos publicados na Ruído Manifesto, selo Off Flip e no blogue da Bibliotrónica Portuguesa da Universidade de Lisboa.
A possibilidade de tensionar como um movimento de coragem, de liberdade e de provocação
A obra se constitui como uma antologia poética, sem possuir um fio condutor específico. Entretanto, segundo a autora, os temas abordados refletem experiências universais, como a saudade, a ansiedade, o medo e a distração. “Escova de dentes” não foi um projeto pensado, mas surgiu como um desejo da bibliotecária de levar a sua escrita para além de postagens no Instagram, tendo sido desenvolvido ao longo de quatro anos.
“São poemas, longos e curtos, que falam da poesia, de linguagem, de saudade, de escova, de coisas banais e estranhas, como um banheiro químico, de café, do sol, da Califórnia, da Suíça, de São Paulo, fala da nossa falta de atenção ao belo, de amor, de elo, e sobretudo é um experimento brincadeira dança de idiomas e palavras, sons e pessoas, com muita curiosidade e humor”, define Cris.
Apesar das temáticas palpáveis, “Escova de Dentes” não traz uma poética previsível. Com inspiração em autores contemporâneos como Paulo Leminski, Adília Lopes, Alice Ruiz, Bruna Beber, Marília Garcia, Ana Frango Elétrico, a escrita da autora se destaca por sua proposta híbrida, que traz uma experimentação da linguagem, da língua, dos formatos e dos sentidos. Para ela, essa possibilidade de tensionar é um movimento de coragem, de liberdade e de provocação. “Entendi com o tempo (e terapia), que a poesia é um lugar que descobri e quis ficar porque nos permite ser espontâneos, relaxar e se entregar.”
Entre as rimas e métricas das canções, Cris se encontrou como poeta
Cris Oliveira conta que a escrita surgiu de uma necessidade de expressão, “talvez numa crise precoce de meia idade, de identidade”. A autora afirma que, apesar de gostar das aulas de redação na época da escola, passou a escrever majoritariamente textos técnicos na idade adulta. Apesar disso, seu contato com a literatura começou cedo, com fortes raízes no contato com o cancioneiro popular. O contato com a música, em especial com as rimas e com as métricas das canções, foi importante para sua formação como poeta.
O reencontro com a música, inclusive, é relevante ao seu processo como poeta, particularmente em um episódio em que abraça o cantor Caetano Veloso. “Ele me deu um abraço, eu chorei à beça e concordei que a vida é boa, e correspondi àquele abraço, e pensei, puxa, por que não viver na imensidão essa de deslumbres? Passei a produzir poemas diariamente”, revela.
A poeta afirma que escreve todos os dias nas horas vagas. Para ela, praticar caminhadas e ouvir música são essenciais ao seu processo de escrita. No entanto, ela não se vale de regras. “Tenho a impressão que o consciente é para reescrever, a criatividade e a loucura para criar precisam de outros recursos mentais ligados à espontaneidade e ao inconsciente”, explica.
Confira o poema “Quarenta e sete”, que integra “Escova de dentes” :
lamber
a ferida para formar
casca
saber
colher os louros, recolhendo
cacos
lamber
geleia de laranja com
casca
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