A experiência de escrever um Diário de Leitura se mostra cada vez mais interessante, pois, ao final da leitura de Ao Farol (Virginia Woolf) reli todas as anotações do diário e descobri coisas muito interessantes. Algumas suposições incorretas, outras corretas e, principalmente, pequenos detalhes que passariam despercebidos se não fossem registrados no papel.
Ao Farol é a história da família Ramsay e de como eles lidam com mudanças. A personagem central é a Sra. Ramsay, uma mulher esplendorosa, que faz de tudo para manter a harmonia familiar, que é constantemente desfeita pelo próprio marido, um homem rabugento, amargo, perdido em sua própria inteligência, que o torna só.
Como começa Ao Farol
A primeira cena da história acontece na casa de veraneio da família, próxima a um farol que James Ramsay, um dos filhos, deseja muito ir, porém, o tempo não está bom, o que estraga os planos da família e, principalmente da criança James, que nutre um ódio do pai, por ele ser tão ríspido em suas colocações sobre o passeio ao farol.
Neste mesmo dia, carregado de tristeza para James Ramsay, há no jardim Lily Briscoe, uma artista plástica a pintar um quadro da família, porém, ela é insegura e não sabe muito bem para onde levar os seus pincéis. Próximo a ela, jovens praticam esporte e lá, distante, outros estão aproveitando a praia.
A Sra. Ramsay, mesmo com todo o movimento ali diante de seus olhos, acredita que há um silêncio na casa e isso a incomoda, ao ponto dela acreditar que se acontecesse uma vista ao farol, o silêncio poderia ser quebrado, como um alívio. E é através dos olhos dela que avistamos o farol pela primeira vez:
“Oh, que beleza!”. Pois a imensidão da água azul estava diante dela; o vetusto Farol, distante, austero, no mio; e à direita, tanto quanto a vista alcançava, desvanecendo e desaparecendo, em pregas suaves e estreitas, as verdes dunas de areia, cobertas pelo ondulante capim silvestre que sempre parecia estar fugindo para algum rincão lunar, vazio de homens” (p. 14)
O livro, dividido em 3 capítulo: A janela, que funciona como uma apresentação dos personagens, com todas as suas qualidades, defeitos e sentimentos; O tempo passa, além de mostrar a degradação da casa, revela acontecimentos cruciais na família Ramsay; e O farol, que é o momento em que realmente acontece o tão esperado passeio, porém de uma forma muito diferente.
A segunda parte dilacera o leitor
O grande trunfo do livro, além dos grandes personagens, está na segunda parte, O tempo passa, pois ele constrói paralelos entre a casa e a família, e os dois derrotados pelo tempo. O formato dessa segunda parte também é interessante, pois, num romance tradicional, ele seria escrito de uma forma muito diferente, acredito eu, porém Virginia Woolf desconstruiu o formato, de modo que o clímax da história acontece por meio de algumas frases postas entre colchetes, o que causa no leitor a sensação de receber tudo de uma vez só, com total satisfação, apesar do peso das informações.
E o tão esperado passeio ao farol acontece após a família retornar para a casa, quase destruída pelo tempo, inclusive Lily Briscoe para finalizar sua obra-prima, porém, aquele silêncio que a Sra. Ramsay acreditava que poderia ser quebrado pelo farol, permanece, porém, numa forma que dilacera o leitor e todos os personagens que chegam ao farol.
Por fim, é um romance de muito aprendizado, pelo texto – sempre impecável – de Virginia Woolf, pela história – que sempre surpreende – e também pela forma como reconhecemos cada personagem como pessoas comuns, pessoas possíveis, que dizem: não seja rude, seja educado; não guarde mágoas, baixe a guarda. Está tudo lá, não como lição, mas como um quadro que revela as mais profundas desordens da vida.
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É um romance repleto de aprendizados, com o texto impecável de Virginia Woolf, uma história que surpreende e personagens que se revelam como pessoas comuns, possíveis. Eles parecem nos dizer: “não seja rude, seja educado”; “não guarde mágoas, baixe a guarda”. Está tudo ali, não como uma lição, mas como um retrato que revela as mais profundas desordens da vida.
Respostas de 8
Fran, ela compreendeu tudo que há de mais íntimo no ser humano, e projetou ali em todas as suas inseguranças, fragilidade e condição presa do tempo, presa da vida -esses animais ferozes. Ela conseguiu compor até os sentimentos que ainda não têm nome. Estou lendo a versão em inglês conforme ela escreveu e, olha, é absolutamente brilhante.
Eu tenho uma versão em inglês, estou pensando em ler e também aproveitar para estudar inglês.
Eu nunca irei encontrar outra escritora que seja tão importante para mim quanto ela, que consegue me ensinar tanto, de teorias aos mais loucos sentimentos.
Sua resenha ficou muito boa Francine! Terminei “Ao Farol” hoje e que final curioso da Lily rs bem intrigante! Adorei o livro, não supera Mrs. Dalloway mas ele tem seus muitos méritos! ^^
Obrigada, Fernanda!
A Lily é uma grande personagem também, mas, claro, todo o amor pela sra. Ramsay! 🙂
Hj qdo penso nos 2 livros tenho dúvidas sobre qual é melhor. Mrs. Dalloway eu adoro, um dos primeiros que li de Virginia Woolf, por isso é mto especial para mim. Mas a narrativa de Ao Farol é tão forte, tão intensa…
Bjos
Entendo isso Francine rs. Acho que Mrs.Dalloway ganha pra mim, porque achei ele mais leve e compreendi melhor muito do que estava no enredo, já “Ao farol”, sei que vou precisar pensar e repensar (e reler o livro) bastante em certas coisas que li rs.
Pra você, o que pode ter sido a visão da Lily,no final? 🙂
Olá Francine, parabéns pela sua resenha e pelo vídeo. Gostei especialmente de sua frase final. Um abraço, Rafael
Olá, Rafael! Muito obrigada! 🙂
Bom dia Francine, parabéns pelo trabalho, nos ajudou muito.