Eliane Brum nasceu em 1966, é escritora, jornalista e documentarista. Escreveu por onze anos para o jornal Zero Hora, e dez para revista Época. Atualmente se dedica aos livros de reportagem e ficção, além de ser jornalista free-lance e escrever para o site do jornal El País.
Em 2014, através da Editora Leya, lançou uma autobiografia com o título “Meus desacontecimentos – a história da minha vida com as palavras”.
Abaixo estão selecionadas algumas frases interessantes do livro.
Às vezes me perguntam o que aconteceria comigo se não existisse a palavra escrita. Eu respondo: teria me assassinado, consciente ou não de que estava me matando. É uma resposta dramática, e eu sou dramática. O que tento dizer é que, se não pudesse rasgar o papel com a caneta, ainda que numa tela digital, eu possivelmente rasgaria o meu corpo. E, em algum momento, o rasgaria demais. (p. 17)
Há mal-entendidos demais numa vida humana. (p. 23)
Há realidades que só a ficção suporta. Precisam ser inventadas para ser contadas. (p.78)
A palavra é o outro corpo que habito. Não sei se existe vida após a morte. Desconfio que não. Sei que para mim não existe vida fora da palavra escrita. Só sei ser – por escrito. (p. 83)
O passado só existe a partir de um narrador no presente que é tanto um decifrador quanto um criador de sentidos. (p. 89)
Aprendi nesse território por desbravar que o princípio não é o verbo, mas o cheiro. Meu primeiro ato era inspirar aquelas folhas virgens, as quais eu seria a primeira a decifrar. Depois eu passava a ponta dos dedos na capa, sentindo a pele e a forma, acariciava as páginas com reverência. Só então lia a primeira palavra, toda arrepiada. Até hoje repito esse ato nas livrarias, causando algum estranhamento. Para mim, os livros sempre foram sagrados, mas apenas para que pudessem ser profanados. Mais tarde eu faria sexo da mesma maneira, ligando os corpos e as letras para sempre na minha apreensão do mundo. (p. 102)
Aprendi ali que ninguém é substituível. Alguns se tornam substituíveis ao se deixar reduzir a apertador de parafusos da máquina do mundo. Alienam-se do seu mistério, esquecem-se de que cada um é arranjo único e irrepetível na vastidão do universo. Quando a alma estala fingem não saber de onde vem a dor. Então engolem a última droga da indústria farmacêutica para silenciar suas porções ainda vivas. Teriam mais chance se ousassem se apropriar de sua singularidade. E se tornassem o que são. Para se perder logo adiante e se buscar mais uma uma vez, já que ser é também a experiência de não ser. (p. 104)
Acredito que só alcançamos o extraordinário do que somos ao sermos capazes de alcançar o extraordinário que é o outro. (p. 106)