O Museu da Inocência é o último romance do ganhador do Nobel de 2006, Orhan Pamuk, que, narrado em primeira pessoa pelo protagonista Kemal – rapaz com seus 30 anos, filho da burguesia ascendente de Istambul dos anos 70 -, conta sua obsessão amorosa que viria a persegui-lo pelo restante de sua vida, até os 62 anos, idade com que vem a falecer.
O título se dá por conta de um museu – que o personagem vai criando conforme seu romance acontece – que encerra objetos que teriam relação com o alvo da obsessão, a jovem Fusün, uma prima distante. Esse museu realmente existe em Istambul, e para entrada, o visitante deve apenas apresentar o romance, em qualquer idioma, que servirá como ingresso.
“Foi durante esses dias, os mais difíceis para nós, e mais especialmente os últimos meses de 1979, que roubei a maioria das coisas da casa dos Keskin. A essa altura, esses objetos não eram apenas lembranças de momentos da minha vida, nem meros souvenirs; para mim, eram parte fundamental daqueles momentos. Por exemplo, as caixas de fósforo que exponho no Museu da Inocência: Fusün esteve com cada uma delas nas mãos, deixando para trás o aroma de seus dedos com toques de água de rodas. Como ocorrera com tantos outros objetos expostos no museu, toda vez que eu segurava algumas dessas caixas de fósforos no apartamento do edifício Merhamet era capaz de reviver o prazer de dividira mesa com Fusün e de olhar em seus olhos. Mas, mesmo antes disso, sempre que eu guardava uma caixa de fósforos em meu bolso, fingindo que não notava o que fazia, havia outro motivo de regozijo. Podia não ter “conquistado”a mulher que eu amava tão obsessivamente, mas ficava alegre por ter tirado um pedaço dela, por menor que fosse.” página 397
O início do amor
De início, Kemal já tem sua festa de noivado datada com a filha de um embaixador aposentado, a qual teve sua educação no exterior, principalmente em Paris. É ao comprar uma bolsa para sua futura noiva, que Kemal revê uma parente distante chamada Fusün, que agora, aos 18 anos, trabalha como vendedora na loja que imita artigos estrangeiros. Seu amor tem início ali mesmo, na loja. Apesar da grande comoção, Kemal consegue convencer Fusün a deixar que ele lhe ensine matemática para o vestibular em um apartamento fora de uso que sua família possui. Já no primeiro encontro, os dois se amam a maior parte do tempo ao invés de estudar.
Portanto, o início da obra perpassa com esses encontros fortuitos entre ambos no apartamento de Kemal. A festa de noivado enfim chega, depois de quase 150 páginas de namoricos, e com ela, o eminente impasse entre o relacionamento de Fusün e Kemal. Após o evento a grande beldade do narrador desaparece com sua família sem deixar notícias, e as próximas cem páginas são de puro lamento do protagonista por se encontrar numa situação em que a companhia por sua amada lhe é impossível. Achei no mínimo inventivo preencher cem páginas com lamúrias, mas estas não deixam de ser CEM PÁGINAS.
Algo está errado…
No meio de toda essa infelicidade, a noiva de Kemal, Sibel, percebe que algo está errado com o noivo, não apenas ela, mas todos ao seu redor. Após vários votos de compreensão e confiança por parte de Sibel, Kemal acaba confessando o que acontecera entre ele e Fusün, cuja ausência é o motivo de tanto sofrimento.
O desfecho é um tanto quanto original: Sibel diz que fará com que o noivo se esqueça de Fusün, curando dessa obsessão. Mas os meses vão passando e a dor não cessa, o que desencadeia a desistência de Sibel sobre aquela relação. Algumas páginas ainda faltam para que se complete a centena do sofrimento, e até lá, a notícia do noivado desfeito se espalha por Istambul. Até que uma carta de Fusün chega convidando o primo para jantar em sua casa.
