Sabe aquele escritor que você nunca leu, mas todo mundo diz que é bom e você não lê porque simplesmente não desperta sua atenção? Fiz isso com Milton Hatoum durante anos, passando reto por seus livros nas estantes das bibliotecas em que frequentei. Há uns dois anos li algumas pesquisas que envolviam sua obra e fiquei bem curiosa, mas não tive oportunidade de ler nenhum de seus livros. Até que a oportunidade surgiu no mês passado, com Dois irmãos, ganhador do Prêmio Jabuti 2001 de Melhor Romance e fiquei grata por este livro ter caído em minhas mãos.
Ambientado em Manaus, na época em que o Brasil sofria ditadura militar, “Dois Irmãos” mostra a história de uma família em crise e sua relação e desenvolvimento ao longo dos anos. É uma história de intrigas, ódio e desavenças, na qual todos os personagens buscam construir sua própria identidade, seja através do distanciamento da casa dos pais, no não pertencimento dentro da própria casa, no amor excessivo de uma mãe ou nas sensações de deslocamento de uma terra natal.
Zana e Halim são árabes que vieram, sob diferentes circunstâncias, à Manaus. Halim se apaixona por Zana e conquista a moça com um poema, então se casam e dessa união geram três filhos: os gêmeos Yaqub e Omar, e Rânia.
Quando os gêmeos nasceram, Omar, o segundo gêmeo (apelidado de caçula) teve um problema de saúde, o que fez com que a mãe voltasse sua atenção totalmente a ele, enquanto isso, Yaqub ficou aos cuidados de Domingas, uma índia órfã que Zana adotara antes do nascimento dos filhos para trabalhar na casa como empregada.
Durante a infância dos gêmeos, Zana dedicava seu tempo a Omar e a criação de Yaqub se tornou responsabilidade de Domingas. Omar se tornou ciumento e mimado e Yaqub calado e pensativo. Um dia brigaram e Yaqub foi mandado para o Líbano, de onde regressou cinco anos depois, aos dezoito anos. Anos mais tarde, Yaqub vai para São Paulo e segue uma carreira promissora, conquistando a admiração do pai. Enquanto isso, Omar não arreda o pé da casa, não trabalha, sai para bordéis durante a noite e volta bêbado para a casa toda madrugada e continua sendo mimado em demasia pela mãe.
A história é narrada em primeira pessoa por um personagem, Nael, filho de Domingas, cujo pai é desconhecido. Pelas palavras dele, percebemos o quão séria é a rixa entre os gêmeos, que vivem em eterno conflito, tentando provar sua superioridade para a família e mostrando até onde podem chegar. Além disso, Nael é um personagem que lida com um grande conflito interior, a busca pela identidade perdida, o que move a curiosidade do leitor até o final da trama.
É impossível não ler “Dois Irmãos” e não lembrar, de alguma maneira, da parábola bíblica do filho pródigo, mas aqui, na obra de Hatoum, não há espaço para perdão, reconciliação e arrependimento, existe apenas o ódio, que prevalece entre os gêmeos e os leva até as últimas consequências.
“Dois Irmãos” é um romance emocionante, que retrata algo corriqueiro, que pode estar presente na vida de qualquer indivíduo: a rivalidade familiar. Hatoum escreve de uma maneira requintada e poética, sua prosa me recorda Machado de Assis. Finalizando, “Dois Irmãos” é um misto de emoções, faz o leitor sentir tanto ódio quanto os gêmeos sentem um do outro. É um livro que desperta tantas emoções… uma leitura mais do que indicada!
“Naquela época, tentei, em vão, escrever outras linhas. Mas as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento. Permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em lenta combustão, acenderem em nós o desejo de contar passagens que o tempo dissipou. E o tempo, que nos faz esquecer, também é cúmplice delas. Só o tempo transforma nossos sentimentos em palavras mais verdadeiras, disse Halim durante uma conversa, quando usou muito o lenço para enxugar o suor do calor e da raiva ao ver a esposa enredada ao filho caçula.” Pág. 244
Uma resposta
Li este livro em minha primeira experiência com a faculdade, em 2005. A Fran pode disfarçar, mas estava lá também (sim há dez anos haha). Grande Profª Paula!!!!