Uma seleção com as 34 melhores poesias de Machado de Assis, um dos nomes mais proeminentes da literatura brasileira e mundial, celebrado por sua imensa relevância e contribuição para a arte literária.
Nascido em 1839, no Rio de Janeiro, ele se destacou como escritor, poeta, cronista e também como um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Sua obra, que abrange diversos gêneros literários, é um reflexo agudo da sociedade brasileira do século XIX e início do século XX. O que torna Machado de Assis verdadeiramente notável é a habilidade com que ele explorou as complexidades da natureza humana, desafiando as normas literárias e sociais de sua época. Seus romances, contos e peças teatrais, como “Dom Casmurro” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, são exemplos brilhantes de sua escrita perspicaz e irônica, que exploram temas como a psicologia dos personagens, a decadência da aristocracia e a hipocrisia da sociedade.
Nas poesias de Machado de Assis, encontramos uma voz lírica que reflete sua visão cética e irônica do mundo, muitas vezes abordando questões existenciais, a efemeridade da vida e a natureza humana. Seu estilo poético é marcado por uma concisão e economia de palavras, com uma precisão que ecoa sua maestria na prosa.
“É um perigo para o poeta assinalar-se fortemente nos domínios da prosa. Entra ele nesse caso numa competência muito mais ingrata do que a dos seus confrades: a competência consigo próprio. (…) Machado de Assis poeta tornou-se vítima de Machado de Assis prosador”
Manuel Bandeira, em “O Poeta”
Machado de Assis transcende as fronteiras brasileiras, sendo reconhecida internacionalmente como um dos mestres da literatura mundial. Sua técnica literária inovadora e seu olhar crítico sobre a condição humana ecoam até os dias de hoje, influenciando uma ampla gama de escritores, acadêmicos e artistas.
Conversamos com amigos, escritores, leitores e professores sobre as melhores poesias de Machado de Assis e chegamos a esse número extenso, porém essencial para conhecer o autor.
Conheça abaixo as melhores poesias de Machado de Assis:
1. A saudade (1855)
[Ao meu primo o Sr. Henrique José Moreira]
Meiga saudade! — Amargos pensamentos
A mente assaltam de valor exausta,
Ao ver as roxas folhas delicadas
Que singelas te adornam.
Mimosa flor do campo, eu te saúdo;
Quanto és bela sem seres perfumada!
Que te inveja o jasmim, a rosa e o lírio
Com todo o seu perfume?
Repousa linda flor, num peito f ‘rido,
A quem crava sem dó a dor funesta,
O horrível punhal, que fere e rasga
Um débil coração.
Repousa, linda flor, vem, suaviza
A frágua que devora um peito ansioso,
Um peito que tem vida, mas que vive
Envolto na tristeza!…
Mas não… deixo-te aí causando inveja;
Não partilhes a dor que me consome,
Goza a ventura plácida e tranquila,
Mimosa flor do campo.
2. A uma senhora que me pediu versos (1901)
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.
Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.
Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.
Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Onde encontrar as melhores poesias de Machado de Assis:
3. Amanhã (1857)
Amanhã quando a lâmpada da vida
Na minha fronte se apagar, tremendo,
Ao sopro do tufão,
Oh! derrama uma lágrima sincera
Sobre o meu peito macilento e triste,
E reza uma oração!
Será uma saudade verdadeira,
Uma flor que me arome a sepultura,
Um raio sobre o gelo…
Ouvirei a canção das tuas dores,
E levarei saudades bem sombrias
Deste meu pesadelo.
Lembrarei além-túmulo essas noites
Misteriosas festivais e belas
Da estação dos amores!
Noites formosas, para amor criadas;
Que coroavam nosso amor tão puro
De ventura e de flores!
Lembrarei nosso amor… E o teu pranto
Ardente como a luz de um sol do estio
Irá banhar-me a campa
E as lágrimas leais que derramares,
O astro beijará — que pelas noites
No oceano se estampa!
Um olhar, um olhar desses teus olhos!
