5 poesias de Narcisa Amália: amor, natureza e justiça social

Narcisa Amália foi poeta, jornalista e ativista brasileira do século XIX, nascida em 3 de abril de 1852, em São João da Barra, Rio de Janeiro. Faleceu em 24 de julho de 1924. Se destacou em uma época em que a presença feminina na literatura e no jornalismo era rara e enfrentava considerável resistência. Amália tornou-se uma das primeiras mulheres a ganhar reconhecimento no cenário literário brasileiro, contribuindo significativamente para a causa abolicionista e para a luta pelos direitos das mulheres.

Como jornalista, Narcisa Amália escreveu para diversos periódicos, utilizando sua voz para abordar questões sociais e políticas importantes. Seu trabalho era marcado por um forte compromisso com a justiça social e a igualdade. Ela foi uma defensora fervorosa da abolição da escravatura e escreveu inúmeros artigos e poemas condenando a prática desumana da escravidão no Brasil. Além disso, Amália era uma defensora dos direitos das mulheres, escrevendo sobre a importância da educação feminina e a necessidade de reformas que garantissem mais autonomia e participação das mulheres na sociedade.

Eu diria à mulher inteligente […] molha a pena no sangue do teu coração e insufla nas tuas criações a alma enamorada que te anima. Assim deixarás como vestígio ressonância em todos os sentidos.

Narcisa Amália
Narcisa Amália
A escritora Narcisa Amália

O livro Nebulosas

Narcisa Amália se destacou na poesia, sendo autora de poemas que refletem tanto sua sensibilidade artística quanto seu engajamento social. Seu único livro “Nebulosas” é uma coleção de poesias que exploram temas como amor, natureza e justiça social. Sua escrita é caracterizada por uma profunda empatia e uma visão crítica da sociedade de seu tempo.

Nebulosas - Narcisa Amália

1. Resignação

No silêncio das noites perfumosas,
Quando a vaga chorando beija a praia,
Aos trêmulos rutilos das estrelas,
Inclino a triste fronte que desmaia.

E vejo o perpassar das sombras castas
Dos delírios da leda mocidade;
Comprimo o coração despedaçado
Pela garra cruenta da saudade.

Como é doce a lembrança desse tempo
Em que o chão da existência era de flores,
Quando entoava o múrmur das esferas
A copla tentadora dos amores!

Eu voava feliz nos ínvios serros
Empós das borboletas matizadas…
Era tão pura a abóbada do elísio
Pendida sobre as veigas rociadas!…

Hoje escalda-me os lábios riso insano,
É febre o brilho ardente de meus olhos:
Minha voz só retumba em ai plangente,
Só juncam minha senda agros abrolhos.

Mas que importa esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
Se nas asas gentis da poesia
Eleva-me a outros mundos mais formosos?!…

Do céu azul, da flor, da névoa errante,
De fantásticos seres, de perfumes,
Criou-me regiões cheias de encanto,
Que a luz doura de suaves lumes!

No silêncio das noites perfumosas
Quando a vaga chorando beija a praia,
Ela ensina-me a orar, tímida e crente,
Aquece-me a esperança que desmaia.

Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
De longe vejo as turbas que deliram,
E perdem-se em desvios tortuosos!…

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2. O lago

I
Calmo, fundo, translúcido, amplo o lago
longe, trêmulo, trêmulo morria,
No seu límpido espelho a ramaria,
curva, de um bosque punha sombra e afago

Terra e céu, ondulando, eram na fria

tela fundidos! O queixume vago
que a água modula, de ambos parecia
solto, ululante, intérmino, pressago!

“Trecho vulgar de sítio abstruso e agreste”

talvez; mas todo o encanto que o reveste
sentisse; contemplasses-lhe a beleza;
comigo ouvisse-lhe a mudez, que fala,
e sorverias no frescor que o embala

todo o alento vital da Natureza!

3. Por que sou forte – Narcisa Amália

a Ezequiel Freire

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito…
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…

E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!…
– E eis-me de novo forte para a luta.

4. Ouvindo um pássaro – Narcisa Amália

         I

         Longe, n´um valle de arvoredo umbroso,
gorgeia um pintassilgo enamorado;
ouço-lhe o trino meigo e lamentoso,
o accento apaixonado…

E scismo, em volta na volupia doce,
como se outr´ave enamorada eu fosse.

         II

         Ao madrigal do passaro responde,
dentro em meu peito, um límpido gorgeio…
— E´minh´alma que trila, sobre a fronde
da crença, amante o seio!…
— Aves se affectos, scismas e luares,
compreendem-se e casam-se nos ares!…

         III

         O coração de onde deserta o sonho
é desolado como um Campo-Santo;
cinge-o nos élos frios um medonho
réptil, — o Desencanto,
Quando ele guáia e em prantos se abebéra,
fogem, voando, o Amor e a Primavera.

         IV

         Ai! da creança, que lhe brinca á porta!…
Ai! do sedento, que o demande!… Móra
na cryspa esconsa, da Esperança mórta
a sombra , que apavora…
— Negreje a noute, resplandeça o dia,
mésta, uma estrige, nos salgueiros pía!

         V

         Por isso guardo o sonho meu captivo,
há longos annos, neste cófre d´alma,
—Canto, emudeço, e, incompreendida, vivo
triste, silente, calma,
a esse gorgeio magico, distante,
— o ouvido atento, — a alma saudosa e amante.

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5. O africano e o poeta

Ao Dr. Celso de Magalhães

Les esclaves… Est-ce qu’ils ont des dieux?
Est-ce qu’ils ont des fils, eux qui n’ont point d’aieux?
Lamartine

No canto tristonho
Do pobre cativo
Que elevo furtivo,
Da lua ao clarão;
Na lágrima ardente
Que escalda-me o rosto,
De imenso desgosto
Silente expressão;

Quem pensa? – O poeta
Que os carmes sentidos
Concerta aos gemidos
De seu coração.

– Deixei bem criança
Meu pátrio valado,
Meu ninho embalado
Da Líbia no ardor;
Mas esta saudade
Que em túmido anseio
Lacera-me o seio
Sulcado de dor,
Quem sente? – O poeta
Que o elísio descerra;
Que vive na terra
De místico amor!

– Roubaram-me feros
A férvidos braços;
Em rígidos laços
Sulquei vasto mar;
Mas este queixume
Do triste mendigo,
Sem pai, sem abrigo,
Quem quer escutar?…

– Quem quer? O poeta
Que os térreos mistérios
Aos paços sidéreos
Deseja elevar.

– Mais tarde entre as brenhas
Reguei mil searas
Co’as bagas amaras
Do pranto revel;
Das matas caíram
Cem troncos, mil galhos;
Mas esses trabalhos
Do braço novel,

Quem vê? – O poeta
Que expira em arpejos
Aos lúgubres beijos
Da fome cruel!

– Depois, o castigo
Cruento, maldito,
Caiu no proscrito
Que o simun crestou;
Coberto de chagas,
Sem lar, sem amigos,
Só tendo inimigos…
Quem há como eu sou?!…

– Quem há?… O poeta
Que a chama divina
Que o orbe ilumina
Na fronte encerrou!…

– Meu Deus! ao precito
Sem crenças na vida,
Sem pátria querida,
Só resta tombar!
Mas… quem uma prece
Na campa do escravo
Que outrora foi bravo
Triste há de rezar?!…

– Quem há-de?… O poeta
Que a lousa obscura,
Com lágrima pura
Vai sempre orvalhar?!

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