A obra “eclipse”, do escritor piauiense Hermes Coêlho, reúne poemas que abordam a força do que não parece visível, mas se faz presente ainda assim, para abordar o trauma da descoberta de que foi contaminado pelo vírus HIV e seus desdobramentos.
A obra “eclipse” (81 págs.), terceiro livro do jornalista e escritor piauiense Hermes Coêlho (@hermescoelho), reúne poemas que abordam a força do que não parece visível, mas se faz presente ainda assim, para abordar o trauma da descoberta de que foi contaminado pelo vírus HIV e seus desdobramentos. A obra, publicada pela Editora Patuá, conta com a orelha assinada pelo poeta mato-grossense Nicolas Behr, prefácio do escritor cearense Pedro Jucá e posfácio do também autor, este piauiense, Adriano Lobão Aragão. O autor lança o livro na Festa Literária Internacional (Flip) 2024, no dia 10 de outubro na Casa Gueto, fazendo uma sessão de autógrafos às 14h e integrando a mesa “Entre Letras e Identidades: Diálogos sobre Literatura LGBTQIA+”, às 18h.
“Nesse livro em que significante e significado são lavrados com mão precisa e delicada – ‘amolar a palavra/até virar amuleto’ –, a letra H é som e silêncio; é agouro e alvíssara; é delícia e danação; é erótica e religião, num jogo de contrários que só o fino apogeu do Barroco chegou a conhecer.” – Pedro Jucá, escritor cearense, autor de “Amanhã Tardará”
Ora pessoal, ora quase filosófico, “eclipse” encerra o que o autor nomeia de “Trilogia do trauma”. “Nu” e “Violado”, suas publicações anteriores, compõem, junto do lançamento do momento, uma série de livros de poemas em que o autor expõe angústias que relacionam pertencimento e experiências humanas. Na obra da vez, o poeta destrincha a experiência da descoberta do vírus em seu corpo escancarando os silenciamentos impostos a quem recebe o rótulo de pessoa vivendo com o HIV e lida com o estigma social que isso significa ainda hoje. Segundo ele, a premissa do livro é trabalhar “o trauma de viver na companhia de um inimigo íntimo, um vírus que, tratado, não oferece risco a ninguém, mas que invisibiliza socialmente, segrega, exclui”.
Dividido em quatro partes (a letra h, eclipse, invisíveis e divindades), a coletânea de poemas explora a linguagem para falar de questões humanas. O efeito fonético da letra H, que muitas vezes parece uma letra invisível, ganha protagonismo ao trazer à tona temas relacionados com a homossexualidade, o próprio vírus e até mesmo, como bem lembra Pedro Jucá, no prefácio, a letra inicial do nome do autor.
Hermes considera que a escrita de “eclipse” representa para ele uma libertação: “Me tirou de meu segundo armário (saí do primeiro ao assumir minha homossexualidade)”. Para ele, a poesia não é terapia, mas foi o fazer poético que fez com que ele acreditasse que é resiliente. “Passei a me reconstruir do trauma da descoberta construindo versos inspirados pela força do que não enxergamos e, mesmo, pela força daquilo que tornamos invisível também”, reflete.
O teor confessional de seus versos chamou atenção de Nicolas Behr no feitio do texto de orelha do livro. Segundo o poeta, a poesia do Hermes Coêlho o atrai porque acontece na primeira pessoa. Corajosa, assumida, com a linguagem fazendo seu papel de transformar sentimento em arte. “Me fascinam essas escavações internas, esse sítio arqueológico de si mesmo”, comenta.
Hermes Coêlho, “eclipse” e a poesia como ferramenta para lidar com a complexidade da vida
Hermes Coêlho nasceu em Teresina/PI e atualmente vive em Brasília/DF. Jornalista formado pela Universidade Estadual do Piauí, atuou nas afiliadas das TVs Globo, Record e Brasil, em Teresina. Desde 2010, é repórter e editor da TV Senado, em Brasília. Atualmente, é chefe de reportagem da emissora e apresentador do programa Cidadania. Em 2000, venceu o Concurso Novos Autores,com o livro “Nu”, publicado em 2002 pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Em 2023, lançou, pela Patuá, “Violado”. “eclipse” conclui o que o autor define como sua Trilogia do Trauma.
“Não fui eu quem escolhi a poesia. Foi a poesia que me escolheu”, afirma, após comentar sobre a importância da escrita poética em sua vida. “Ela jorra forte como sangue a cada vez que tenho que lidar com as complexidades da vida”. Servo orgulhoso do gênero, o poeta tem como prática editar e burilar temas na construção de um livro: “E assim o faço desde que comecei a dançar com as palavras, há 30 anos”.
Temas íntimos sempre presentes
Assim como “eclipse”, seus livros anteriores também possuem um eu-lírico que expõe temas íntimos para falar com o todo. “Nu”, por exemplo, aborda o trauma de ser poeta em um mundo cada vez menos lírico, já “Violado”, o trauma do abuso infantil e sua superação. Mas com tantos anos de carreira como escritor, muita coisa também muda. Hermes considera, por exemplo, que “Nu” é uma obra juvenil, de quem finge mostrar para esconder, já “Violado” e “eclipse” são entranhas expostas. “Ambos são bem definidos por um dos versos de “eclipse”: fiz da dor minha poesia”.
Confira um poema do livro (página 38):
acostumei-me tanto
a deixar-me invadir
por lutadores leais
que nem percebi
o cavalo de Troia
hackeando sistemas
vencendo firewalls
eclipse do sol
armário reinstalado
nome proibido
assunto censurado
nas notícias de jornal
nas mesas da repartição
no bar da esquina
no almoço de margarina
dos pais das mães das tias
não é o vírus que mata
é o silêncio de ouro
feito bala de prata
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