Eu o peço, mulher! sobre o meu túmulo
Um olhar de afeição!
Assim o sol — o ardente rei do espaço
Deixa um raio cair nas folhas secas
Que matizam o chão!
Um olhar, uma lágrima, uma prece,
É quanto basta em única lembrança.
Teresa, ao teu cantor.
Chora, reza, e contempla-me o sepulcro
E na outra vida de um viver mais puro
Terás o mesmo amor.
4. Cala-te, amor de mãe (1865)
Cala-te, amor de mãe! Quando o inimigo
Pisa da nossa terra o chão sagrado.
Amor de pátria, vivido, elevado,
Só tu na solidão serás comigo!
O dever é maior do que o perigo;
Pede-te a pátria, cidadão honrado;
Vai, meu filho, e nas lides do soldado
Minha lembrança viverá contigo!
É o sétimo, o último. Minh’alma repartida,
Vai toda aí, convosco repartida,
E eu dou-a de olhos secos, fria e calma.
Oh! não te assuste o horror da márcia lida;
Colhe no vasto campo a melhor palma;
Ou morte honrada ou gloriosa vida.
5. Esta noite (1858)
Os teus beijos ardentes,
Teus afagos mais veementes,
Guarda, guarda-os, anjo meu;
Esta noite entre mil flores,
Um sonho todo de amores
Nos dará de amor um céu!
6. Horas vivas (1864)
Noite; abrem-se as flores…
Que esplendores!
Cíntia sonha amores
Pelo céu.
Tênues as neblinas
Às campinas
Descem das colinas,
Como um véu.
Mãos em mãos travadas
Animadas,
Vão aquelas fadas
Pelo ar;
Soltos os cabelos,
Em novelos,
Puros, louros, belos,
A voar.
— “Homem, nos teus dias
Que agonias,
Sonhos, utopias,
Ambições;
Vivas e fagueiras,
As primeiras,
Como as derradeiras
Ilusões!
— Quantas, quantas vidas
Vão perdidas,
Pombas malferidas
Pelo mal!
Anos após anos,
Tão insanos,
Vêm os desenganos
Afinal.
— Dorme: se os pesares
Repousares.
Vês? — por estes ares
Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
E lascivas,
Somos — horas vivas
De dormir. —”
7. Minha musa (1856)
A Musa, que inspira meus tímidos cantos,
É doce e risonha, se amor lhe sorri;
É grave e saudosa, se brotam-lhe os prantos.
Saudades carpindo, que sinto por ti.
A Musa, que inspira-me os versos nascidos
De mágoas que sinto no peito a pungir,
Sufoca-me os tristes e longos gemidos,
Que as dores que oculto me fazem trair.
A Musa, que inspira-me os cantos de prece,
Que nascem-me d’alma, que envio ao Senhor.
Desperta-me a crença, que às vezes ‘dormece
Ao último arranco de esp’ranças de amor.
A Musa, que o ramo das glórias enlaça,
Da terra gigante — meu berço infantil,
De afetos um nome na ideia me traça,
Que o eco no peito repete: — Brasil!
A Musa, que inspira meus cantos é livre,
Detesta os preceitos da vil opressão,
O ardor, a coragem do herói lá do Tibre,
Na lira engrandece, dizendo: — Catão!
O aroma de esp’rança, que n’alma recende,
É ela que aspira, no cálix da flor;
É ela que o estro na fronte me acende,
A Musa que inspira meus versos de amor!
Onde encontrar as melhores poesias de Machado de Assis:
8. Naquele eterno azul, onde Coema (1877)
Naquele eterno azul, onde Coema,
Onde Lindóia, sem temor dos anos,
Erguem os olhos plácidos e ufanos,
Também os ergue a límpida Iracema.
Elas foram, nas águas do poema,
Cantadas pela voz de americanos,
Mostrar às gentes de outros oceanos
Joias do nosso rútilo diadema.
E, quando a magna voz inda afinavas
Foges-nos, como se a chamar sentiras
A voz da glória pura que esperavas.
