Publicado em 1917, Noite e Dia é considerado o romance mais “simples” de Virginia Woolf — um comentário que, no caso da autora, significa apenas que aqui a complexidade é mais disfarçada.
Ainda que não seja o seu primeiro livro, alguns críticos se perguntaram se ela poderia ter ido além. Mas o que Woolf fez foi algo mais sutil: um estudo sobre o amor, o casamento e a liberdade de uma mulher num mundo que ainda não sabia lidar com isso.
O enredo gira em torno de Katharine Hilbery, uma jovem que vive sob o peso de uma família literária e de um nome importante na sociedade inglesa.
O casamento, para ela, não é meta nem fuga — é uma questão filosófica.
Enquanto isso, Ralph Denham, com sua racionalidade apaixonada, representa o contraponto: o homem dividido entre o amor e o dever.
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Entre festas, chás e a paisagem de Londres, Noite e Dia se desenrola no vaivém dos impulsos de Katharine. Ela é doce e decidida, infantil e sábia — paradoxal como toda mulher que começa a pensar sobre si. (Woolf inspirou a personagem em sua irmã, Vanessa Bell, uma artista livre e desafiadora.)
Impressões de leitura
Logo nas primeiras páginas, senti o clima de um romance de Jane Austen — o que me inquietou. Não por desmerecer Austen (que é brilhante), mas por imaginar Woolf presa à forma clássica que ela mesma um dia reinventaria. Ainda bem que eu me enganei.
Noite e Dia é uma cortina que se abre para uma Londres viva, humana, sensível. Há algo de cinematográfico em suas cenas, como se um pequeno pássaro observasse o cotidiano das janelas e relatasse cada batida do coração das pessoas.
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Woolf transforma o simples em belo, o previsível em revelação. Seus personagens dançam entre a melancolia e o riso, tentando resolver o que a vida lhes entrega. E nisso, a autora é mestre: no equilíbrio entre o detalhe e a vertigem.
O que me encantou (e o que me inquietou)
Assim como Katherine Mansfield, que criticou e elogiou o livro (e por isso rompeu a amizade com Woolf), também vivi sentimentos mistos.
O romance é magnífico em sua construção psicológica, mas apresenta breves falhas de ritmo: o pai de Katharine, figura central, some e reaparece sem aviso; os capítulos finais aceleram depois de um desenvolvimento tão minucioso.
Mas talvez o próprio desaparecimento seja parte da estética de Woolf: o que some também diz algo. O que escapa à lógica é o que fica.
O valor de Noite e Dia
É um livro de transição — entre a herança vitoriana e o modernismo que viria logo depois. Um prelúdio daquilo que Woolf aperfeiçoaria em Mrs Dalloway e Ao Farol: a mente humana como palco, o tempo como personagem, a linguagem como espelho.
“Às vezes, sentia que era necessário, para sua própria existência, libertar-se do passado; ou que o passado deslocara completamente o presente, de modo que, ao retomar a vida comum depois de uma manhã inteira entre os mortos, o presente se revelava uma composição rala e inferior.” — Noite e Dia, Virginia Woolf
É um romance publicado em 1917 que explora as convenções do casamento, a liberdade feminina e o contraste entre razão e emoção.
Vale a pena começar por Noite e Dia?
Sim. Por ser mais linear e descritivo, é excelente para quem está iniciando a leitura de Woolf — um ponto de partida antes de mergulhar em obras como Mrs Dalloway e Ao Farol.