Eu não me importei e vivi a inocência daquele amor que hoje me traz lembranças de deixar o sorriso no canto da boca aparecer quase sempre. E foi com esse mesmo sorriso que li Eleanor & Park.
Na minha infância/ juventude, eu era alta, magra, tinha um cabelão cacheado e alguns cravos no rosto. Tinha uma turma de amigos no bairro onde morava e entre os amigos, estava lá o chamado primeiro amor. A graça naquela época era trocar olhares, cartinhas e ser o par na quadrilha de São João. O menino que eu “amei” em toda minha infância, não foi o que me deu o primeiro beijo. Aliás, lembro que o primeiro beijo no amor de infância foi quando a infância já tinha passado.
A inocência era tão grande naquela época – ok, não sou tão velha. Estou chegando aos 26 anos, mas o que essa garotada anda fazendo entre os seus 10 e 15 anos está me assustando demais – que as coisas costumavam a demorar para acontecer. Mas quem se importava? Eu não me importei e vivi a inocência daquele amor que hoje me traz lembranças de deixar o sorriso no canto da boca aparecer quase sempre. E foi com esse mesmo sorriso que li Eleanor & Park.
Eleanor & Park é o segundo livro YA (jovens-adultos) da escritora americana Rainbow Rowell. Em 2013, o romance foi escolhido pelo The New York Times, Amazon e Goodreads como o melhor no gênero YA e em 2014 foi lançado no Brasil pela Editora Novo Século.
Uma viagem para 1986
Rainbow nos leva para o ano de 1986. Sem computadores, sem as redes sociais digitais, sem smartphones. Fugindo do padrão de vários livros para adolescentes, pelo menos os que consigo lembrar agora, os personagens principais não são ricos, lindos e populares. Ao contrário, são super desajustados. Fora do padrão beleza e popularidade tão cultuado em várias produções para o público jovem. E, talvez, por isso faz tanto sucesso e agrade não só o público-alvo como outros públicos. Eleanor & Park são reais. Poderia ter sido eu, ou você.
O livro alterna os capítulos entre os dois personagens principais. Para mim isso funcionou muito bem. Eu lia um capítulo e já esperava o outro só para saber de que forma algum acontecimento tinha impactado Park, por exemplo.
A menina tinha a aparência exata do tipo de pessoa com a qual isso costuma acontecer. Não só por ser uma pessoa nova ali, mas por ser grande e esquisita. Com cabelo bagunçado, bem ruivo, além de cacheado. E se vestia como se… como se quisesse que as pessoas ficassem olhando. Como se não sacasse que estava um desastre completo. Usava camisa xadrez, meia dúzia de colares estranho pendurados em volta do pescoço e lenços amarrados nos pulsos. Fez Park pensar num espantalho ou nas bonequinhas das preocupações que ficavam na cômoda da mãe. Enfim, do tipo que não conseguiria sobreviver no colegial. (pág 12)
Então, Eleanor era grande, ruiva, tinha sardas e se vestia esquisito. Park era descendente de coreano, lutava taekwondo e era apaixonado por música e quadrinhos. Eles se conhecem no ônibus a caminho da escola e a aproximação começou quando Park percebeu que Eleanor ficava de olho nos quadrinhos que ele lia durante o percurso.
Uma bela trilha sonora
A história de amor dos dois jovens é embalada por música, principalmente as dos The Cure e Smiths. O livro tem algumas boas referências musicais e do universo dos quadrinhos de X-Men e Watchmen, os preferidos de Park.
Eleanor era a filha mais velha de uma família grande e tinha pouca condição financeira. Já Park tinha apenas um irmão e dois pais apaixonados e esforçados. Levava uma vida melhor do que a da garota. Muitas diferenças que não foram suficientes para impedir que nascesse um amor inocente e bonito. A ruiva desconfiava do mundo, vivia cheia de segredos principalmente sobre sua família e Park queria entendê-la, protegê-la e fazê-la feliz.