O cantor do Uruguai e o dos Timbiras
Esperavam por ti, tu lhe faltavas
Para o concerto das eternas liras.
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9. No alto (1901)
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.
Então, volvendo o olhar ao sutil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.
Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,
Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro estendeu-lhe a mão.
10. Erro (1864)
Erro é teu. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Não foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença, vivo,
Morto, se estavas ausente,
E se ora me vês esquivo,
Se, como outrora, não vês
Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés,
É que, — como obra de um dia,
Passou-me essa fantasia.
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frívolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro… Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras…
11. Ontem eu era criança (1872)
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Que brincava nos delírios,
Ontem, hoje, amanhã
Entre murta, rosa e lírios,
No meio d’etéreos círios,
Nos brincos que a gente alcança;
Que sonho p’ra mim, que vida
Nas ânsias tão bem traída!
Que noites de tanta lida,
Nos gozos em que não cansa!
Hoje sou qual triste bardo
Cismando na virgem bela,
Nos meigos sorrisos dela;
Que, porém, já se desvela
Do futuro vir mui tardo!
— Pranteio na pobre lira,
Qual nauta que já suspira
Nas ânsias em que delira,
Nas chamas em qu’eu só ardo!
Amanhã serei no mundo
Perseguido em meu cansaço,
Sem já ter amigo braço
Que me ajude a dar um passo
Neste pego sem ter fundo;
Nem sequer a minh’amada
Se julgando mal fadada
Não virá mui namorada
Me mostrar um rir jucundo!
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12. Os dois horizontes (1863)
Dous horizonte fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dous horizontes fecham nossa vida.
13. O meu viver
Chama-se a vida a um martírio certo
Em que a alma vive se morrer não pode,
É crer que há vida p’ra o arbusto seco,
Que as folhas todas para o chão sacode.
Dizer que eu vivo… e minha mãe perdi,
Minha alma geme e o coração de amores,
É crer que um filho, sem a mãe… sozinho,
Também existe, com pungentes dores.
Dizer que vivo, se ausente existo
Da amante terna, tão formosa e pura,
E crer que triste desgraçado preso
Vive também lá na masmorra escura.
Quero despir-me desta vida má,
Quero ir viver com minha mãe nos céus,
Quero ir cantar os meus amores todos,
Quero depois em ti pensar, meu Deus!
14. O poeta a rir (1870)
Taça d’água parece o lago ameno;
Têm os bambus a forma de cabanas,
Que as árvores em flor, mais altas, cobrem
Com verdejantes tetos.
As pontiagudas rochas entre flores,
Dos pagodes o grave aspecto ostentam…
Faz-me rir ver-te assim, ó natureza,
Cópia servil dos homens.
15. O verme (1870)
Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.
Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.
Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,
Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão…
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.
16. Epitáfio do México
Dobra o joelho: — é um túmulo.
Embaixo amortalhado
Jaz o cadáver tépido
De um povo aniquilado;
A prece melancólica
Reza-lhe em torno à cruz.
Ante o universo atônito
Abriu-se a estranha liça,
Travou-se a luta férvida
Da força e da justiça;
Contra a justiça, ó século,
Venceu a espada e o obus.
Venceu a força indômita;
Mas a infeliz vencida
A mágoa, a dor, o ódio,
Na face envilecida
Cuspiu-lhe. E a eterna mácula
Seus louros murchará.
E quando a voz fatídica
Da santa liberdade
Vier em dias prósperos
Clamar à humanidade,
Então revivo o México
Da campa surgirá.
17. Pássaros (1870)
Je veux changer mes pensées en oiseaux.
C. MAROT
Olha como, cortando os leves ares,
Passam do vale ao monte as andorinhas;
Vão pousar na verdura dos palmares,
Que, à tarde, cobre transparente véu;
Voam também como essas avezinhas
Meus sombrios, meus tristes pensamentos;
Zombam da fúria dos contrários ventos,
Fogem da terra, acercam-se do céu.
