As flores do mal (Charles Baudelaire): luxúria, alienação e beleza

Conheça a obra “As flores do mal”, de Charles Baudelaire e também leia 8 poesias selecionadas da obra que é considerada um grande clássico da literatura francesa e também da literatura gótica.

“As Flores do Mal”, obra-prima do poeta francês Charles Baudelaire, publicada em 1857, é uma coleção de poesias que revolucionou a literatura ao confrontar as convenções morais e estéticas de sua época. A obra é um mergulho profundo na psique humana, explorando temas como a decadência, a sensualidade, a melancolia e a alienação urbana.

Baudelaire desafia as noções tradicionais de beleza e moralidade, apresentando uma visão sombria e muitas vezes perturbadora da existência. Sua linguagem é rica em simbolismo e imagens vívidas, transportando o leitor para um mundo de intensidade emocional e introspecção.

As flores do mal
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Principais características

Uma das características mais marcantes de “As Flores do Mal” é a sua abordagem franca e desinibida da sexualidade e da luxúria. Baudelaire não teme explorar os desejos mais obscuros e as pulsões mais primordiais do ser humano, desafiando tabus e convenções sociais com sua prosa provocativa e sensual.

No entanto, a obra não é só uma celebração do prazer. Por trás da sua aparência atraente, há uma reflexão profunda sobre a natureza humana e sobre como a vida é passageira. Baudelaire expressa um profundo sentimento de desilusão e desespero diante da vida moderna, retratando a alienação e o vazio que permeiam a sociedade urbana.

As flores do mal
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“As Flores do Mal” também são marcadas por uma intensa melancolia e um senso de fatalismo. Baudelaire explora a beleza fugaz das experiências humanas, confrontando o leitor com a transitoriedade da vida e a inevitabilidade da morte.

Apesar de sua genialidade artística, “As Flores do Mal” também recebeu críticas e controvérsias na época de sua publicação, sendo considerada obscena e imoral por alguns. No entanto, sua influência duradoura na literatura e na cultura é inegável, inspirando gerações de escritores e artistas a desafiar as convenções e explorar os recessos mais sombrios da alma humana.

Contexto histórico

“As Flores do Mal” foi publicado em 1857, em um momento de intensas transformações sociais, culturais e políticas na França e na Europa como um todo. Para entender o contexto histórico da obra, é importante considerar alguns aspectos relevantes:

  1. A Revolução Industrial: O século XIX foi marcado pelo rápido avanço industrial, que trouxe mudanças significativas na vida das pessoas, especialmente nas áreas urbanas. A industrialização trouxe consigo novas formas de trabalho, urbanização acelerada e transformações na estrutura social.
  2. A Segunda República Francesa: “As Flores do Mal” foi publicado durante a Segunda República Francesa (1848-1852), um período de instabilidade política marcado por agitações sociais, lutas de classes e tensões entre diferentes facções políticas.
  3. O Romantismo e o Simbolismo: Baudelaire foi influenciado pelo movimento romântico, que valorizava a expressão individual, a emoção e a imaginação. No entanto, sua obra também antecipa o surgimento do simbolismo, movimento literário que emergiu nas décadas seguintes e valorizava a sugestão, o simbolismo e o subconsciente.
  4. A Censura e a Controvérsia: “As Flores do Mal” enfrentou forte resistência e censura por parte das autoridades francesas, que consideravam a obra imoral e obscena. Baudelaire foi processado e multado por ofensa à moral pública, e seis poemas da obra foram banidos. Essa controvérsia contribuiu para a notoriedade da obra e para sua posterior consagração como um clássico da literatura.
  5. A Modernidade: Baudelaire é frequentemente associado à ideia de modernidade, pois sua obra reflete as experiências e angústias dos indivíduos que viviam nas grandes cidades em rápida transformação. “As Flores do Mal” captura a atmosfera sombria e frenética da vida urbana, explorando temas como a alienação, a solidão e a busca por significado em um mundo em constante mutação.

