Narrado em primeira pessoa, Memórias de minhas putas tristes (Gabriel García Márquez) nos apresenta a um jornalista extremamente culto, conhecedor das artes, da música, do belo e frequentador assíduo de bordeis, que prestes a completar seu 90º aniversário, escolhe uma forma inusitada de celebrar: uma noite de sexo com uma virgem. Cabe a Rosa Cabarcas, dona de um puteiro – e de comentários afiadíssimos –, tornar o pedido possível para a tão desejada noite.
Chegado o momento, nosso ilustre nonagenário, que jamais transou sem pagar e que (por isso?) não conhecia o amor, se apaixona perdidamente pela jovem virgem, ao vê-la dormir, e não consegue dar cabo a seu plano, não tem coragem sequer para acordá-la.
Envelhecimento e solidão
García Márquez põe luz em diversas áreas de forma muito consistente: no envelhecimento, na solidão, na lucidez e obviamente também no amor, que na leitura que fiz, pareceu-me mais simbólico do que ele parece explicitar, algo como uma redenção da existência ou será um sentido? Além disso, todos os componentes das boas histórias de amor estão presentes em personagens bem desenvolvidos (mesmo quando em seus diálogos incipientes, como no caso da virgem) e um texto rico à la García Márquez e seu Nobel de Literatura.
A beleza plástica também está patente em muitas das descrições pormenorizadas e extremamente visuais que o narrador faz do mundo e de sua musa, como se estivesse a descrever uma pintura de Frida Kahlo ou de Van Gogh; como se tivesse a necessidade de impor a beleza da arte ao seu próprio entorno e obrigando-a a acomodar-se ainda na sua condição de vida (de feio – ele sempre se considerou muito feio – e velho).
O amor platônico
O livro, de pouco mais de 100 páginas, injustamente desvalorizado pela crítica, sustenta um romance muito maior do que o impresso em suas páginas. É uma ode ao amor idealizado, ao amor platônico, resgatado pela mente jovem de um sábio triste (como o personagem principal é chamado por Rosa Cabarcas) que aos poucos transforma o desejo inicial e pretensioso de uma noite de aniversário mais apimentada, em algo ainda maior e mais complexo, como a manifestação de uma necessidade que urge por florescer para mantê-lo vivo.
Li a tradução do Espanhol para o Inglês, de Edith Grossman: Memories of My Melancholy Whores, publicado pela Jonathan Cape London, 2005.
Segue um pequeno trecho, em Português:
“E me acostumei a despertar cada dia com uma dor diferente que ia mudando de lugar e forma, à medida que passavam os anos. Às vezes parecia ser uma garrotada da morte e no dia seguinte se esfumava. Nessa época ouvi dizer que o primeiro sintoma da velhice é quando a gente começa a se parecer com o próprio pai. Devo estar condenado à juventude eterna, pensei então, porque meu perfil eqüino não se parecerá jamais ao caribenho cru que era meu pai, nem ao romano imperial de minha mãe. A verdade é que as primeiras mudanças são tão lentas que mal se notam, e a gente continua se vendo por dentro como sempre foi, mas de fora os outros reparam.”
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