Eu imagino que a obra ficcional de Natalia Ginzburg é de uma tristeza muito profunda. Imagino assim porque conhecer os ensaios intimistas do livro “As pequenas virtudes” (Cosac Naify, 2015, 160 p, tradução de Maurício Santana Dias) me colocou em estado de melancolia e contemplação.
A escritora nasceu na Itália, em 1916, era filha de intelectuais judeus e sofreu as duras marcas da guerra, fugiu do nazismo, teve o seu marido assassinado nos campos de concentração e em vários momentos fugiu com os filhos por conta da perseguição política que sofria. Assim, logo no primeiro ensaio chamado Inverno em Abruzzo, escrito em Roma, em 1944, a escritora revela o tamanho de seu sofrimento, com a certeza de que ter uma vida feliz era algo que ficou preso em seu passado:
“Na época eu tinha fé num futuro fácil e feliz, rico de desejos satisfeitos, de experiências e de conquistas em comum. Mas aquele era o tempo melhor da minha vida, e só agora, que me escapou para sempre, só agora eu sei.” (p. 19)
No ensaio “O filho do homem”, escrito em Turim, no ano de 1946, vamos conhecer um pouco mais sobre o medo que a guerra e a perseguição provocaram na escritora. Como mãe, ela gostaria apenas de uma noite tranquila para os filhos, porém, o medo estava sempre presente em sua rotina:
“E é inútil dizer e repetir a nós mesmos que por trás da palavra “delegacia” agora talvez haja rostos amigáveis, a quem poderíamos pedir proteção e assistência. Em nós essa palavra sempre provoca desconfiança e assombro. Se observo meus meninos dormindo, penso com alívio que não precisarei acordá-los no meio da noite para fugir” (p. 67)
Ainda no mesmo ensaio, é interessante perceber também que, para Natalia Ginzburg como escritora, a sua vida pessoal estava totalmente relacionada com o estilo de sua linguagem, assim, ela, mesmo com todos os medos, se mostra como uma escritora extremamente corajosa e disposta a enfrentar a batalha da profissão.
“Conhecemos a realidade em sua face mais terrível. Mas já nem sentimos mais desgosto. Ainda há alguns que se queixam de que os escritores se servem de uma linguagem amarga e violenta, que contam coisas duras e tristes, que apresentam a realidade em seus termos mais desolados.
Nós não podemos mentir nos livros, nem podemos mentir em nenhuma das coisas que fazemos. E talvez este seja o único bem que nos veio da guerra. Não mentir e não tolerar que os outros mintam a nós” (p. 68)
Outro ensaio que chama atenção por conta da opinião da escritora sobre literatura chama-se “Meu Ofício”, neste, escrito em 1949, também em Turim, a escritora comenta sobre o ato da escrita de um jeito que pode funcionar como dicas para um escritor:
“Quando alguém escreve um conto, deve pôr dentro dele o melhor que possui e que viu, o melhor que recolheu da vida. E os detalhes se consomem e estragam quando os levamos conosco sem usá-los por muito tempo.” (p 80)
“Porque este ofício [ser escritora] nunca é um consolo ou uma distração. Não é uma companhia. Este ofício é um senhor, um senhor capaz de chicotear-nos até sangrar; um senhor que grita e condena. Devemos engolir a saliva e as lágrimas e apertar os dentes e enxugar o sangue de nossas feridas e servi-lo. ” (p. 88)
“Quando escrevo algo, frequentemente penso que aquilo é muito importante e que eu sou uma grande escritora. Acho que acontece com todos. Mas há um cantinho de minha alma onde sempre sei muito bem o que eu sou, isto é, uma pequena, pequena escritora.” (p. 89)
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Mas, dentro de tudo que se aprende com o livro de Natalia Ginszburg, há uma beleza especial no último ensaio, que dá nome ao livro. Escrito em Londres, no ano de 1960, as palavras da escritora ganham uma certa leveza, como novas possibilidades se abrindo a uma vida tão difícil, que, para o leitor, é um alerta feliz sobre a vida e a educação, base para uma sociedade em constante melhoria:
“No que diz respeito à educação dos filhos, penso que se deva ensinar a eles não as pequenas virtudes, mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença ao dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desdém pelo perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor à verdade; não a diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de sucesso, mas o desejo de ser e de saber.” (p. 123)
Ler Natalia Ginzburg é saber que ao final do livro o leitor não será mais o mesmo, pois, de alguma forma delicada, a clareza das palavras da escritora, mergulham fundo nas considerações que um leitor pode ter sobre a vida. A realidade que ela constrói em cima de uma verdade enxuta, pode incomodar em alguns momentos, mas o conjunto apresentado no livro é único e importante para os amantes da boa literatura.
Foi no ano de 1991 que a escritora faleceu, aos 75 anos de idade. Ela é considerada uma das figuras mais importantes do neorrealismo italiano e, além de escritora, foi tradutora de nomes importantes da literatura, como Marcel Proust e Gustave Flaubert.
Respostas de 2
obrigada por me apresentar essa escritora!
tô indo agora procurar o livro pra comprar
ai meu coração!!!!
Boa tarde,
Onde você conseguiu o livro? Não consigo encontrá-lo disponível.
Att,
Luiza