A primeira publicação do conto Objetos Sólidos aconteceu em 22 de outubro de 1920, na revista The Athenaeum. Em seguida, outras reimpressões ocorreram, até o conto fazer parte das principais coletâneas da autora.

    Na história, vamos conhecer dois homens que caminham pela praia e encontram um objeto na areia. Um pedaço de vidro esverdeado, que na tradução de Leonardo Fróes ganhou a característica de “verde desmaiado” mas, no original é apenas “a green tint appeared.” Um dos amigos, John, fica encantado com o pedaço de vidro, que usa, então, para decorar a sua lareira.

    Nada parece assim tão simples

    Para pensar nos contos de Virginia Woolf é preciso entender que nada parece assim tão simples, pois há todo um clima especial para o momento em que as personagens encontram o vidro. Há, antes desse fato – que é muito importante para a história, um clima de insatisfação. Eles, como pessoas políticas, que trabalham no parlamento, estão caminhando na praia e repetem por duas vezes “dane-se a política”. Mais para frente, quando o leitor perceber o grande problema que o simples pedaço de vidro causou na vida de John, entenderá que dizer “dane-se a política”, no conto, pode ser um sinal que para ele, a vida estava no limite, onde não é mais possível seguir as regras, os padrões, a rotina.

    “…qualquer objeto se mescla tão profundamente à substância do pensar que perde sua forma verdadeira e se recompõe com alguma diferença numa feição ideal e obseda o cérebro, quando menos se espera.” (p. 138)

    O trabalho

    Com sutileza, o objeto sólido encontrado por John, pode ser um jeito que ele mesmo descobriu, sem querer, de canalizar sua vida, pois, no decorrer da história, o leitor irá perceber que a vida dele mudou muito após se tornar um colecionador de objetos encontrados na rua. Se antes do objeto, a sua vida era o trabalho no parlamento, após o brilho verde na praia, tudo mudou, pois um novo sentido à própria vida – sem sentido, apareceu na sua frente, na solidez do próprio objeto.

    “Se não ardesse de ambição, se não tivesse convencido de ser recompensado algum dia por um monte de lixo recentemente descoberto, as decepções que sofreu, sem falar do cansaço e do ridículo, teriam-no feito desistir da empreitada.” (p. 140)

    Charles, amigo de John, que participou do momento na praia, quando ele encontrou o seu primeiro objeto sólido, é o único amigo que mantém contado, mesmo após ele desistir da profissão e se tornar um colecionador obsessivo por objetos encontrados na rua. Inconformado, ele ainda pergunta ao amigo se ele irá mesmo desistir.

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    Dane-se a política

    É subjetivo, mas necessário, relacionar os objetos sólidos de John com suas relações sociais e profissionais. A princípio, John e Charles são bons amigos, possuem o mesmo trabalho, pensam relativamente igual (“Dane-se a política”), mas, quando John se torna obcecado pelos objetos ao ponto de desistir, a amizade se torna frágil, pois os amigos não conseguem atingir mais aquela empatia da boa conversa. Ou seja, quando os assuntos eram em torno da vida, das pessoas, da política, da praia, tudo estava adequado, mesmo sendo coisas subjetivas, intocáveis (conversas, ideias, pensamentos…). A partir do momento que a vida de John é apenas em função de encontrar novos objetos, tudo o que ele tinha anterior a esse momento, acaba.

    Não é à toa que o conto chama-se Objetos Sólidos. Bastaria o nome “objeto”, porém, o adjetivo “sólido”, traz mais força aos próprios objetos que o personagem encontrou, que o fizeram mudar tanto. De uma vida subjetiva, encontrar objetos na rua & leva-los para casa & coloca-los sobre a lareira, materializou algo em sua vida, mesmo o tornando tão distante da vida social que o próprio trabalho lhe proporcionou. A sua casa tornou-se algo desordenado e o seu olhar fixo e distante.

    A areia

    De uma pessoa que se conectava às outras, que poderia ser o mais votado no parlamento, por conta de seu bom trabalho, John mergulhou em um mundo exclusivo que ele mesmo inventou, a partir do primeiro objeto que encontro na praia, no fundo da areia:

    “Começou a meter seus dedos na areia, cada vez mais fundo. Quanto mais ele enfiava a mão, que ao chegar além do pulso forçou-o a puxar a manga um pouco mais para cima, mais seus olhos perdiam em intensidade, ou melhor, o substrato de pensamento e experiência que dá profundidade inescrutável aos olhos das pessoas adultas desaparecia, para deixar apenas a clara superfície transparente, nada expressando além do espanto que os olhos das crianças demonstram.” (p. 136)

    Quando questionado sobre a “desistência de tudo”, John responde que não desistiu. Não desistiu de quê?

    Veja a resenha do conto Objetos Sólidos no canal Livro&Café:

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