Frankenstein, Dorian Gray e Narciso: a beleza é tudo?

Você deve estar se perguntando: como assim existe uma relação entre o Mito de Narciso e os clássicos Frankenstein e O Retrato de Dorian Gray? Sim, existe!

Segundo a lenda, Narciso era um lindo ser e quando nasceu, um dos oráculos, chamado Tirésias, disse que ele seria bastante atraente e que teria uma longa vida, mas com uma condição: ele nunca deveria ver seu rosto, pois isso o amaldiçoaria para sempre. Porém, certo dia, Narciso estava passando em frente a um lago quando viu seu rosto refletido na água e aquilo foi amor a primeira vista. Narciso ficou tão encantado com seu rosto que nenhuma das várias pessoas (homens e mulheres) que eram atraídas por ele poderiam competir com a imagem do seu rosto refletido no lago.

Pois bem, em ambos os livros a figura de Narciso aparece para falar sobre beleza e questões morais. Em O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, o personagem principal da história se encanta com uma pintura sua feita por outro personagem, o pintor Basil Hallward, pois ele não imaginava que possuía tanta beleza e logo ele começa a não aceitava o fato de que iria envelhecer enquanto o retrato permaneceria do mesmo jeito por anos:

  “Como é triste! Eu vou ficar velho e horrendo e medonho. Ele jamais envelhecerá além deste dia de junho… Se pudesse ser diferente! Se eu permanecesse sempre jovem e o retrato envelhecesse! Por isso – por isso – eu daria tudo! Sim, não há nada em todo o mundo que eu não daria! Daria a minha alma por isso!”

  O Retrato de Dorian Gray, Capítulo II.

Essas palavras acabam se tornando a ruína de Dorian, pois após dizer isso as coisas começam a mudar. Ele já não envelhecia tão rápido e sim o seu retrato. É o retrato que vai acumulando as rugas e o cabelo grisalho durante os anos que se passam, ao mesmo tempo em que o próprio Dorian Gray vai se tornando uma pessoa mais fechada e misteriosa que chega até ao ponto de… (Sem spoilers, vai ter que ler a obra pra saber o resto.)

O livro teve que ser alterado por causa de algumas passagens que continham conteúdo homossexual. Sim, no final do Séc. XIX ainda era crime ser homossexual. E a obra completa e sem censura de O Retrato de Dorian Gray só foi lançada 100 anos depois da morte de Oscar Wilde. Ironia do destino ou não, trechos do livro foram usados contra Oscar Wilde quando ele foi acusado de manter relações extraconjugais com um jovem chamado Lorde Alfred Douglas, filho do Marquês de Queensberry.

Já em Frankenstein de Mary Shelley o negócio é diferente. Victor Frankenstein reanimou um corpo humano e logo após ter feito isso ele percebeu que havia cometido um grande erro. Para ele sua criação era assustadora e fora do comum. Então ele abandona a criatura e foge. Com o passar do tempo a criatura vai nutrindo sentimentos e com isso aparecem a vontade de se enturmar e de ser aceito na sociedade, mas, ao mesmo tempo, ela sente medo de como os humanos vão reagir ao vê-lo, pois ele tinha noção de que era diferente. No livro há um momento em que ele vai a um pequeno riacho, vê seu rosto refletido na água e diz:

“Admirava as formas perfeitas dos moradores do chalé: a graça, a beleza e as compleições delicadas, mas quão aterrorizado ficava quando me via refletido na transparência da água! De início, recuei, incapaz de acreditar que era, de fato, eu quem estava refletido no espelho.”              

Frankenstein ou o Prometeu Moderno, Capitulo XII.

Esse é o principal motivo que faz as pessoas se afastarem e o chamarem de demônio. Além disso ter feito com que a raiva crescesse tanto dentro dele que o faz arranjar um culpado: o seu criador. Sendo assim, a criatura começa a procurar por Victor Frankenstein e acaba descobrindo um jeito de se vingar dele, mas como essa história termina você só vai saber se ler o livro.

Duas ressalvas: a primeira é que o monstro não tem nome. Frankenstein era o nome do cientista que deu vida ao ser e por isso foi muito usado para se referir ao monstro. A segunda é que a cor da pele da criatura não era verde, mas sim amarela; como se ele estivesse sempre pálido. Frankenstein foi a maior obra escrita por Mary Shelley e o mais incrível é que ela escreveu a obra com apenas 18 anos, mas a sua primeira publicação não foi muito bem-aceita na imprensa, como a crítica exagerada do jornal British Critic que escreveu que a obra não deveria ser lida por ter sido criado por uma mulher. Além disso, a primeira publicação da obra não levava o nome da autora, mas o prefácio escrito pelo marido, Percy Shelley, e a dedicatória ao pai, William Godwin, que era bastante conhecido, entregaram Mary Shelley.

As obras e o debate sobre a beleza

As duas obras trazem um questionamento importante: a beleza é tudo? Em O Retrato de Dorian Gray é possível ver que o personagem principal deseja manter seu rosto jovem e assim atrair a atenção das pessoas só pra si a qualquer preço. Tanto que ele oferece até a própria alma para conseguir isso. Um narcisista de primeira. Já em Frankenstein a criatura não suporta o seu rosto, mas deseja do fundo do coração fazer parte, ser aceito na sociedade e quando as coisas não dão certo ele acha que a única solução possível para resolver seus problemas é se vingando do seu criador. De todo modo, o melhor que se pode fazer é ler e se encantar com essas obras que se tornaram clássicos da literatura britânica e mundial.

Por João Lucas Santos.
João é um leitor voraz e pensa na Literatura como uma forma de entender o mundo ao seu redor. É formado em Publicidade e Propaganda e pretende cursar Letras, uma paixão antiga. Já publicou um livro pela Amazon chamado Um Estranho no Espelho, além de dois contos publicados: O Homem Que a Lua Enlouqueceu (coletâneas Lendas Urbanas; Editora Perse) e O Legislador (coletânea Megalofobia Animal, Editora Uiclap).

Imagem em destaque: John William Waterhouse, Eco e Narciso (1903)