Porque o céu é também aquela estância
Onde respira a doce criatura,
Filha do nosso amor, sonho da infância,
Pensamento dos dias juvenis.
Lá, como esquiva flor, formosa e pura,
Vives tu escondida entre a folhagem,
Ó rainha do ermo, ó fresca imagem
Dos meus sonhos de amor calmo e feliz!
Vão para aquela estância enamorados,
Os pensamentos de minh’alma ansiosa;
Vão contar-lhe os meus dias gozados
E estas noites de lágrimas e dor.
Na tua fronte pousarão, mimosa,
Como as aves no cimo da palmeira,
Dizendo aos ecos a canção primeira
De um livro escrito pela mão do amor.
Dirão também como conservo ainda
No fundo de minh’alma essa lembrança
De tua imagem vaporosa e linda,
Único alento que me prende aqui.
E dirão mais que estrelas de esperança
Enchem a escuridão das noites minhas.
Como sobem ao monte as andorinhas,
Meus pensamentos voam para ti.
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18. Perguntas sem resposta (1901)
Vênus Formosa, Vênus fulgurava
No azul do céu da tarde que morria,
Quando à janela os braços encostava
Pálida Maria.
Ao ver o noivo pela rua umbrosa,
Os longos olhos ávidos enfia,
E fica de repente cor-de-rosa
Pálida Maria.
Correndo vinha no cavalo baio,
Que ela de longe apenas distinguia,
Correndo vinha o noivo, como um raio…
Pálida Maria!
Três dias são, três dias são apenas,
Antes que chegue o suspirado dia,
Em que eles porão termo às longas penas…
Pálida Maria!
De confusa, naquele sobressalto,
Que a presença do amado lhe trazia,
Olhos acesos levantou ao alto
Pálida Maria.
E foi subindo, foi subindo acima
No azul do céu da tarde que morria,
A ver se achava uma sonora rima…
Pálida Maria!
Rima de amor, ou rima de ventura,
As mesmas são na escala da harmonia.
Pousa os olhos em Vênus que fulgura
Pálida Maria.
E o coração, que de prazer lhe bate,
Acha no astro a fraterna melodia
Que à natureza inteira dá rebate…
Pálida Maria!
Maria pensa: “Também tu, decerto,
Esperas ver, neste final do dia,
Um noivo amado que cavalga perto,
Pálida Maria?”
Isto dizendo, súbito escutava
Um estrépito, um grito e vozeria,
E logo a frente em ânsias inclinava
Pálida Maria.
Era o cavalo, rábido, arrastando
Pelas pedras o noivo que morria;
Maria o viu e desmaiou gritando…
Pálida Maria!
Sobem o corpo, vestem-lhe a mortalha,
E a mesma noiva, semimorta e fria,
Sobre ele as folhas do noivado espalha.
Pálida Maria!
Cruzam-se as mãos, na derradeira prece
Muda que o homem para cima envia,
Antes que desça à terra em que apodrece.
Pálida Maria!
Seis homens tomam do caixão fechado
E vão levá-lo à cova que se abria;
Terra e cal e um responso recitado…
Pálida Maria!
Quando, três sóis passados, rutilava
A mesma Vênus, no morrer do dia,
Tristes olhos ao alto levantava
Pálida Maria.
E murmurou: “Tens a expressão do goivo,
Tens a mesma roaz melancolia;
Certamente perdeste o amor e o noivo,
Pálida Maria?”
Vênus, porém, Vênus brilhante e bela,
Que nada ouvia, nada respondia,
Deixa rir ou chorar numa janela
Pálida Maria.
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19. Reflexo (1858)
Olha: vem sobre os olhos
Tua imagem contemplar,
Como as madonas do céu
Vão refletir-se no mar
Pelas noites de verão
Ao transparente luar!
Olha e crê que a mesma imagem
Com mais ardente expressão
Como as madonas no mar
Pelas noites de verão,
Vão refletir-se bem fundo,
Bem fundo — no coração!
20. Relíquia íntima (1885)
Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.
