A vida, com seus altos e baixos, sempre foi matéria-prima da poesia. Nas mãos dos grandes poetas, o que parece simples se revela profundo, o que machuca ganha forma, o que passa despercebido no cotidiano se torna iluminação. Poemas sobre a vida têm esse poder raro: fazem a gente parar, respirar e refletir sobre o que estamos fazendo com os nossos dias.
Nesta seleção, reuni sete poemas intensos e sensíveis que mergulham no existir, cada um à sua maneira. São textos que nos convidam a olhar para dentro, rever escolhas, acolher dores e celebrar as pequenas belezas que costuram o nosso caminho. São poemas para refletir com honestidade, delicadeza e coragem.
1. Viver não dói – Carlos Drummond de Andrade
Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana,
que gerou em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,
um tempo feliz.
Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer
pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos
de ter conhecido ao lado do nosso amor
e não conhecemos,
por todos os filhos que
gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados,
pela eternidade.
Sofremos não porque
nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres
que deixamos de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo,
para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe
é impaciente conosco,
mas por todos os momentos em que
poderíamos estar confidenciando a ela
nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada
em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós,
impedindo assim que mil aventuras
nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e
nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o
desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
Interpretação: Drummond tem o dom de falar do que somos sem ornamentação: direto, cru, verdadeiro. Neste poema, ele desmonta a ideia de que sofremos pelo que vivemos. Para o poeta, a dor nasce do que imaginamos e não aconteceu, dos planos frustrados, dos futuros sonhados, das vidas que poderiam ter sido e não foram. É um poema que nos convida a olhar com ternura para a própria existência, lembrando que as expectativas não cumpridas costumam pesar mais que a realidade. Uma reflexão perfeita para quem se prende demais ao que não veio. Conheça mais sobre o poeta aqui.
2. Mario Quintana – O Tempo
O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem
[nós, para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como um velho
[paralítico a tocar a campainha
atroz.
Nós
é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho… Mas que raiva impotente dá no Velho
quando encontra crianças a brincar de roda
e não há outro jeito senão desviar delas a sua cadeira de rodas!
Porque elas, simplesmente, o ignoram…
Interpretação: Quintana transforma o tempo em personagem. Ele o imagina como um senhor sentado numa cadeira de rodas, sempre nos empurrando para frente, sempre insistindo para que sigamos. Porém, só alguns conseguem escapar por instantes: poetas, amantes, bêbados e crianças. O poema traz humor e sabedoria ao mesmo tempo e nos leva a pensar sobre como vivemos correndo, obedecendo às exigências dos dias. Quintana sugere que refletir sobre a vida é aprender a driblar, mesmo que por pequenos segundos, esse tempo que nunca cansa. Acesse outras poesias do autor.
3. Eu estou de pé – Sylvia Plath
Eu estou de pé
Mas preferia estar deitada.
Não sou uma árvore de raízes fincadas
Sugando minerais e amor maternal
Para que a cada março eu resplandeça em folhas,
Nem sou a flor mais bela dos canteiros
Delicados, atraindo meu quinhão de “Ais”
Antes do iminente despetalar.
Comparadas a mim, uma árvore é imortal
E uma flor, conquanto pequena, é mais espantosa –
Invejo a longevidade de uma e a ousadia da outra.
Hoje, à luz infinitesimal das estrelas,
As árvores e as flores espalharam seus odores na noite fresca.
Caminho entre elas, mas não me notam.
Às vezes imagino que, dormindo,
Sou sua semelhante –
Penso obscura.
É mais natural se estou deitada;
Assim, o céu e eu conversamos sem segredos.
Serei útil quando estiver enfim deitada:
Aí as árvores serão mãos para mim, e, as flores, demora.
Interpretação: Sylvia Plath fala da vida com uma sinceridade profunda e às vezes dolorida. Aqui, ela se compara a árvores e flores, seres que renascem e seguem o ritmo da natureza. Ela, humana, enfrenta outros ciclos: exaustão, desejo de descanso, medo e contemplação. O poema provoca reflexão sobre a fragilidade emocional e física, sobre estar de pé quando se deseja deitar, sobre continuar caminhando mesmo no cansaço. É um chamado à empatia consigo mesma.
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4. Aviso aos náufragos – Paulo Leminski
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Interpretação: Leminski escreve como quem lança garrafas ao mar. Seu poema é um aviso e, ao mesmo tempo, uma confissão: a vida nem sempre se explica, nem sempre segue lógica, nem sempre quer ser lida. Há coisas que simplesmente existem. É um texto que nos lembra que viver é atravessar incertezas, tentar traduzir o indizível e, muitas vezes, aceitar que não há tradução possível. Um poema essencial para quem deseja refletir sobre o inesperado.
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5. O fazedor de amanhecer – Manoel de Barros
Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.
Interpretação: Manoel de Barros cria mundos com lama, folhas e aves. Neste poema, ele brinca com invenções inúteis, máquinas poéticas, engenhocas mágicas que só existem para encantar. Sua fantasia despretensiosa nos faz pensar sobre o valor das coisas simples e sobre a importância de continuar criança por dentro. Refletir sobre a vida aqui é lembrar que a criatividade salva e que a leveza também é sabedoria. Manoel de Barros sempre abre janelas na alma.
6. Dialética – Vinicius de Moraes
Montevidéu , 1962
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste…
Interpretação: Vinicius declara amor e tristeza na mesma linha. Ele celebra a vida, a alegria, a beleza do amor simples e logo em seguida confessa: “Mas acontece que eu sou triste.” A força desse poema está na honestidade com que encara as contradições humanas. É um convite para refletir sobre como podemos ser luz e sombra ao mesmo tempo e sobre como a vida é feita dessa mistura profunda de opostos. Tem mais poesias do artista aqui.
7. Dorme, que a vida é nada! – Fernando Pessoa
Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.
Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.
Melhor entre onde os ramos
Tecem docéis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer,
Dando o que nunca damos.
Interpretação: Pessoa observa a vida com melancolia filosófica. Aqui, ele nos pede para dormir porque a vida “é nada”, não no sentido desesperado, mas como quem percebe que tudo é impermanente, incerto, frágil. A vida, para ele, é um movimento que não controlamos, um sopro que tenta se equilibrar entre desejos e desenganos. É um poema que convida a pensar sobre a brevidade, sobre a confiança depositada no outro e sobre aquilo que jamais conseguimos dominar. Conheça mais sobre o poeta!
Conclusão: a poesia como espelho da vida
Poemas sobre a vida abrem portas que o cotidiano insiste em fechar. Eles explicam o que não sabemos dizer, tocam o que não ousamos tocar e devolvem sentido aos dias gastos. Ler poesia é um gesto de cuidado consigo mesma, com o mundo e com o tempo. Que estes sete poemas te acompanhem como pequenas lanternas literárias. E que, ao revisitá-los, você encontre novas formas de pensar a vida, sentir o tempo e se reconhecer nas palavras dos outros.
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