O cansaço de Rosabel (Katherine Mansfield)

O Cansaço de Rosabel mostra o poder de uma grande escritora quando consegue eternizar sua obra. É um conto escrito no início do século XX e mesmo assim o texto é atual.

Katherine Mansfield é uma escritora que surpreende nos detalhes. Seus contos merecem uma leitura atenta, mais de uma vez, pois, a cada nova leitura, um novo mundo vai surgindo, como se a leitura fosse um lápis a desenhar gradualmente uma história de traços fortes.

A primeira vez que li “O cansaço de Rosabel” foi numa noite, antes de dormir. Fiz uma leitura livre, sem me preocupar em analisar, apenas deixei meus olhos seguirem um ritmo suportável, devido ao meu cansaço. Na manhã seguinte lembrei-me vagamente do conto, aquela sensação: “eu li, eu adorei, mas não sei explicar”, e então na mesma noite li novamente, sem cansaço, atenta, e fazendo pequenas marcações nas páginas, que uso agora para escrever sobre esse belo e curto conto que faz parte do livro “Aula de Canto e outros contos”, tradução de Julieta Cupertino, da Editora Revan.

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Sobre Rosabel

Rosabel é uma mulher que está voltando para a casa depois de um dia de trabalho numa loja de chapéus, além do cansaço, ela sente fome, “teria dado sua alma por um bom jantar”, mas ainda precisa enfrentar o ônibus para poder ter um merecido descanso. Ônibus lotado, chuva lá fora, tudo apertado e sufocante é o clima que a personagem tem de enfrentar e ela ainda consegue reparar numa mulher ao seu lado que lia um livro “numa edição barata, de capa mole; e a chuva tinha espalhado lágrimas sobre as páginas”.

O que marca esse primeiro momento do conto é a situação tão comum que Katherine Mansfield consegue descrever, e assim que termina o segundo parágrafo, a imagem construída é de uma mulher sentada num ônibus e ao lado dela vários robôs, que compõem a sociedade que ela convive. As palavras de Katherine são:

“Através dos olhos meio fechados, toda a fileira de pessoas do assento ao lado oposto parecia reduzir-se a um rosto irreal, de olhos fixos…”

Isso é o poder de uma grande escritora quando consegue eternizar sua obra. Estou falando sobre um conto escrito no início do século XX e mesmo assim o texto é atual, quem nunca ouviu comentários sobre o nosso ritmo frenético de trabalho ou sobre o quanto somos manipulados, com robôs, “com um rosto irreal, de olhos fixos…”?

O fio condutor em “O Cansaço de Rosabel”

Quando Rosabel chega em casa, ela se lembra das pessoas que entraram na loja de chapéus e fixa o seu pensamento num casal muito bonito, aparentemente rico, que entrou na loja para escolher um chapéu especial, para ser usado numa festa. Ela, encantada com a beleza do homem, imagina que ela é a mulher fina que acompanha o belo homem e constrói, enquanto está sentada próxima à janela de seu quarto, a sua história irreal de vida, como uma mulher da alta sociedade de Veneza, repleta de festas, jantares e pessoas agradáveis.

O fio condutor que leva Rosabel ao ápice de sua história inventada é justamente o livro que ela espiou da mulher no ônibus, pois quando estava lá, quase sufocada pelo calor, ela leu um trecho do livro, quase que automaticamente, sem se dar conta que ele ficaria gravado no seu subconsciente para ajudar em seu devaneio amoroso.

E mais uma vez construo um paralelo com os dias de hoje: quantas pessoas agora não estão num ônibus apertado, cansadas e conformadas com a rotina robótica da vida? Quantas pessoas apenas sonham com a vida de outros e assim conseguem energia para continuar o dia seguinte? Quantas Rosabel existem no mundo agora?


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