As seções que compõem “As flores do mal”

“As Flores do Mal” é dividido em seis seções principais, cada uma delas abordando temas e experiências diferentes:

  1. Spleen e Ideal: Esta seção introduz os temas centrais da obra, explorando a dicotomia entre o idealismo e a desilusão, a melancolia e a busca pela beleza. Aqui, Baudelaire apresenta uma visão sombria da existência humana, marcada pela alienação e pelo vazio.
  2. Parisiana: Esta seção celebra a cidade de Paris como um espaço de beleza, decadência e sedução. Baudelaire retrata a vida urbana em toda a sua glória e sordidez, capturando a atmosfera única da capital francesa no século XIX.
  3. O Vinho: Como o próprio nome sugere, esta seção é dedicada à exaltação do prazer sensorial e da embriaguez. Baudelaire mergulha no mundo do álcool e da luxúria, explorando os efeitos do vinho na mente e no corpo humano.
  4. Flores do Mal: Esta é a seção mais controversa da obra, onde Baudelaire aborda temas como a sexualidade, a perversão e a depravação. Aqui, o poeta desafia as convenções sociais e morais de sua época, explorando os desejos mais obscuros e as pulsões mais primordiais do ser humano.
  5. Rebeldia: Nesta seção, Baudelaire expressa sua rebeldia contra as normas e instituições estabelecidas, questionando a autoridade e a moralidade convencional. Aqui, o poeta se posiciona como um outsider, desafiando as estruturas de poder e o status quo.
  6. A Morte: A última seção da obra confronta o leitor com a inevitabilidade da morte e a transitoriedade da vida. Baudelaire reflete sobre o sentido da existência humana diante da finitude e da decadência, encerrando a obra com uma nota de melancolia e resignação.

Essa estrutura em seis seções permite a Baudelaire explorar uma ampla gama de temas e experiências humanas, criando uma obra rica em nuances e complexidade. Cada seção oferece uma perspectiva diferente sobre a condição humana, contribuindo para a profundidade e a riqueza artística de “As Flores do Mal”.

Conheça algumas poesias presentes no livro “As flores do mal”:

Remorso póstumo

Tradução de Margarida Patriota, presente na edição da Editora 7Letras

Quando dormires, minha bela tenebrosa,
No fundo de tumba feita em mármore negro,
E não tiveres por alcova e por mansão
Mais que uma cova pluviosa e uma fossa oca;

Quando a pedra, oprimindo o teu peito medroso
E teus flancos que abranda um charmoso descaso,
Impedir teu coração de arfar e querer,
E teus pés de correr seu curso aventuroso,

O túmulo, guardião do meu sonho infinito
(Pois o túmulo sempre entenderá o poeta),
Nessas longas noites de que o sono é banido,

Dir-te-á: “Que te valeu, cortesã imperfeita,
Não teres conhecido o que choram os mortos?”
— E o verme roerá tua pele como um remorso.

Os mochos

Tradução de Margarida Patriota, presente na edição da Editora 7Letras

Nos teixos negros que os abrigam
Os mochos se perfilam em linha,
Tal como deuses estrangeiros
Faiscando olhos rubros. Meditam.

Sem se mexer se manterão
Até a hora melancólica,
Em que, empurrando o sol oblíquo,
As trevas hão de se implantar.

Sua atitude ensina ao sábio
Que neste mundo há que temer
A agitação e o movimento;

Atrás de uma sombra que passa
O homem é sempre castigado
Por querer mudar de lugar.

Spleen

Tradução de Margarida Patriota, presente na edição da Editora 7Letras

Tenho mais lembranças que se tivesse mil anos.

Uma grande cômoda cheia de balanços,
De versos, cartas de amor, processos, romances,
Com grossos cachos de cabelo entre quitanças,
Guarda menos segredos que meu triste crânio.
É uma pirâmide, um imenso sepulcro,
Que contém mais mortos do que a fossa comum.
— Eu sou um cemitério odiado da lua,
Onde como remorsos se arrastam os vermes
Que perseguem sempre os meus mortos mais queridos.
Sou um toucador cheio de rosas fanadas,
Onde jaz miscelânea de modas passadas,
Onde os pastéis plangentes e os Boucher aguados,
Sós, respiram o odor de um frasco destampado.

Nada iguala em tamanho os claudicantes dias,
Quando, sob os densos flocos das invernias
O tédio, fruto da triste incuriosidade,
Assume as proporções da imortalidade.
— Doravante tu não és mais, ó matéria viva!
Que um granito cercado de um vago pavor,
A dormir nos confins de um Saara brumoso;
Velha esfinge ignorada do mundo leviano,
Esquecida no mapa, e cujo humor cabreiro
Canta apenas aos raios do sol que se deita.