E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.
Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:
Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.
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21. Travessa (1859)
Ai; por Deus, por vida minha
Como és travessa e louquinha!
Gosto de ti — gosto tanto
Dessa tua travessura
Que não me dera o meu encanto,
Que não dera o meu gostar,
Nem por estrelas do céu.
Nem por pérolas ao mar!
Alma toda de quimeras
Que acordou no paraíso
Vinda do leito de Deus;
E que rivais de teus olhos
Só tens dois olhos — os teus!
Pareces mesmo criança
Que só vive e se alimenta
De luz, amor e esperança.
Ave sem medo à tormenta
Que salta e palpita e ri,
As travessas primaveras
Assentam tão bem em ti!
Assentam sim, como as asas
Assentam no beija-flor,
Como o delírio dos beijos
Em uma noite de amor;
Como no véu que se agita
De beleza adormecida
A brisa mole e sentida!
Foi por ver-te assim — travessa
Que eu pus a minha esperança
No imaginar de criança
Dessa formosa cabeça…
Foi por ver-te assim — Que os sonhos
Eu sei como os tens eu sei.
Puros, lindos e risonhos.
Um coração novo e calmo
Onde a lei do amor — é lei;
Foi por ver-te assim, que eu venho
Pôr em ti as fantasias
De meus peregrinos dias.
Como a esperança no céu:
Em ti só, que és tão louquinha,
Em ti só pôr a minha vida!
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22. Uma criatura (1901)
Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.
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23. Um nome (1859)
[No álbum da Exma. Sra. D. Luísa Amat]
Dormi ébrio no seio do infinito
Ao fogo da ilusão que me consome;
A lira tateei na treva… embalde!
Nem uma palma coroou meu nome!
Os meus cantos morrerão no deserto,
Quebrou-me as notas um noturno vento,
E o nome que eu quisera erguer tão alto
No abismo há de cair do esquecimento.
Sou bem moço, e talvez uma esperança
Pudesse ainda me despir do lodo;
E ao sol ardente de um porvir de glórias
Engrandecer, purificar-me todo.
Talvez, mas esta sede era tamanha!
E agora o desespero entrou-me n’alma;
A brisa de verão queimou-me passando
A jovem rama da nascente palma!
E esse nome, esse nome que eu quisera
Erguer como um troféu, tornou-se em cruz;
Não cabe aqui, senhora, em vosso livro.
Pobre como é de glórias e de luz.
Mas se não tem as palmas que esperava.
Filho da sombra, em jogo de ilusões.
Vossa bondade, a unção das almas puras,
Há de dar-lhe a palavra dos perdões!
24. Um sorriso (1855)
Em seus lábios um sorriso
É a luz do paraíso.
GARRET
Não sabes, virgem mimosa,
Quanto sinto dentro d’alma
Quando sorris tão formosa
Sorriso que traz-me a calma:
Brando sorriso d’amores
Que se desliza entre as flores
De teus lábios tão formosos;
Doce sorriso que afaga
Do peito a profunda chaga
De tormentos dolorosos.
Quando o diviso amoroso
Por sobre as rosas vivaces
Torno-me louco, ansioso,
Desejo beijar-te as faces;
Corro a ti… porém tu coras
Logo súbito descoras
Arrependida talvez…
Na meiga face t’imprimo
Doce beijo, doce mimo
Da paixão que tu bem vês
Eu gosto, meiga donzela,
De ver-te sorrindo assim
Semelhas divina estrela
Que brilhas só para mim:
És como uma linda rosa
Desabrochando mimosa
Ao respiro da manhã:
És como serena brisa
Que no vale se desliza,
Seu mais terno e doce afã.
O brando favônio ameno;
Da fonte o gemer sentido,
Da lua o brilho sereno
Sobre um lago refletido
Não tem mais doces encantos
Que, sobre os puníceos mantos
Dos lábios teus um sorriso.
Sorriso que amor me fala
Como d’alva o encanto, a gala
Quando serena a diviso.
