Em 1953, Jack Kerouac, o principal expoente da geração beat, fora conquistado por filosofias orientais como budismo e taoísmo. Dois anos depois escreveu Wake Up: A Life of the Buddha, uma meditação sobre a natureza da vida, o poder interior e a origem do sofrimento a partir da biografia de Sidarta Gautama. Ele não chegou a saber que sua história sobre Buda seria publicada somente em 2008, quase quatro décadas após sua prematura morte.
No Brasil, publicado em 2010 pela L&PM e traduzido por Lúcia Brito sob o título Despertar: uma vida de Buda, o livro traz introdução de Robert A. F. Thurman, professor de Estudos Budistas Indo-Tibetanos na Universidade de Columbia. Thurman não só aponta seus trechos favoritos, onde Kerouac revela-se mais rico literariamente, como discute as principais fontes do escritor.
Alan Watts, um dos primeiros budistas da Califórnia, chegou a dizer que ele poderia ter tido “alguma carne Zen, mas nenhum osso Zen”, e Thurman explica que em decorrência dos vícios que abreviaram sua vida aos 47 anos de idade, qualquer iluminação que Kerouac pudesse ter tido fora “desprovida do estado de buda perfeito”. Assim como fizera com o álcool e as drogas, a temporária espiritualidade fora outra espécie de apoio, com a diferença de que neste havia um frágil verniz de salvação.
A nota introdutória do próprio Kerouac fala um pouco das “incontáveis fontes que jorraram para esse lago de luz” e explica: “Projetei este livro para ser um manual para o entendimento ocidental da antiga lei. O propósito é converter.” A “lei” da qual ele fala é na verdade o Darma, ou numa tradução mais compreensível, “verdade”, ou “ensinamento”. O propósito podia ser a conversão, ou ao menos uma tentativa dela, mas como sabemos, improfícua para o escritor.
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Num tom quase íntimo, Kerouac desconstrói o imagético que a maioria das pessoas, sobretudo a maioria ocidental, tem de Buda: “… rococó grande e gorda sentada com a barriga de fora, rindo, conforme representado em milhões de bugigangas para turistas…”. Começa então uma micro biografia de um parágrafo que ilustra sua trajetória desde os 29 anos de idade, quando ainda era um príncipe esguio de cabelos dourados do clã Sakya na Índia, de nome Sidarta Gautama, até a decisão de renunciar a tudo para buscar “o caminho da fuga definitiva” e despertar do sonho da existência junto a outros homens sagrados, fundando o budismo e morrendo aos 80 anos.
Ainda íntimo, ele resume: “Esse homem não era um tipo folgazão de aspecto relaxado, mas um profeta sério e trágico, o Jesus Cristo da Índia e de quase toda a Ásia.”. Ademais, outros nomes são usados ao longo do livro para mencionar Buda, como “o Desperto” (seu real significado), “o Abençoado”, “o Exaltado”, até “tigre da lei”, provavelmente criado pelo espasmódico deslumbramento do autor.
As grandes preocupações de Buda eram a dor do nascimento, a velhice, a doença e a morte, às quais ele se opunha através de uma lei nobre que buscava aplacar o desejo e tornar indivisível os cinco sentidos mais o pensamento. Jack Kerouac, chamado em sua época de “o Buda da prosa americana”, pode não ter se espelhado profundamente na figura talmúdica, mas com certeza deixou um leve aroma de poesia espiritual em seu processo criativo, seus personagens e suas buscas por um sentido na vida. Despertar: uma vida de Buda não só é sua fuga do mundo beat e do comum, mas uma fuga de si mesmo, sendo o prazer efêmero maior que a dor do retorno.
Respostas de 3
Poxa!!! Divino. O caminho é longo, mas tenho de trilhar, tenho de conhecer.
Agradeço pela resenha.
Massa a resenha. Está na lista há tempos.
Muito em breve estarei lendo essa preciosidade …, já o tenho e depois dessa resenha (indicada..rs) ele já é o próximo.
gracias pela (otima) resenha e indicação do mesmo.