A destruição

Tradução de Margarida Patriota, presente na edição da Editora 7Letras

Sem cessar a meu lado se agita o Demônio;
Nada à minha volta como um ar impalpável;
Eu o engulo e sinto que me queima o pulmão
E o preenche de um desejo eterno e culpável.

Toma às vezes, conhecendo meu amor da Arte,
A forma da mais sedutora das mulheres,
E, sob especiosos pretextos de rufião,
Acostuma meus lábios a filtros infames.

Ele me leva assim, longe do olhar de Deus,
Ofegante e morto de cansaço, até o meio
Dos campos do Tédio, profundos e desertos,

E lança em meus olhos cheios de confusão
Vestimentas imundas, feridas abertas,
E a aparelhagem sangrenta da Destruição!

As queixas de um Ícaro

Tradução de Margarida Patriota, presente na edição da Editora 7Letras

Os amantes das prostitutas
São felizes, dispostos, fartos;
Quanto a mim, fraturei os braços
Por haver abraçado nuvens.

É graças a astros sem igual,
Que nos confins do céu flamejam,
Que meus olhos depauperados
Só veem recordações de sóis.

Inutilmente eu quis do espaço
Localizar o fim e o meio;
Sob não sei que olho de fogo
Sinto minha asa que se parte;

E a queimar por amor ao belo,
Não terei a honra sublime
De dar o meu nome ao abismo
Que me servirá de jazigo.

A serpente que dança

tradução de Ivan Junqueira, edição da Editora Nova Fronteira

A serpente que dança
Em teu corpo, lânguida amante,
Me apraz contemplar,
Como um tecido vacilante,
A pele a faiscar.
Em tua fluida cabeleira
De ácidos perfumes,
Onda olorosa e aventureira
De azulados gumes,
Como um navio que amanhece
10 Mal desponta o vento,
Minha alma em sonho se oferece
Rumo ao firmamento.

Teus olhos, que jamais traduzem
Rancor ou doçura,
São joias frias onde luzem
O ouro e a gema impura.
Ao ver-te a cadência indolente,
Bela de exaustão,
Dir-se-á que dança uma serpente
20 No alto de um bastão
Ébria de preguiça infinita,
A fronte de infanta
Se inclina vagarosa e imita
A de uma elefanta.
E teu corpo pende e se aguça
Como escuna esguia,
Que às praias toca e se debruça
Sobre a espuma fria.
Qual uma inflada vaga oriunda
Dos gelos frementes,
Quando a água em tua boca inunda
A arcada dos dentes,
Bebo de um vinho que me infunde
Amargura e calma,
Um líquido céu que difunde
Astros em minha alma!

O convite à viagem

tradução de Ivan Junqueira, edição da Editora Nova Fronteira

Minha doce irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis orvalhados
Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
Misterioso e cruel
Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Os móveis polidos,
Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
As mais raras flores
Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,
Tetos inauditos,
Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
Tudo aí à alma
Falaria em calma
Seu doce idioma natal.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Vê sobre os canais
30 Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
É para atender
Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
— Os sanguíneos poentes
Banham as vertentes,
Os canais, toda a cidade,
E em seu ouro os tece;
O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor

Ao leitor

tradução de Ivan Junqueira, edição da Editora Nova Fronteira

A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso espírito e o corpo viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.
Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.
Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade então se evola
Por obra deste sábio que age sem ser visto
É o Diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo o que repugna uma joia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.
Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.
Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vícios imortais,
Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;
É o Tédio! — O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu conheces, leitor, o monstro delicado
— Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.

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Title :
As flores do mal
Series :
Author :
Charles Baudelaire
Genre :
Poesia. Clássicos franceses
Publisher :
Martin Claret
Release Date :
2024
Format :
Capa comum
Pages :
273
Source :
Amazon
Rating :

As Flores do Mal é atravessado por uma melancolia profunda e um senso inevitável de fatalismo que mexem com a alma. Baudelaire nos faz sentir a beleza passageira das experiências humanas, confrontando-nos com a brevidade da vida e a certeza da morte, de um jeito que parece tocar nossos medos e anseios mais profundos.

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