Rainbow vai além do romance e toca em dois assuntos que afeta nossa sociedade: o bullying e a violência doméstica. Lembrando que em 1986, o bullying não era chamado assim e às vezes passava despercebido como brincadeiras de criança. Eleanor e Park eram até certo ponto inocentes, mas o mundo em volta deles, infelizmente, não era. Eleanor tinha que suportar os abusos dos colegas e um padrasto insuportável que já a tinha expulsado de casa.
– Cuidado aí, “Cabeçorvente”.
Tina passou por Eleanor, empurrando-a, e subiu no ônibus.
Ela vinha fazendo todo mundo na Educação Física chamar Eleanor de Bozo, mas já passara para Cabeçorvente e Bloody Mary.
– Porque parece que a sua cabeça tá naqueles dias – explicou a menina, no vestiário. (pág 30)
No meio de tantos problemas, Park era o alento de Eleanor. E o garoto coreano que também tinha seus problemas, principalmente com o pai, também se refugiava na garota e no amor dos dois.
– Você não liga para o que as pessoas pensam de você.
– Tá louco? – ela perguntou. – Eu ligo pro que todo mundo pensa de mim.
– Não dá pra perceber – ele disse. – Você parece tão segura, não importa o que aconteça ao redor. Minha avó diria que você é bem resolvida.
– Por que ela diria isso?
– Porque é assim que ela fala.
– Eu sou é bem confundida – ela disse. – E por que estamos falando de mim? A gente tava falando de você. (pág 133)
Mas não fiquem achando que o livro é puro água com açúcar, porque não é. Ou, digamos, que não é quase todo água com açúcar. Eu não li até o final com o sorriso no canto da boca, como havia dito no início. O que para mim não teve problema algum. Afinal, quem consegue controlar a própria vida aos 16 anos? Há interferências por todo lado, professores, pais, amigos.
Mas para que vocês sejam contaminados pela doçura do amor de Eleanor & Park, termino a resenha com uma das partes, que para mim é uma das mais fofas e inocentes do livro e deixo uma pergunta: o seu amor de infância sobreviveu até hoje?
Ela lhe pedira que explicasse algo que ele mal podia explicar a si mesmo.
– Não gosto de você – ele disse. – Preciso de você. (pág 139)
(…)
– Não gosto de você, Park – ela confirmou, num tom que, por um segundo, pareceu indicar que era sério mesmo. – Eu… – a voz dela quase desapareceu. – Eu acho que vivo por você. – Ele fechou os olhos e meteu o rosto no travesseiro. – Acho que nem respiro quando estamos juntos – ela sussurrou. – O que significa que, quando não te vejo na segunda de manhã, foram umas sessenta horas sem respirar. Deve ser por isso que sou tão ranzinza e desconto em você. Só o que faço quando estamos juntos é entrar em pânico. Porque cada segundo parece ser tão importante. E porque sou tão maluca, não me controlo. Não sou mais minha, sou sua; e se você resolver que não quer mais me ver? Como pode me querer como eu quero você?
Ele ficou quieto. Queria que todas aquelas palavras fossem a última coisa que ouviria na vida. Queria adormecer com “eu quero você” nos ouvidos.
(pág 142)
Curiosidades:
- A autora fez um post especial no seu blog com todas as músicas citadas no livro;
- Eleanor & Park vai ganhar uma adaptação para o cinema!
- O livro ganhou vários fãs e muitos fizeram ilustrações legais com os personagens (como as que escolhi para ilustrar o texto).
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Respostas de 2
Estou louca para lê-lo, várias pessoas o estão elogiando. Adoraria saber se a Rainbow tem menos de quarenta anos, porque aí aproveitava a leitura para matar um categoria do desafio Livrada, rsrs. Abraço!
Gostei da resenha e está na minha lista para comprar. Espero que a autora tenha conseguido encaixar bem a história na década de 1980 e só pela citação das músicas já fiquei com vontade de ler.