Inacreditável (Netflix): você acredita na palavra de uma mulher?

Inacreditável se torna uma das séries mais relevantes dos últimos tempos, por escancarar aquilo que as mulheres sofrem desde sempre: o silenciamento.

Eu geralmente não consigo assistir às séries logo que são lançadas e algumas eu apenas fico conhecendo na época das premiações, como Emmy e Globo de Ouro. Foi isso que aconteceu com Inacreditável (Unbelievable), uma produção da Netflix, dirigida por Susannah Grant e lançada em setembro de 2019, mas que eu conheci após as indicações ao Globo de Ouro, evento realizado no início de janeiro. E posso te dizer sem medo: que série incrível e necessária!

A premissa, infelizmente, é bem conhecida por nós, mulheres. Uma jovem, Marie Adler (Kaitlyn Dever), relata ter sido estuprada por um homem que invadiu seu apartamento, porém, após diversos e repetidos questionamentos dos investigadores da polícia, seu depoimento começa a mudar e ela é coagida a confessar que fez uma falsa denúncia. Tempos depois, novos estupros ocorrem em outras localidades, mas com as mesmas características apontadas por Adler. Os casos levam duas investigadoras, Grace Rasmussen e Karen Duvall (as maravilhosas, 0 defeitos, fadas sensatas Toni Collete e Merritt Wever), à busca pelo estuprador e pela justiça.

Nem preciso comentar que elas se deparam com a lentidão e omissão da polícia, a falta de empenho nas investigações (por várias vezes elas destacam o quanto os assassinatos ganham mais atenção do que os estupros), a angústia diante dos becos sem saída, a relação conflituosa e triste com as vítimas.

Se de um lado temos a firmeza das duas investigadoras e suas equipes, do outro, temos Marie destroçada pela acusação de falsa denúncia de estupro. E aqui vale destacar o quanto as palavras das mulheres não têm qualquer valor para a justiça: Marie, por ser uma jovem proveniente de uma família desestruturada e ter sofrido diversos abusos físicos e psicológicos, colocada no “sistema” desde os três anos, com um histórico de passagens por diversas famílias adotantes, é vista como a garota problema que só quer chamar atenção. Logo, denunciar um estupro é apenas mais uma tentativa de ganhar afeto – um ponto de vista levantado por uma de suas mães adotivas e compartilhado pelos céticos investigadores.

Com isso, suas amizades e familiares a abandonam, o assédio no emprego aumenta, sua vida é cada vez mais monitorada, desconhecidos na internet a atacam e invadem sua privacidade. Quem dera tudo isso fosse ficção, mas basta ver qualquer notícia em que uma mulher relata um abuso e verifique quantas pessoas questionam sua denúncia, colocam em xeque sua credibilidade, buscam destrinchar a vida da vítima para invalidar a violência, como se esta fosse justificável.

Não é mera obra ficcional

Na verdade, Inacreditável não é mera obra ficcional. Antes de virar série, essa história foi contada na reportagem “An unbelivable story of rape” (Uma inacreditável história de estupro, em tradução livre), escrita por T. Christian Miller e Ken Armstrong em 2015, e que apresenta a atuação das investigadoras Stacy Galbraith e Edna Hendershot. Eles ganharam o prêmio Pulitzer – o Oscar do jornalismo e da literatura – por esse trabalho, que acabou virando livro. A ficção e a realidade nos mostram, então, que essas mulheres são vítimas duas vezes: a primeira, pela violência sofrida; e a segunda, pelo descrédito de suas palavras.

Por isso, Inacreditável se torna uma das séries mais relevantes dos últimos tempos, por escancarar aquilo que as mulheres sofrem desde sempre: o silenciamento. Quantas já não ficaram com medo de relatar algum abuso? Quantas já não foram vistas com desconfiança e descaso, seja pela família, amigos, sistema judicial? Quantas já não foram acusadas de apenas buscar atenção ou querer destruir a vida de um homem por pura vingança?

Infelizmente, as palavras das mulheres ainda são inacreditáveis.

Trailer de “Inacreditável”

Ficha técnica:

Inacreditável (Unbelievable)
EUA, Netflix, 2019
(8 episódios – 1 temporada)
Elenco: Kaitlyn Dever, Toni Collette, Merritt Wever


Leia mais: Não tem “mas” quando a violência é o estupro

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