Em “Arquitetura evanescente”, o professor Fernando Atique discute os processos de preservação de patrimônios históricos num jogo de memória, história e urbanidade.
“O adjetivo evanescente está ligado etimologicamente à vaidade, através da origem comum em vanus. A mesma raiz remete ao vazio, vácuo, vão.”
Prefácio de Bruno Carvalho em “Arquitetura evanescente”, p. 11.
A resenha de hoje é para aqueles que gostam de Patrimônio, História e Arquitetura.
O campo do Patrimônio apresenta inúmeras possibilidades, sendo cada vez mais objeto de análise dos historiadores. O professor da Universidade Federal de São Paulo, Fernando Atique, apresenta esse movimento junto com uma análise primorosa da história da cidade em seu livro Arquitetura evancescente: o desaparecimento de edifícios cariocas em perspectiva histórica. A proposta do autor é fundamental, porque ele se debruça sobre dois edifícios construídos no Rio de Janeiro que foram demolidos nos anos 1970: o Palácio Monroe e o Solar Monjope.
Além de um rigor metodológico para a análise histórica, “[…] torna-se importante refletir que a discussão acerca do desaparecimento é, em si, quase uma metáfora do fazer histórico, pois, assim como lembrar tem seu avesso no esquecer, o edificar encontra antítese no demolir” (p. 16). Atique se utiliza de jornais e, inovadoramente, de depoimentos da internet para compreender a recepção e repercussão das políticas patrimoniais nas camadas sociais cariocas. Tudo isso sem deixar de lado a análise documental e do contexto internacional. Segundo o pesquisador, “As atividades de modificação incidentes em centros estadunidenses e europeus nos anos 1960, com grande impacto sobre a opinião pública nos anos 1970, também permitem verificar como o ambiente carioca estava experimentando efeitos de uma controversa ‘renovação’ urbana assemelhada às mesmas, a despeito da Ditadura Militar que por aqui estava instaurada.” (p. 33).
Palácio Monroe
Já imaginou uma construção feita em um país ser transportada para outro? Esse é o caso do Palácio, que foi construído em 1904 em Saint Louis, Missouri (EUA), como pavilhão brasileiro e “[…] remontado no Brasil em 1906 para servir de sede de importantes instituições políticas nacionais, como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal” (p. 21). Esse caso fica ainda mais interessante quando se iniciaram os debates sobre sua demolição. De um lado, havia a justificativa de um “desafogo urbano” (p. 42). Por outro, o discurso preservacionista, inclusive por parte dos cidadãos, do edifício enquanto construção arquitetônica da Belle Époque no Brasil, reconhecido internacionalmente.
A repercussão desse embate na sociedade do Rio de Janeiro foi intensa: mobilizou atores políticos, a imprensa e os civis. O Palácio Monroe ocupou um local de destaque como ponto turístico da cidade e por ter sediado órgãos nacionais importantes. Mesmo aqueles que não conheceram o Rio possivelmente viram a edificação. Com tal relevância, apareceu em cartões postais, cédulas de moeda e sediou grandes eventos do começo do século XX. Sobre seu fim, conforme o autor:
Solar Monjope
Embora tenha se destacado nas primeiras décadas do século XX como “edifício-manifesto” de José Mariano Filho, o nome Monjope remete ao século anterior, quando a família Carneiro da Cunha tinha uma propriedade rural com essa denominação, datada do século XVII. O autor aborda de maneira exímia as discussões patrimoniais que perpassam o Solar, sobretudo, as que envolveram seu dono e as primeiras políticas de preservação e restauração sobre a arquitetura neocolonial. Segundo Atique: “Dessa forma, problemas colocados para a produção arquitetônica brasileira das décadas de 1910, 1920 e 1930 eram muito semelhantes àqueles da vertente de ensino das academias e escolas de arquitetura dos países americanos e até europeus” (p. 118).
Como mostra a obra, surgiu, desde então, a incógnita sobre se o Solar Monjope não seria um edifício público como o Palácio Monroe. Isso, inclusive, foi utilizado na época como argumento em defesa da propriedade privada. Assim, “cheio de conflitos e démarches, o Solar Monjope serve com eloquência à demonstração de que não apenas edificações do setor público, na década de 1970, causaram polêmica no que se refere à aplicabilidade do tombamento […]” (p. 126). Essa polarização também aparece na opinião pública dos jornais e, posteriormente, da internet, na qual há rechaço à destruição em contraponto à busca de justificativas.
Além de todo esse conteúdo, ao final da análise em torno de cada uma das edificações, o autor faz uma bela narrativa visual. Todavia, a conclusão é das coisas mais instigantes, porque se, de um lado, os edifícios são demolidos, a arquitetura deles não é evanescente.
Para quem chegou até aqui, percebe-se que o tema discutido por Atique possui tamanha relevância e atualidade. Recentemente, acompanhamos a discussão sobre o Ginásio do Ibirapuera. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) rejeitou o pedido de tombamento do edifício projetado por Ícaro de Castro e Mello. E interesses econômicos são explícitos, já que, segundo o Relatório de Modelagem Econômico Financeira, o espaço será um “shopping”. Mesmo que uma das exigências da concessão seja a garantia do uso esportivo, sabemos como ela funciona e quais são os interesses preservados. Portanto, será que daqui a alguns anos o edifício se tornará mais uma arquitetura evanescente da cidade soterrada pelos interesses econômicos?