Nascido para perder, viveu para vencer. Talvez o lema mais marcante de sua carreira faça jus ao que se pode dizer sobra a vida e obra de Ian Fraser Kilmster, ou simplesmente “Lemmy” (apelido recebido na escola, segundo ele, sem nunca ter explicado o porquê). Mick Wall, um dos principais, senão o principal, biógrafo do rock relata com maestria em 280 páginas de Lemmy: A biografia definitiva (Globo Livros, 2016).
Nascido (para perder) em Burslem na Inglaterra em 1945, com um tímpano perfurado, coqueluche, e tão fraco que lhe foi solicitado um batismo de emergência, crendo que este provavelmente não sobreviveria. Aos três meses, após uma separação, foi abandonado pelo pai, o qual só chegou a conhecer aos 25 anos, quando já tocava guitarra, usava drogas há muito tempo e já havia inclusive passado pela experiência de ser pai, quando aos 17 anos, engravidou sua namorada Cathy de apenas 15, e as famílias chegaram ao consenso de colocar o bebê para adoção.
Lemmy inicialmente tocava guitarra, e teve passagem por algumas bandas. Entre as que mais se destacaram o Rockin’ Vicars, e mais adiante, um dos expoentes do rock psicodélico ao lado do Pink Floyd, o Halkwind, banda na qual aceitou o convite de entrar como baixista mesmo sem saber tocar o instrumento. A forma como ele começou a tocá-lo, como uma guitarra base, virou sua marca registrada pelo resto de sua carreira.
Em um período de tempo entre estas duas bandas, Lemmy passou por uma experiência que mudou a sua vida. Conseguiu um emprego temporário como “road” de Jimi Hendrix, por cerca de 18 shows pela Inglaterra. Assistiu do palco, ludibriado, as apresentações de Hendrix, e, segundo ele “ninguém antes sabia que a guitarra poderia ser tocada daquele jeito”. Ficou arrasado ao ser dispensado ao fim da tour quando Hendrix foi para os EUA, e passou então a traficar maconha para se manter.
“As alfândegas do mundo todo ainda me revistam primeiro. Quer dizer, por quê? Eles acham que os contrabandistas de droga são parecidos comigo? Eu não penso assim. E quanto tempo eles tiveram para absorver esta informação? Os contrabandistas de droga são pessoas (bem vestidas) com pastas que estão bem atrás de mim. E eles ainda não tem miolos para entender isso. Eles dizem que “todo mundo de cabelo comprido é traficante de drogas”. Bom, boa sorte. Pelo visto, estamos condenados. Se burrice é o sinal do juízo final, estamos condenados. “ (pág. 208)
Ainda no Halkwind, mas em um período muito turbulento, compôs uma música chamada “Motorhead”, que era o nome dado aos usuários de speed (droga que é associada até hoje a sua imagem). A canção não foi aceita e Lemmy foi chutado da banda e pouco depois se forma o “Motörhead”, o que é história demais para mencionar em uma resenha. Fato é, que Mick Wall remontou toda a história através de entrevistas que realizou por 35 anos de amizade com Lemmy, que embora a imagem carrancuda por trás de um uniforme de guerra, é com frequência retratado como um cavalheiro e um cara muito engraçado, embora rabugento.
A escrita é muito leve e te faz rir por diversos momentos com as histórias absurdas de muito, mas muito sexo, muita, mas muita droga e rock and roll nos mesmos moldes. Lemmy viveu para vencer, embora os anos de excessos entregaram a sua conta ao final. Mas foi ele mesmo que disse em seu maior clássico (Ace of Spades): “I don’t wanna live forever…”