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Devoção (Patti Smith) e a arte da escrita

Por que escrevemos? De onde vêm as ideias para uma história? Como funcionam as engrenagens da inspiração e da literatura? Dividido em três partes, Devoção vai refletir sobre questões como essas. 

Cheguei a ver em algum momento do ano passado que Devoção, livro de 2016 da Patti Smith, foi um dos livros da TAG e que vinha acompanhando outra obra de sua autoria (Só Garotos) em um daqueles kits lindos que depois de serem lançados dá vontade de ter assinado, especificamente por aquele volume. Mas, somente um mês atrás, com o anúncio da vinda pela primeira vez à São Paulo da autora e cantora para o “Popload Festival”, senti novamente aquela chama reacender por este ser remanescente dos primórdios do punk. Assim, adquiri a versão em inglês e, portanto utilizarei os nomes dos capítulos da versão original (Devotion) para me referir à obra.

“How the mind works”: um relato de Patti Smith sobre o tempo-espaço

Pode se dizer que o livro é dividido em três partes. em primeiro lugar, intitulada “How the mind works”, é algo como um relato do tempo-espaço em que Patti Smith está escrevendo a obra.

Há trechos, então, que transitam entre noites zapeando canais de TV em um quarto de apartamento, uma de suas passagens pela França, e sua tentativa de encontrar o túmulo de Simone Weil, em mais um registro deste hábito constantemente relatado em suas obras: visitar túmulos de autores e artistas com os quais ela se identifica e se sente conectada de alguma forma.

“Devotion”: Patti Smith e os canais de tv

Em segundo lugar, “Devotion”, o capítulo que nomeia o livro, narra uma história inspirada em uma jovem russa patinadora de gelo de dezesseis anos, que Patti assistiu comovida em uma de suas procuras noturnas pelos canais de TV do hotel. Eugene, a personagem de sua ficção, só encontrava em seus patins de lâminas afiadas a razão para continuar tocando seus dias, mesmo com um preço alto a pagar por suas escolhas.

Devoção Patti Smith
Capa da edição brasileira de Devotion.

Além disso, a forma como é narrada a sua relação com o lago congelado no qual ela praticava, a descrição de seus movimentos e a maneira como ela se conectava com a natureza ao patinar é de uma delicadeza e beleza única. Assim, como leitor me senti tragado ao cenário frio e pálido.

“[…] Eu tinha cinco anos quando ele nos levou a um concurso de patinação. Nunca havia visto algo tão maravilhoso e por vez não conseguia parar de chorar. Eu queria ser ela, a garota no centro do gelo. Mesmo tão jovem eu sabia que aquele era o meu destino. Eu poderia falar muitas línguas somente de ouvi-las. Me sobressai na escola e isso não era nada antes dos patins me darem ferramentas para expressar o inexpressável” (p. 23 – tradução livre)

“Written on a train”: sobre a arte da escrita

Sobretudo, no último capítulo do livro (“Written on a train”), a autora faz um convite à reflexão sobre o ato da escrita. Para isso, relata sua estadia em Paris à convite da filha do autor, filósofo e escritor francês Albert Camus.

Assim, para Patti Smith, ter tido o privilégio de ser apresentada aos manuscritos originais de Camus, culminou em um combustível necessário: em seus aposentos, ela foi tomada por profunda inspiração para escrever mais páginas do que se tornaria o livro Devoção; o qual ela encerra respondendo à questão levantada por si de maneira brilhante: “Por que nós escrevemos?”. “Because we cannot simply live” [Porque nós não podemos simplesmente viver].

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