Escrever esta resenha sobre Amada, da Toni Morrison, é encarar um duplo desafio. Em primeiro lugar, ao falar sobre um livro que já foi bem resenhado pela Aléxia Roche para a Livro & Café, penso que não terei nada a acrescentar. Em segundo, a leitura da obra foi marcada por longas interrupções e até imaginei largar o livro e partir para o outro. Felizmente, não fiz isso.
A história de Amada
Amada foi publicado originalmente em 1987. Ganhou o prêmio Pulitzer em 1988 e foi eleito pelo New York Times, em 2006, a obra de ficção mais importante dos últimos 25 anos nos Estados Unidos. Ficou mais conhecido ao ser adaptado para o cinema, com Oprah Winfrey no papel da protagonista. Também foi o primeiro best-seller da escritora Toni Morrison, que dispensa apresentações. A norte-americana foi a primeira escritora negra a receber o prêmio Nobel de Literatura em 1993.
Resumidamente, o livro narra a história de Sethe, uma escrava fugitiva, e Denver, sua filha, que moram em uma casa mal-assombrada. No início, sabemos que essas duas personagens vivem no local, que antes era habitado por Baby Sugar, dois filhos de Sethe, que fugiram, e uma outra filha desta mulher, uma bebê que morreu e cujo espírito atormenta a residência. Quando Paul D, também escravo da mesma fazenda de Sethe, aparece na varanda atrás dela, a casa e as memórias de todos os envolvidos passam a se manifestar.
A narrativa é bastante complexa, com diversas idas e vindas. Ela carrega, em si, uma brutalidade que me lembrou Kindred – Laços de Sangue, da Octavia E. Butler, que também trata sobre a escravidão norte-americana. Em Amada, o caráter fantasmagórico do enredo, às vezes, também contribuiu para a minha dispersão enquanto lia.
Porém, o livro tem trechos memoráveis. Morrison é muito sagaz na sua abordagem sobre a crueldade da escravidão e, principalmente, nas consequências da perda da liberdade por causa da “gentebranca”. Para mim, é aqui que mora a grandeza do livro: o impacto das memórias nas vidas de pessoas marcadas pela violência, pela privação e pelas perdas de todos os tipos (físicas, emocionais etc.).
A persistência de Amada
Muitos pensam que a abolição dos escravos significou o fim da falta de liberdade e que, após essa determinação, a vida dos negros passou a ser mais fácil. Isso valeria para os EUA, Brasil e qualquer lugar em que pessoas foram e são privadas de seus direitos mais básicos. Mas pouco se analisa a carga de traumas, as marcas no corpo e na mente, os laços afetivos desfeitos, o medo. No decorrer do livro, vemos que Sethe comete uma ação terrível por conta do temor de ser levada e de ter os filhos tomados por pessoas brancas. Sethe continuou escrava dos seus traumas.
O racismo, presente antes e depois da abolição, também está ali, no dia a dia, no espaço que o negro deve ceder na calçada para o branco que passa, no bibelô do negro ajoelhado com a placa “sirva-me”.
Leia mais – Escravidão: a ferida que precisamos curar (Dicionário da Escravidão e Liberdade)
O ódio e o amor ao corpo negro
Enfim, Amada não é um livro fácil. E nem deveria ser. Ele nos mostra a atrocidade da escravidão e do racismo em um passado não tão distante, mas essa crueldade ainda está presente no nosso cotidiano, nas constantes violências sofridas pela população negra em nosso país, na completa invisibilidade do corpo negro.
Por outro lado, a narrativa, especialmente na figura de Baby Sugar, indica a força da resistência, do amor e a necessidade de resgatar o que faz da pessoa negra um ser humano. Por isso, deixo um dos trechos que mais me comoveram:
Novamente, Amada não é um livro fácil. Mas é um livro – ainda – necessário, que nos lembra daquilo que não devemos esquecer, daquilo que devemos reparar enquanto sociedade.