Sorri, sorri, que teu sorriso brando
Minhas penas acalma;
É como a doce esp’rança realizada
Que as ânsias desvanece!
E se queres em troca dum sorriso
Uma prova de amor
Vem para perto de mim m’ escuta ao peito
Na face um beijo toma…
25. Vai-te (1858)
Por que voltaste? Esquecidos
Meus sonhos, e meus amores
Frios, pálidos morreram
Em meu peito. Aquelas flores
Da grinalda da ventura
Tão de lágrimas regada,
Nesta fronte apaixonada
Cingida por tua mão,
Secaram, mortas estão.
Pobre pálida grinalda!
Faltou-lhe um orvalho eterno
De teu belo coração.
Foi de curta duração
Teu amor: não compreendeste
Quanto amor esta alma tinha…
Vai, leviana andorinha,
A outro clima, outro céu:
Meu coração? Já morreu
Para ti e teus amores,
E não pode amar-te — vai!
O hino das minhas dores
Dir-to-á a brisa, à noite,
Num terno, saudoso — ai —
Vai-te — e possa a asa do vento
Que pelas selvas murmura,
Da grinalda da ventura
Que em mim outrora cingiste,
Inda um perfume levar-te,
Morta assim: como um remorso
Do teu olvido… eu amar-te?
Não, não posso; esquece, parte;
Eu não posso amar-te… vai!
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26. Versos
Pede estrelas ao céu, ao campo flores;
Flores e estrelas ao gentil regaço
Virão da terra ou cairão do espaço,
Por te cobrir de aromas e esplendores.
Versos… pede-os ao vate peregrino
Que ao céu tomando inspirações das suas,
A tua mocidade e as graças tuas
Souber nas notas modular de um hino.
Mas que flores, que versos ou que estrelas
Pedir-me vens? A musa que me inspira
Mal poderia celebrar na lira
Dotes tão puros e feições tão belas.
Pois que me abris, no entanto, a porta franca
Deste livro gentil, casto e risonho,
Uma só flor, uma só flor lhe ponho
E seja o nome angélico de Branca.
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27. 13 de maio (1888)
Brasileiros, pesai a longa vida
Da nossa pátria, e a curta vida nossa;
Se há dor que possa remorder, que possa
Odiar uma campanha, ora vencida,
Longe essa dor e os ódios seus extremos;
Vede que aquele doloroso orvalho
De sangue nesta guerra não vertemos…
União, brasileiros! E entoemos
O hino do trabalho.
28. Círculo vicioso (1904)
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
__ “Quem me dera que fosse aquella loura estrella,
Que arde no eterno azul, com uma eterna vela!”
Mas a estrella, fitando a lua, com ciúme:
__ “Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega columna á gothica janella,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bella!”
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
“Miseria! Tivesse eu aquella enorme, aquella
Claridade mortal, que toda luz resume!”
Mas o sol, enclinando a rutila capella:
__”Pesa-me esta brilhante aureola de nume.
Enfara-me esta azul e desmedida umbella…
Porque não nasci eu um simples vagalume?”
29. Mundo interior (1901)
Ouço que a Natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.
Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.
E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,
Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.
30. O desfecho (1901)
Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.
Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,
Uns cingidos de luz, outros ensanguentados…
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a água em cima os olhos espantados.
Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.
Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.
31. Espinosa (1901)
Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante idéia.
E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.
Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas
Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.
32. A Carolina (1906)
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
33. Livros e flores
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
34. Menina e moça
Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.
Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.
Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.
Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.
Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.
Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;
Quando sonha, repete, em santa companhia,
Os livros do colégio e o nome de um doutor.
Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;
E quando entra num baile, é já dama do tom;
Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;
Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.
Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
To love, mas sorrindo ao professor de inglês.
Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma etérea visão;
Quantas cruzando ao seio o delicado braço
Comprime as pulsações do inquieto coração!
Ah! se nesse momento alucinado, fores
Cair-lhes aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores,
Rir da tua aventura e contá-la à mamã.
É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender:
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!
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