O livro da gramática interior: uma narrativa bela e sofrida sobre
as dores e sabores da adolescência.
Teoricamente, “O livro da gramática interior” (Companhia das Letras, 2015) fala sobre o período de entrada na adolescência de um menino judaico-polonês e seu grupo de amigos, que vivem em Israel às vésperas da Guerra dos Seis Dias (conflito armado entre o pais e uma frente composta por Egito, Síria e Jordânia). A orelha do livro ainda indica que ele trata “com lirismo e perspicácia um dos temas mais espinhosos da geopolítica contemporânea (…)”. Mas a verdade é ainda mais complexa do que isso, “O livro da gramática…” traz conflitos familiares, a resistência ao crescimento e seus danos psicológicos.
A narrativa começa bastante linear e compreensível e acompanha o dia-a-dia de Aharon Kleinfeld, as brincadeiras com os amigos, os preparativos para seu bar mitzvah e as inquietações, ainda distantes, com a idade adulta. Com o passar do tempo, Aharon vai sendo cada vez mais pressionado pela expectativa dos pais, pelo novo comportamento dos amigos e decide que não quer crescer. E parece que seu corpo resolve “colaborar” com seu desejo e simplesmente interrompe as transformações da puberdade.
Nesse ponto, o texto começa a ficar truncado e angustiante, eu demorei um pouco para perceber que o narrador foi gradativamente introduzindo o fluxo de consciência. Assim, a narrativa passa a acontecer mais na cabeça de Aharon ou é filtrada por seus sentimentos e temos dificuldade em compreender o que está acontecendo com os outros personagens.
O romance se inscreve numa “tradição” caulfieldiana de narração. Assim como “O apanhador no campo de centeio”, Aharon parece desenvolver uma depressão cada vez mais profunda, se distanciando do mundo, tendo atitudes paranoicas e pensamentos depreciativos. Pela lente do menino, a família começa a acreditar que ele está enlouquecendo, um pensamento comum nos anos 60 (e, infelizmente, ainda hoje) em que o tratamento da doença era muito experimental.
Apesar disso, o romance é bem arrastado, muitas vezes a leitura fica cansativa e, principalmente, senti falta da tal visão de Aharon sobre a Guerra dos Seis Dias, pois a leitura da sinopse me fez entender que a guerra seria o fio condutor da obra e também do amadurecimento do personagem, mas esse assunto mal aparece. O engajamento dos amigos e da irmã, Iochi, é visto tão superficialmente que passaria despercebido, o menino não só não está interessado como faz questão de rejeitar o assunto como “coisas dos adultos”.
O texto é apático, agitado, ansioso, filosófico e deprimente, muito deprimente. Uma narrativa bela e sofrida sobre as dores e sabores da adolescência.
E sente também que alguma coisa está se passando em volta dele, que ele não sabe descrever com palavras, mas está acontecendo, e o tempo todo está aumentando e se complicando, mas com cuidado para não se revelar, e por causa dela Aharon tem de ficar firme e manter por enquanto todas as suas fortificações e trincheiras, até mesmo as mais insignificantes. (pag. 87)
Respostas de 3
Li um livro do Grossman há alguns meses. “Garoto Zigue-Zague”. Já ouviu falar? É bem divertido. Gostei bastante. “O livro da gramática interior” já está na minha listinha de desejados. Qualquer dia vou ler! 😉
Parece interessante! Gosto de livros filosóficos, tristes. Acho interessante observar como os autores expõem a tristeza e as percepções infelizes das personagens. Foi pra listas de desejados também.
Já passei mais ou menos por isso com outro livro. Comprei “formas de voltar para casa” achando que ia discutir sobre a ditadura do Pinochet pela visão de uma criança e quando li o livro vi que não tinha nada disso. A ditadura até aparece como pano de fundo, mas não é uma parte bem trabalhada da historias.
Acabei não gostando tanto do livro pela decepção.
Mas, sua resenha acabou me deixando curiosa. Provavelmente seria uma leitura arrastada, mas fiquei com vontade de ler esse livro