Augusto & Lea (José Carlos Sebe B. Meihy)

Imagine que uma família com boa posição social e que tem tudo para viver o “feliz para sempre” é surpreendida por uma doença. A doença é a AIDS e talvez você esteja imaginando que a pessoa contaminada seja um jovem, mas em Augusto & Lea: um caso de (des)amor em tempos modernos, os contaminados são os pais.

“Eu me inquietei e comentei com os filhos,que achavam que seria alguma coisa com os negócios, com a mudança na flutuação da moeda, com as consequências das medidas econômicas do governo… É sempre muito fácil encontrar desculpas quando não se quer ver a realidade…” (Lea, pag 27)

Não é novela das oito, poderia ser, mas o caso é real e é apresentado pelo especialista em História oral, José Carlos Sebe B. Meihy. Os discursos são frutos de encontros entre o historiador e os envolvidos na história: Augusto (pai), Lea (mãe), Marcos (filho mais velho), Rafael (filho mais novo), Leta (esposa de Rafael), Dona Marieta (empregada doméstica), Greta (enfermeira) e Martha (amiga de Lea).

Augusto & Lea (José Carlos Sebe B. Meihy)

“Entendi então o que significava a palavra ‘vazio’. Estava vazio de tudo, de todos e principalmente de mim…” (Augusto, pag 54)

São falas tensas, marcantes, sinceras, algumas cheias de remorso e até ódio, que levam o leitor a se questionar sobre status social, estrutura familiar, educação, relações profissionais, preconceito, questões de gênero, e tantas outras situações que envolvem a sociedade e a família. Ao passar as folhas e conhecer o relato e o olhar de cada um dos envolvidos diante da situação, o leitor também se questiona sobre qual lado ficar, de que forma entender tudo que ocorreu. É bem difícil escolher um lado, e talvez nem devêssemos escolher, muito menos julgar. É aquela velha história, só quem passa por algo similar pode entender a dimensão do acontecido, quem está de fora, apenas lamenta.

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“Lea paga hoje todos os tributos de uma história de injustiças. Por qualquer ângulo que analiso, só encontro desatinos. Na verdade quem vê conforto, luxo até, em nossas vidas não pode imaginar os dramas embutidos na aparência. Somos como manequins de vitrines. Temos que ter sempre uma aparência neutra e nos vestir bem. Mesmo que o mundo esteja caindo, temos que viver como se exibíssemos a última moda e isso é o que interessa. Esse é o papel que nos deram. E o pior é que historicamente nos cobram isso. E como aceitamos tudo sem perceber as consequências…” (Marta, pag 111)

O livro traz ainda uma apresentação sobre o projeto e a pesquisa que mostra como o autor chegou a essa história e como foi todo o processo de produção. É uma parte interessante, principalmente para quem se interessa por história oral.

“Sabe o que eu aprendi nessa experiência toda: que podemos passar a vida sem precisar redefinir relações, mas é no sofrimento que nos distinguimos. Sei que falando isso pode parecer pouco, mas é importante ser valente o suficiente para ganhar com as perdas. Se não crescemos na dor, viramos também vítimas. Hoje eu vejo o mundo diferente… muito diferente. Somente agora posso dizer que não vivi em profundidade até que toda essa história aparecesse. Com certeza a vida hoje é outra coisa… em em certos aspectos até melhor.” (Rafael, pag 76)

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Uma resposta

  1. Jeniffer, lendo a sua resenha eu me lembrei, não sei exatamente o porquê, de A Metamorfose, de Kafta. Talvez porque ele também envolva uma grande transformação que reflete nas relações familiares.
    Beijo!

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