Conheça seis poemas do escritor Thássio Ferreira, que compõem o livro agora (depois)

    “Cantar o amor é uma predestinação dos poetas. Quando esse mesmo amor acaba (por concluir ou não seu ciclo), o poeta corre o risco de cantar ainda mais – e melhor. No seu terceiro livro, Thassio Ferreira faz mais do que poetizar as dores provocadas pela ruptura de uma relação amorosa. Ele expõe de forma corajosa todo o vazio desse não-lugar que ocupamos  quando não mais pertencemos a outrem (e nem quiçá a nós mesmos)” – texto da orelha do poeta Christovam de Chevalier.

    Em seu terceiro livro de poemas, Thássio Ferreira desnovela a linha do tempo de uma história de amor, de trás para frente, em 52 poemas organizados em duas partes: um “agora (depois)” instalado com a separação; e o “agora” anterior, do início do relacionamento até sua crise. Dividindo esses dois tempos, um retrato em prosa do momento fatal em que o barco se desamarra do cais.

    Entre referências e epígrafes que remetem a Caio Fernando Abreu, Herbert Vianna, Drummond, O Mágico de Oz, Marvin Gaye, Jards Macalé, Tulipa Ruiz, Clarice Lispector e Peninha, o poeta “canta como quem parisse espinhos, sem meias palavras. E, assim, brinda-nos com textos de forte riqueza imagética. Como se o leitor não tivesse nas mãos um livro, mas uma tela sobre a qual são projetadas cenas reais, tamanho o despudor do que é narrado/cantado”, ainda segundo Christovam de Chevalier.

    (sem título)

    perguntam-me se eu gostaria
    que você lesse estes poemas
    de agora, depois daqueles
    que me ouviu dizer quando
    nos amávamos.

    não.

    acho que não.
    (este silêncio sem paz
    tão diverso dos silêncios
    que eu amava antes
    de nos desamarmos
    desorbita meus processos mentais)

    (mas) não.

    não gostaria que os lesse.
    que ninguém os lesse.
    nem mesmo que eu
    os tivesse escrito.

    (mas é preciso)

    retrato

    tu: ainda tão novo
    já lâmina aguçada
    (cega também: ao tempo
    que vem depois do talho)
    prenhe de tanta dor
    que dentro de teus dedos
    borbulha e se condensa
    ávida por tornar-se
    : enchente

    agora (depois)

    a casa está limpa dos teus sinais.
    a playlist de canções tristes
    com alguns saltos e muitos repeats
    está zerada.
    a conta conjunta está extinta
    e a do gás voltará ao meu nome
    mês que vem.
    guardei três ou duas
    camisas tuas
    para mim
    — gosto delas.
    nossos retratos e os presentes
    que me deste
    estão no fundo do fundo
    do armário
    — alguns eu deitei fora
    ou doei, porque doíam
    mais ainda depois
    que vi os presentes
    que te dei e pedi
    para levares contigo
    jogados atrás do sofá
    (farpa a mais na carne
    desses dias).
    teu travesseiro levaste.
    teu riso levaste.
    teu desamor também.
    agora, só memória.

    depois de ti

    ando lembrando
    muito de ti
    nos intervalos de tentar
    te esquecer.

    construir os dias
    depois do teu cheiro
    depois dos teus pés
    formiga-me os dedos
    greta-me os lábios
    embrulha-me o estômago.

    meu esperma empedrou
    coagulado aqui dentro
    sabias?

    não sabes nada.

    as tesouras da casa
    se escondem
    quando lembro de ti.
    na escola o professor
    de química
    explicou-me que os
    átomos buscam
    (sem desejo, cegamente)
    reunir oito elétrons
    em sua última camada
    porque essa arquitetura
    matemática
    — ao que se sabe —
    dá-lhes estabilidade.
    tento adestrar
    meus elétrons
    mas o que sou
    não tem mais órbita
    desde que partiste.

    tenho pensado
    muito em ti
    — frente ao espelho
    e no escuro —
    enquanto tento
    revivenciar o mundo
    a cada dia
    depois
    da tua ausência.

    a casa limpa

    a casa, mesmo limpa
    da tua voz, de teus sinais
    guarda inda teu silêncio
    que não consigo limpar
    dos cantos
    das frestas
    do risco
    no chão de taco

    habito sozinho
    um silêncio
    que não é o meu

    é difícil
    respirar aqui
    no teu silêncio

    talvez eu adote um cão

    um poema para pedro

    quando nos deitamos
    e segurando o choro
    eu te penetro
    como quem parisse espinhos

    é nele que eu penso

    no toque dele sobre ti
    em que ângulos te faz sorrir
    gozar
    e o que mais ele faz

    o que ele faz, amor?

    eu queria, como
    no princípio, só
    pensar em ti, em
    cada rosto, cada
    pessoa na rua
    sendo só tu
    em todos ver não
    mais que o teu
    rosto

    mas é o dele que vejo
    é nele que eu penso

    a todo todo todo
    momento

    desde que fiquei sabendo
    que esse pedro anda comendo
    meu namorado mais
    do que eu mesmo

    memento

    22 de setembro de 2017
    foi uma das
    trepadas mais
    espetaculofodásticas
    da minha vida:

    eu havia
    escrito um poema
    na noite
    anterior
    como escrevo
    nesta noite
    de agora
    muitas noites
    após

    mas dentro
    daquela noite
    veloz

    (a cidade em guerra

    contra seus pobres

    os golpes os golpes os golpes)

    pelo tempo incontável
    –– voluptuoplenos instantes ––
    que dura uma alegria

    foi o poema em si mesmo
    com tinta de esperma
    que se escreveu em minha
    carne e minha memória

    Sobre o livro:

    agora (depois)
    Thássio Ferreira
    Autografia Editora (selo Bem-te-li)
    Poesia
    100 páginas
    R$ 30,00
    pré-venda: https://www.autografia.com.br/produto/agora-depois/

    Sobre o autor Thássio Ferreira:

    Thássio Ferreira, escritor radicado no Rio de Janeiro, é autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016) e Itinerários (Ed. UFPR, 2018 —  obra vencedora do I Concurso Literário da editoria universitária). Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), Vício Velho, InComunidade (Portugal), Antologia Prêmio Off Flip 2019 e outras.

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