Hank Green é, definitivamente, uma das pessoas mais incríveis de toda a internet. Além de manter o canal Vlogbrothers e a comunidade Nerdfighter – ambos com seu irmão John (ele mesmo, o autor de A Culpa é das Estrelas) – ele é, também, um dos responsáveis pelo canal científico Scishow e por zilhões de outros projetos, incluindo a Vidcon (considerada a maior convenção de criadores de conteúdo audiovisual do mundo) e a melhor adaptação de Orgulho e Preconceito já vista na história (prêmio criado e concedido pela pessoa que vos escreve), The Lizzie Bennet Diaries.
Americano, químico por formação, CEO e músico, Hank fez sua estreia enquanto romancista no final de 2018 com Uma coisa absolutamente fantástica, livro lançado pelo selo Seguinte, da Companhia das Letras, com tradução de Lígia Azevedo.
Olha, sei que você está esperando uma história épica com intriga, mistério, aventura, quase morte e morte de verdade, mas, para chegar a isso (a menos que pule direto para o capítulo treze – não sou sua mãe), você vai ter que lidar com o fato de que eu, April May, além de ser uma das coisas mais importantes que já aconteceu à raça humana, também sou uma mulher de vinte e poucos anos que cometeu alguns erros. Estou na posição maravilhosa de ter você na palma da mão. A história é minha, então posso contá-la do jeito que quiser. Isso significa que você vai entender não só a minha história mas também a mim mesma, então não se surpreenda se houver uma dose de drama. Vou tentar fazer um relato honesto, mas admito que sou altamente tendenciosa a meu favor. Se você for aprender alguma coisa, com sorte não vai ser de que lado mais está, mas o simples fato de que sou (ou pelo menos era) humana.
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Típica Millennial
April May é a típica millennial. Estudante de arte, funcionária de uma start-up e sem saber direito como lidar com as suas relações e os seus sentimentos, é ela quem narra o livro e, mesmo deixando claro ser altamente tendenciosa a seu próprio favor, em nenhum momento esconde suas falhas.
Em “Uma coisa absolutamente fantástica”, a trama começa quando, ao sair do trabalho às duas e quarenta e cinco da manhã (graças a um contrato absurdo que assinou), ela se depara com um robô gigantesco e misterioso. April, então, decide não ignorar aquela figura, entra em contato com Andy, seu amigo youtuber, e juntos gravam um vídeo mostrando o acontecimento. No dia seguinte, ela descobre que se tornou celebridade, sendo o primeiro rosto a registrar uma das 60 esculturas (ou apenas Carls, apelido carinhoso dado pela menina) espalhados pelo globo.
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A fama do dia para a noite
A partir desse momento, acompanhamos as mudanças que acontecem na vida de April. Vemos ela se tornar – mais por conveniência do que por conhecimento – a maior especialista em Carls do mundo, entendemos os questionamentos por trás de sua falsa segurança e a seguimos por todas as crises e decisões que só alguém que se vê famoso (literalmente) do dia para a noite precisa passar, incluindo a gana de se manter relevante, seja por meio da manipulação ou da encenação, fazendo o possível para que seu nome e seu rosto continuem circulando pelos trends.
No meio de robôs, problemas pessoais e a fama, Hank abre espaço para discussões sobre a mídia, as redes sociais e o papel da internet na formação e difusão de informações. Ele aborda pontos como a pós-verdade, as fake news e a facilidade de se construir uma rede de apoio que se move através do ódio, além da responsabilidade (ou da falta dela) de um discurso. Ele usa um livro de fantasia como uma abertura para se debater aquilo que falamos e divulgamos sem nem pensar duas vezes e sobre como o tal “comportamento de manada” pode ativar o lado mais violento das pessoas.
Lidamos (ou não) com aquilo que não entendemos?
Seguindo um esquema parecido com o que vimos no filme A Chegada, temos, aqui, mais uma prova de como nós, enquanto humanidade, lidamos (ou não) com aquilo que não entendemos. Hank aponta a polarização frente a discussões importantes e como, muitas vezes, elas acabam virando mais uma briga de egos. Trabalhando com o melhor e o pior das redes sociais, ele aborda as formas de se conectar e criar laços, mas também a facilidade com que deixamos o “real” de lado, de como podemos viver dependendo de comentário e opiniões que saem de uma tela e são assinadas por @s.
Apesar das questões levantadas sobre a linguagem, a internet e seus danos, da escrita instigante e bem humorada, e da construção de personagens que são múltiplos e apontam aquilo de medo, egoísmo ou de pura chatice existente em cada um de nós, o autor parece ter deixado de lado a parte da ficção científica e, no fim, tanto os robôs quanto seus motivos passam quase que batido. Entretanto, Hank Green já anunciou que o livro ganhará uma continuação (YAY!) e, pelo que tudo indica, esse problema será resolvido em breve.
Para aqueles que ou já amam ou querem saber mais sobre o livro e esse cara awesome, deixo a recomendação do podcast número 62 da Companhia das Letras e um vídeo do Hank lendo o primeiro capítulo de Uma coisa absolutamente fantástica.
Uma resposta
Exatamente o que eu achei também quando li. Ele começa com uma ficção científica bem legal e vira só um BBB da vida da protagonista e os robôs ficam lá trás. Uma pena mesmo, o hype parecia ser legal.