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O leitor certamente respirará com mais alívio com esse acontecimento. Um alívio falso, já que Fusün se encontra casada e chama o ex amante apenas para que este financie um filme cujo diretor seria seu marido.
Kemal se sente humilhado e promete para si mesmo se esquecer de Fusün e seguir adiante. Mas o amor acontece num movimento pendular, e Kemal, ora quer se distanciar, ora quer voltar a ver sua amada, já que não consegue suportar a dor de não vê-la. Passam-se 8 anos e quase 350 páginas nas quais que Kemal tenta reconquistar Fusün visitando quase que diariamente sua casa, onde mora com os pais e o marido (ocasiões estas em que Kemal aproveita para roubar itens para seu museu).
O livro negro
Aqui vai uma analogia com o primeiro livro que li do autor e que originou meu apreço por ele: O Livro Negro; a história deste primeiro livro não é de tanta importância, o que se torna relevante são as divagações feitas pelo autor na sua extensão, e que n`O Livro Negro ocupam cerca de 90% do romance (mesmo que o restante se trate sobre a arte de escrever e literatura, o que é um assunto de muito interesse para mim), o que não acontece em O Museu da Inocência, no qual a história tem mais destaque que a escrita e comentários do autor.
Mas ainda há belíssimos capítulos em que Pamuk demonstra sua maestria: como no capítulo em que ele fala sobre as 4213 pontas de cigarro que ele pegou da casa de Fusün, e de como cada uma dessas pontas refletia a personalidade e o estado de espírito dela; ou como também do capítulo em que ele começa todo período com a expressão “Às vezes” que logo em seguida completava com ações corriqueiras — e de uma beleza ímpar com sua narrativa – que ele presenciava nas suas visitas a casa dos pais de Fusün. Mas infelizmente este não foi o foco do livro.
A cultura da Turquia
Outra faceta importante do livro é a de demonstrar como a cultura da Turquia é instável e ora se espelha no orienta e ora tenta ser original. E de como as mulheres que vão estudar fora voltam com uma mentalidade mais consciente de sua liberdade enquanto mulher. A seguir um excerto da mentalidade tradicionalista que imperava na Turquia dos anos setenta:
“Ela decidira não ter relações com ele antes do casamento, e tratava essa decisão em to ligeiro, dizendo que nos países muçulmanos a base de um casamento leal e duradouro, feliz e tranqüilo, não era a riqueza, mas a abstinência pré-marital.” página 384
Independente de não ter sido tão genial como seus outros livros, qualquer livro do autor acaba sendo uma boa leitura decorrente da excelente escrita:
“Não tenho a menor vontade de interromper minha história com descrições dos confrontos de rua entre nacionalistas e comunistas fervorosos naquela época, exceto para dizer que o que estávamos testemunhando era uma extensão da Guerra Fria. Naqueles anos, muita gente era assassinada nas ruas; cafés eram metralhados no meio da noite, e praticamente todo dia havia ocupações ou greves nas universidades, atentados a bomba e bancos assaltados por militantes. Palavras de ordem tinham sido pichadas por cima de outras palavras de ordem em cada muro da cidade, em todas as cores. Como a maioria dos habitantes de Istambul, não me interessava por política, e não parecia fazer bem a ninguém que essa guerra estivesse sendo travada nas ruas por uma variedade de facções violentas, nenhuma das quais tinha nada a ver com o restante dos habitantes da cidade. Quando eu disse a Çetin, que me esperava do lado de fora, que dirigisse com cautela, falava como se a política fosse mais uma calamidade natural, como um terremoto ou uma enchente, e não houvesse nada que nós, os cidadãos comuns, pudéssemos fazer além de todo o possível para ficar fora de seu caminho.” p. 332
Uma resposta
Um triste museu de objetos coletados compulsivamente pelo protagonista e que contam também a história da sociedade turca da época e da cidade de Istambul. O romance não chega ao nível de “Meu Nome é Vermelho”, mas vale muito a pena conhecer.